Gojira - Magma (Cd-2016) |
Criatividade em Erupção
Por
Trevas
2014, os franceses do
Gojira haviam conseguido uma
inesperada, ainda que merecida, dose de reconhecimento ao redor do globo, numa
rara união entre ótima receptividade por parte de público e crítica. L’Enfante Sauvage (disco de 2012, ver
resenha da Cripta), conseguira essa magia. Sonhando em alcançar voos ainda
maiores, o quarteto resolve montar seu quartel general em Nova York, mais
especificamente no Distrito de Queens. Um sonho de longa data, começa a ser
erguido o Silver Cord Studios, pelas mãos dos próprios irmãos Duplantier (a saber, o vocalista/guitarrista Joe e o baterista Mario). Em abril de 2015 o sonho parecia se concretizar,
estúdio pronto, partem para uma nova jornada – a gravação do sucessor de seu
melhor trabalho até o momento. Mal sabiam que seus sonhos estariam perto de se
tornar um enorme pesadelo.
Gojira detonando ao vivo em 2012 |
Após
apenas duas semanas se habituando ao novo estúdio, os irmãos são chamados
repentinamente de volta à sua Ondres
natal. O motivo? Patricia Rosa, estadunidense e mãe dos dois
músicos, fora diagnosticada com um tipo agressivo de câncer. A luta não durou
muito, e logo Patrícia deixou esse mundo. Segundo Mario, nesse momento “nos vimos perdidos entre lembranças do
passado e um medo palpável do futuro”. Foi com esse peso em suas almas que o
quarteto iniciou a tortuosa jornada que culminou em Magma.
Temática
Francês na capa da Metal Hammer britânica? Estranho... |
O Processo
A
construção do novo estúdio fez com que a banda decidisse cuidar de toda a produção,
ao contrário do que fizera em L’Enfant
Sauvage. O direcionamento seria diferente dessa vez. Se antes a banda
centrava em fazer 12 músicas e gravá-las na maneira que haviam sido concebidas,
dessa vez tratou de compor e compor e compor. Se alguma música não agradasse a
todos, era rapidamente dispensada. E segundo eles, muitas foram dispensadas no
tortuoso processo. O direcionamento do disco? Segundo Joe
“menos distorção, mais contraste”.
Magma, faixa a faixa
Silvera já é bem mais
próximo do que se esperaria ouvir do Gojira,
com seus riffs estranhos e bateria quebrada, quase uma continuação da sonoridade
do disco anterior. A voz distorcida e gritada de Joe verbaliza mais uma vez a ânsia em salvar o mundo natural. “try
to open your eyes to this genocide...when you change yourself you change the
world”. Aqui se percebe o quanto a produção da banda está classuda. Em um
primeiro momento, tudo parece seco e direto, mas quem ouvir com calma encontrará camadas e camadas de detalhes nos arranjos, como os cantos de monges
escondidos em meio a porradaria nessa faixa em específico. Forte candidata a novo
clássico.
The Cell traz a loucura rítmica típica dos franceses contrastando com
arranjos menos frenéticos nas guitarras, logo descambando para um Groove Metal com ótimo refrão. Aliás, em termos de linhas melódicas nas músicas
mais diretas, sempre me chama a atenção o quanto o Gojira deve ao Sepultura,
com as frases curtas expelidas com grande preocupação no impacto rítmico e
agressividade. Não por acaso, Joe
serviu como baixista na primeira encarnação do Cavalera Conspiracy,
convidado por Max.
Joe como um elemental da água na Metal Hammer |
Stranded surgiu numa
brincadeira de Joe com um
equipamento novo da Digitech, quando
tentava criar algo na linha do Pantera
só por diversão. Acabou no disco, como um dos destaques, e não fosse a
estranheza típica da banda, poderia muito bem ser um exemplar de Metal
radiofônico, tamanho o poderio de seu refrão. A letra fala sobre a falta de
conexão entre os seres humanos, seja pela ausência de empatia, seja por falhas
na comunicação. Matadora!
E por falar em estranheza, a faixa título está carregada dela. Precedida
pela curta intro Yellow Stone, que evoca Black Sabbath ou alguma banda de Sludge,
Magma começa climática e descamba
para um riff que parece uma orgia entre C3PO,
R2D2 e outras robozinhas lascivas em
algum puteiro intergaláctico. As vozes, em camadas, evocam letras esquizotéricas
em homenagem novamente à passagem da mãe. O riff que se segue ao refrão é Mastodon puro. Aliás, nesse ponto me
parece justo que se faça um paralelo entre o novo disco e The Hunter, dos
estadunidenses. Confesso que essa foi a faixa que mais demorou a fazer sentido
para mim, mas após repetidas audições a ficha acabou por cair. Diferente.
Ratatouille Depardieu, Messieur - Gojira 2016 |
Pray é mais uma música
que mostra a clara intenção de Joe
em “cantar mais e gritar menos”, ainda que os gritos estejam lá para marcar o
bom refrão numa faixa algo sombria e dinâmica, com um interlúdio instrumental visceral
típico dos franceses. O baixo de Jean-Michel
aparece bem na cara em Only Pain, uma faixa muito bem construída ao
ponto de soar como um épico em seus pouco mais de quatro minutos. Low Lands foi a primeira das músicas do novo álbum a ser apresentada ao
público, aparentemente para deixar todo mundo de cabelo em pé e temendo pelo
direcionamento do resto do trabalho. Absolutamente climática e etérea em boa
parte de seus seis minutos, com o delicado arranjo preparando para o apoteótico
final, novamente podendo ser feito um paralelo com o lado mais progressivo do Mastodon. Excelente! Liberation é um epílogo calmo, baseado
em percussão e um violão algo folk, que parece saído de Wheels Within Wheels do irlandês Rory Gallagher.
Saldo Final
Novamente
o Gojira nos presenteia com uma obra
difícil de rotular. Vendido erroneamente como o disco mais acessível dos
franceses até o momento, muito provavelmente devido ao tom menos histérico, Magma não é em absoluto um trabalho
fácil de digerir. Como acontece com os últimos três álbuns da banda, as
músicas até tem vida própria, mas fazem muito mais sentido numa audição
completa do disco. Cada nota e clima contribuindo para a cadência da bolachinha.
Algo que novamente os coloca par a par com o Mastodon. Enfim, são duas bandas sempre imbuídas em entregar o
inesperado e favorecendo o formato em extinção do disco como unidade de
expressão artística. Esteja certo de que o que a banda promete a cada trabalho é
uma viagem única. E isso eles cumprem, com maestria, ainda que nem sempre
essa viagem agrade à todos. Mais um estranho e belo disco.
NOTA: 9,08
Indicado
para aqueles afeitos à climas e sons estranhos;
Passe
longe se estiver num momento em que busca apenas algo simples e cliché
Para
fãs de: Tool, Mastodon, Sepultura, Ihsahn
Classifique
como: Prog Metal, Modern metal
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