domingo, 14 de agosto de 2016

Gojira – Magma (Cd-2016)

Gojira - Magma (Cd-2016)

Criatividade em Erupção
Por Trevas


2014, os franceses do Gojira haviam conseguido uma inesperada, ainda que merecida, dose de reconhecimento ao redor do globo, numa rara união entre ótima receptividade por parte de público e crítica. L’Enfante Sauvage (disco de 2012, ver resenha da Cripta), conseguira essa magia. Sonhando em alcançar voos ainda maiores, o quarteto resolve montar seu quartel general em Nova York, mais especificamente no Distrito de Queens. Um sonho de longa data, começa a ser erguido o Silver Cord Studios, pelas mãos dos próprios irmãos Duplantier (a saber, o vocalista/guitarrista Joe e o baterista Mario). Em abril de 2015 o sonho parecia se concretizar, estúdio pronto, partem para uma nova jornada – a gravação do sucessor de seu melhor trabalho até o momento. Mal sabiam que seus sonhos estariam perto de se tornar um enorme pesadelo.


Gojira detonando ao vivo em 2012

Após apenas duas semanas se habituando ao novo estúdio, os irmãos são chamados repentinamente de volta à sua Ondres natal. O motivo? Patricia Rosa, estadunidense e mãe dos dois músicos, fora diagnosticada com um tipo agressivo de câncer. A luta não durou muito, e logo Patrícia deixou esse mundo. Segundo Mario, nesse momento “nos vimos perdidos entre lembranças do passado e um medo palpável do futuro”. Foi com esse peso em suas almas que o quarteto iniciou a tortuosa jornada que culminou em Magma.

Temática



“Eu me lembro quando escolhemos chamar o álbum de Magma. Foi quando nossa mãe estava no hospital, e nos confrontávamos com um turbilhão de sensações. Foi a fase mais difícil para todos, nossos sentimentos pareciam queimar por dentro. E Magma é a expressão certa para definir isso, essa coisa em ebulição dentro da gente. Uma coisa intocável, mas que eventualmente irá entrar em erupção. Fazia sentido naquele momento”. Com essas palavras, Mario definiu para a Metal Hammer a escolha do nome simples e direto para o novo trabalho. Mas se engana quem acredita que apenas dor e escuridão dariam o tom ao disco. Segundo Joe, “nós fizemos o cd num clima de dor e tristeza, num clima de luto. Mas havia também um senso de celebração, pois parecia que ela ainda estava ali com a gente, e de qualquer forma, faz sentido, o amor que ela sempre nos passou sobreviverá enquanto vivermos, e assim adiante”.


Francês na capa da Metal Hammer britânica? Estranho...

O Processo

A construção do novo estúdio fez com que a banda decidisse cuidar de toda a produção, ao contrário do que fizera em L’Enfant Sauvage. O direcionamento seria diferente dessa vez. Se antes a banda centrava em fazer 12 músicas e gravá-las na maneira que haviam sido concebidas, dessa vez tratou de compor e compor e compor. Se alguma música não agradasse a todos, era rapidamente dispensada. E segundo eles, muitas foram dispensadas no tortuoso processo. O direcionamento do disco?  Segundo Joe “menos distorção, mais contraste”.


Magma, faixa a faixa



The Shooting Star parece colocada como faixa de abertura justamente para mostrar explicitamente para os fãs o novo direcionamento. Lenta e climática, a faixa traz um Mario extremamente controlado na bateria e as guitarras de Joe e Christian Andreu quase monolíticas. O baixo de Jean-Michael Labadie apenas marca o tempo e quase não se percebe no mix. A voz de Joe, em camadas e bem progressiva, declama suas letras obviamente em honra da falecida mãe: “When you get to the other side, please send a sign...everlasting love is ever growing...everlasting love is ever dying, it’s in the past you have to let it go”. Uma abertura diferente, mas excelente.






Silvera já é bem mais próximo do que se esperaria ouvir do Gojira, com seus riffs estranhos e bateria quebrada, quase uma continuação da sonoridade do disco anterior. A voz distorcida e gritada de Joe verbaliza mais uma vez a ânsia em salvar o mundo natural. “try to open your eyes to this genocide...when you change yourself you change the world”. Aqui se percebe o quanto a produção da banda está classuda. Em um primeiro momento, tudo parece seco e direto, mas quem ouvir com calma encontrará camadas e camadas de detalhes nos arranjos, como os cantos de monges escondidos em meio a porradaria nessa faixa em específico. Forte candidata a novo clássico.


The Cell traz a loucura rítmica típica dos franceses contrastando com arranjos menos frenéticos nas guitarras, logo descambando para um Groove Metal com ótimo refrão. Aliás, em termos de linhas melódicas nas músicas mais diretas, sempre me chama a atenção o quanto o Gojira deve ao Sepultura, com as frases curtas expelidas com grande preocupação no impacto rítmico e agressividade. Não por acaso, Joe serviu como baixista na primeira encarnação do Cavalera Conspiracy, convidado por Max.

Joe como um elemental da água na Metal Hammer
Stranded surgiu numa brincadeira de Joe com um equipamento novo da Digitech, quando tentava criar algo na linha do Pantera só por diversão. Acabou no disco, como um dos destaques, e não fosse a estranheza típica da banda, poderia muito bem ser um exemplar de Metal radiofônico, tamanho o poderio de seu refrão. A letra fala sobre a falta de conexão entre os seres humanos, seja pela ausência de empatia, seja por falhas na comunicação. Matadora!


E por falar em estranheza, a faixa título está carregada dela. Precedida pela curta intro Yellow Stone, que evoca Black Sabbath ou alguma banda de Sludge, Magma começa climática e descamba para um riff que parece uma orgia entre C3PO, R2D2 e outras robozinhas lascivas em algum puteiro intergaláctico. As vozes, em camadas, evocam letras esquizotéricas em homenagem novamente à passagem da mãe. O riff que se segue ao refrão é Mastodon puro. Aliás, nesse ponto me parece justo que se faça um paralelo entre o novo disco e The Hunter, dos estadunidenses. Confesso que essa foi a faixa que mais demorou a fazer sentido para mim, mas após repetidas audições a ficha acabou por cair. Diferente.

Ratatouille Depardieu, Messieur - Gojira 2016
Pray é mais uma música que mostra a clara intenção de Joe em “cantar mais e gritar menos”, ainda que os gritos estejam lá para marcar o bom refrão numa faixa algo sombria e dinâmica, com um interlúdio instrumental visceral típico dos franceses. O baixo de Jean-Michel aparece bem na cara em Only Pain, uma faixa muito bem construída ao ponto de soar como um épico em seus pouco mais de quatro minutos. Low Lands foi a primeira das músicas do novo álbum a ser apresentada ao público, aparentemente para deixar todo mundo de cabelo em pé e temendo pelo direcionamento do resto do trabalho. Absolutamente climática e etérea em boa parte de seus seis minutos, com o delicado arranjo preparando para o apoteótico final, novamente podendo ser feito um paralelo com o lado mais progressivo do Mastodon. Excelente! Liberation é um epílogo calmo, baseado em percussão e um violão algo folk, que parece saído de Wheels Within Wheels do irlandês Rory Gallagher.


Saldo Final

Novamente o Gojira nos presenteia com uma obra difícil de rotular. Vendido erroneamente como o disco mais acessível dos franceses até o momento, muito provavelmente devido ao tom menos histérico, Magma não é em absoluto um trabalho fácil de digerir. Como acontece com os últimos três álbuns da banda, as músicas até tem vida própria, mas fazem muito mais sentido numa audição completa do disco. Cada nota e clima contribuindo para a cadência da bolachinha. Algo que novamente os coloca par a par com o Mastodon. Enfim, são duas bandas sempre imbuídas em entregar o inesperado e favorecendo o formato em extinção do disco como unidade de expressão artística. Esteja certo de que o que a banda promete a cada trabalho é uma viagem única. E isso eles cumprem, com maestria, ainda que nem sempre essa viagem agrade à todos. Mais um estranho e belo disco.


NOTA: 9,08

Indicado para aqueles afeitos à climas e sons estranhos;
Passe longe se estiver num momento em que busca apenas algo simples e cliché
Para fãs de: Tool, Mastodon, Sepultura, Ihsahn
Classifique como: Prog Metal, Modern metal

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