Os
Brutos Também Amam
Por Trevas
Prólogo:
Idiossincrasias e heavy metal
Olá, prezados Criptomaníacos.
Quem me conhece sabe o quanto
amo o infame Rock and Roll em boa parte de suas quase infinitas formas.
Você, que frequenta
regularmente esse Blog bem sabe disso, tenho tanto prazer de ouvir um Vader ou um Amon Amarth quanto um Fates Warning, um Deftones ou
um Steel Panther.
Gosto especialmente de ouvir
um pouco de tudo dentro do som pesado.
Tudo, é claro, a depender do
momento que atravesso ou do meu estado de espírito.
Mas, embora meu coração tenha
uma espécie de bússola que sempre me guie (de tempos em tempos) de volta aos
sons mais simples do Rock puro ou do Metal Tradicional, sempre me traz enorme
delírio auditivo desbravar discos de bandas inclassificáveis, daquelas que
transitam por tantos corredores sonoros e bebem de tantas fontes que tornam
seus trabalhos por vezes herméticos ao grande público, a despeito da qualidade de
sua obra.
Essas bandas nem sempre me
agradam em tudo o que fazem, afinal, por vezes bebem de fontes amargas ao meu
paladar. Mas o desafio que proporcionam são um irresistível convite a que eu
pare minha vida por algumas horas e brinque de explorador.
Na cena brasuca até mesmo
nossos maiores expoentes do heavy metal tem como característica experimentar (Angra e Sepultura se fizeram grandes lá fora justamente por isso). Mas se
existe uma banda cuja extensa paleta de cores usada em seus discos é de tamanha
idiossincrasia que sempre me atrai como uma mariposa para a luz, essa banda se
chama Imago Mortis.
Dona de uma obra curta, mas
consistente, e progenitora de Vida,
um dos maiores discos de nossa história metálica, Imago Mortis retorna à
ativa após longuíssimos 12 anos. LSD
é um trabalho conceitual em torno da montanha russa de emoções que envolve a
construção e desconstrução de um grande amor, calcado nos exageros de nossa
cultura de romantizar demasiadamente relacionamentos.
E é claro, a
expectativa para a nova viagem musical não poderia ser menos do que absurda.
O sexteto, como desenhado no encarte |
E a abertura, com os 13 minutos de The
LSD Theorem já me mostrou que a viagem definitivamente não seria em vão.
Elementos de World Music, normalmente alienígenas á bandas
de Heavy Metal, aqui integram harmoniosamente a paisagem. Uma paisagem árida
e empedernida, como deve ser, já que a matriz rochosa primordial do Imago é o Doom Metal. A música se
constrói aos poucos, apresentando o forte tema musical principal e diversas
facetas, como que se tentasse sintetizar tudo o que o sexteto preparou para o
novo disco ao longo de sua existência. Uma grande música, em extensão e
qualidade. A qualidade sonora é excelente, a produção, privilegia a dinâmica,
luz e sombras o tempo todo. Mas as onipresentes camas de teclados (pelo
talentoso Charles Soulz), destacadas demais na mixagem,
me incomodaram tremendamente nas primeiras audições. Não, LSD não é tão calcado nas guitarras quanto se esperaria, mas isso
está longe de querer dizer que não é um disco pesado. Binary Viscerae, do
próprio tecladista, onde o sempre versátil Alex
Voorhes mostra sua faceta Black
metal nos versos alternando com seu já famoso estilo operístico no ótimo
refrão, que o diga.
E Hieros Gamos segue, um monstro avassalador que facilmente conquistará os
fãs dos trabalhos anteriores de imediato, compilando World Music, Doom e extremo com gemidos femininos
daquela forma única que só o Imago é
capaz. Aqui as guitarras de Daemon Ross e Rafael Rassan pulam à
frente dos teclados num novo clássico da banda. E o rinoceronte branco André Delacroix (Metalmorphose,
Azul Limão), um baterista para lá de subestimado na cena, comprova mais
uma vez sua capacidade inconteste de destruir kits em qualquer estilo.
Alex torna
com maestria seu poderoso trinado em um quase sussurro em Incantation, guiando a beleza sorumbática de uma Power Ballad que é o tipo de som que o Leif Edling deve colocar
para rolar no dia dos namorados para sua noiva cadáver. Mas nem tudo funciona
assim tão bem, a balada seguinte, The
Promise, esbarra um pouco demais no Disney Metal.
Não e isso não é nem de longe
uma crítica a doce voz de fada de Julia
Crystal, que divide os vocais com Voorhes.
Aqui o protagonista encontra
o grande amor e o tom adocicado da canção apenas mimetiza aquela fase grudenta
que todos já experimentamos alguma vez na vida. Ok, um caso em que o conceito
se sobrepõe à música. Muito melhor se sai o dueto de Two-Headed Chimaera. O relacionamento começa a azedar, e nada
melhor do que a voz cáustica de Mariana
Figueiredo (que me faz pensar numa
improvável filha entre Tina Turner e Leather Leone) travando
uma intensa DR com Mr. Alex. Simplesmente
duas das melhores vozes de nossa cena na mesma música. Aliás, essa faixa tem
ótimas performances de todos os músicos.
O baixo de Paulo Ricardo Silva prepara o terreno para o Doom
mais puro de A Farewell Kiss, onde a voz mutante de Alex parece encarnar uma versão
tupiniquim do monstruoso McCoy,
mestre do raramente lembrado Fields Of The Nephilim. Outra
faixa que faz o link com o Imago do
passado. Black Widow, primeira do pacote a ver a luz do dia, e de longe a mais
direta e “simples”, não deixa pedra sobre pedra.
Mas se a dobradinha anterior joga os fãs em terreno razoavelmente
conhecido, o mesmo não pode ser dito sobre Alone.
Aqui parece que enterraram Gary Moore no cemitério maldito do Stephen King, e
ele retornou macabramente e compôs uma versão zumbi-demoníaca do que seria uma
de suas emocionantes baladas blues-rock, com belas guitarras chorando. E se a
interpretação de Alex Voorhes aqui não te der arrepios e não
for suficiente para te convencer de que ele é um dos maiores vocalistas da
nossa história, sinto muito, mas é você quem está morto. Melhor procurar o infame cemitério indígena.
Não sou um grande fã de discos
conceituais, e o motivo disso é que raramente eles não sucumbem à pantomima de sacrificar a parte musical
em favor do andamento da história. E LSD
não escapa a esse mal. Exile é um
curto e melancólico interlúdio tocado inteiramente no piano. E Epitáfio de Um Amor, a despeito de
fazer imenso sentido dentro da história contada, traz um poema declamado sobre
uma trilha musical que a princípio reflete alguns temas do disco e depois parece
transmutar para algo saído da trilha de uma nada bem-vinda continuação cinematográfica de Nosso Lar. Mas Love Sex And Death (theme) aparece apoteótica,
aos 47 do segundo tempo para nos lembrar de que está se encerrando um dos
grandes discos nacionais de 2018.
Veredito
da Cripta
LSD definitivamente
não é o disco mais pesado do Imago Mortis, mas certamente é o mais complexo
e variado. Um trabalho denso e repleto de detalhes, daqueles que cresce perante
repetidas audições e que demanda bastante do ouvinte. Mas quem decidir embarcar
nessa viagem, dificilmente se arrependerá. Mais um capítulo excelente na
carreira de uma das bandas mais idiossincráticas do Metal Brasileiro.
NOTA: 8,65
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Gravadora: Die Hard Records (nacional)
Prós: diversificado e intenso
Contras: teclados em destaque e poema declamado
Classifique como: Doom Metal, Metal Progressivo
Para Fãs de: My Dying Bride, Primordial,
Candlemass
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