Moonspell - 1755 |
Faz Dia Em Portugal!
Por
Trevas
Os Moonspell (vou me referir assim à
banda, em homenagem aos Tugas) surgiram em 1992, e rapidamente se tornaram o
maior expoente do metal Português em todos os tempos. Com um estilo único e
sombrio, a banda sempre se caracterizou por não se acomodar em uma zona de
conforto. Em seus discos encontramos elementos de Gothic Rock, Doom, Industrial, Black Metal e Death Metal. E já que experimentação
não é uma novidade para os lusos, confesso que não fiquei nem um pouco surpreso
ao receber a notícia de que eles sucederiam um de seus maiores êxitos comerciais
com um improvável disco cantado inteiramente em português. A princípio
anunciado como um Ep, 1755 seria um trabalho conceitual baseado
no grande terremoto de Lisboa, ocorrido no ano expresso no título. Pelo jeito a
banda gostou bastante do desenvolvimento da ideia, já que rapidamente a mesma
evoluiu para um disco completo. Pudera, como veremos abaixo, o grande terremoto
de Lisboa não foi uma catástrofe qualquer.
Gajos em ação |
O Terremoto
O terremoto em tela (que
teve seu poder de destruição amplificado por um tsunami e um incêndio) destruiu
85% das construções de Lisboa, e os imprecisos dados históricos colocam em sua
conta dentre 10.000 a 100.000 mortes. Primeiro terremoto a ser alvo de estudos,
é considerado o marco zero da sismologia moderna. E se os horrores de um dos
maiores terremotos da história já se fazem suficientes para render material capaz
de nortear um disco conceitual, o que dizer quando nos damos conta que a
catástrofe aconteceu na manhã do dia de todos os santos, justamente no país
mais católico do mundo? Nesse caso temos o tema perfeito para os Moonspell, já que as letras
inteligentes de Fernando Ribeiro usualmente valem-se das
metáforas e incongruências da religião/fé. E sim, o grande terremoto não marcou
a história somente pelo número de vidas que ceifou. Ele marcou também a
derrocada final do império Português, moldando o caráter melancólico de seu
povo e trazendo à tona discussões sobre como um Deus onipresente e onipotente, de
bondade infinita, poderia avalizar um ato de tamanha vilandade contra um povo a
ele tão temente. Pois é, o tema é perfeito, mas sua contraparte musical, estaria
à sua altura?
O Disco
Sob a batuta do
produtor e parceiro de outros discos Tue
Madsen (At the Gates, Kataklysm,
The Haunted) e com orquestrações e
arranjos ao encargo de Jon Phillips (que já prestou o mesmo serviço
para gente como Amorphis Angra e Dragonforce), a tortuosa jornada
começa com uma versão rearranjada de Em
Nome Do Medo. Se sua versão original,
de longe a melhor coisa no errático Alpha
Noir, se fazia feroz e direta, aqui
a música é transformada em uma espécie de introdução orquestrada para o
restante do disco. Talvez um pouco longa demais, confesso que não me convenceu de
primeira, ainda que faça imenso sentido no repertório ao ouvir a bolachinha por
inteiro.
Fernando Ribeiro fazendo o McCoy |
1755, a música, chega aos
ouvidos como prenúncio do próprio apocalipse, e aí sim se faz claro todo o
potencial de 1755, o disco. Coros precisos
e grandiosos, mas nunca gratuitos, instrumental pesado casando à perfeição com
as orquestrações, letras excelentes e melodias irresistíveis. Fernando brinca com um trocadilho na
avassaladora In Tremor Dei (ver vídeo). O
vocalista fez uma escolha curiosa ao optar por interpretações mais agressivas
ao longo de quase todo o disco, mesmo em suas partes mais melódicas. Estranha a
princípio, a escolha ressalta ainda mais a qualidade dos arranjos, ao se fazer
um contraponto de morbidez em meio à beleza, como evidencia a participação do
fadista Paulo Bragança e sua voz suave num improvável dueto, chega a causar
arrepios.
Desastre parece um hino ao
discurso de Teodiceia fomentado pelo terremoto. Com um refrão absolutamente
grudento e poderoso, mantém o clima épico mesmo sendo uma música relativamente
simples e direta. Cabe ressaltar que na edição em digipack ela aparece cantada inteiramente em espanhol. Olha, chega
a ser engraçado lidar com o título de uma música pesada chamada Abanão. Mas a música em si não tem nada
de engraçada, e traz em seu arranjo um pouco dos elementos góticos ressaltados
em outros momentos da carreira da banda. E já que estamos falando de elementos
que lembram outros trabalhos dos Moonspell,
1755 tem como grande trunfo ser
completamente único dentro da discografia dos portugueses. Ao escutar um
petardo como Evento (ver vídeo), de cara
qualquer ouvinte identificará se tratar da banda, mas não conseguirá fazer
nenhum paralelo a qualquer dos 10 discos de estúdio anteriores. Um feito em se
tratando de uma banda com longa história, e que mostra a sanha de se fazer
relevante criativamente ainda que comercialmente pudesse optar por repetir uma
fórmula de sucesso.
1 de Novembro é um rockão
diretíssimo com bateria viciante de Mike
Gaspar e guitarras cortantes de Ricardo Amorim que tem seu poder de fogo aumentado pelos coros e arranjos. Sua
letra evoca o nascimento de uma nova Lisboa em uma interpretação bem diferente
por Fernando Ribeiro. Ruínas é mais
gótica das faixas do disco, com suas melodias orientais, o belo solo e o piano
de Pedro Paixão dando um tempero único ao seu poderio midtempo.
Os Moonspell fazendo cosplay do Rocket Racoon |
É fácil entender por que Todos Os Santos (ver vídeo) foi escolhida como primeira faixa de trabalho de 1755. Monumentalmente bem construída, ela incorpora em seus cinco minutos toda a alma do disco, focando sua letra na ironia de tamanho desastre acometer Portugal justamente no dia de Todos os Santos. De longe uma das melhores faixas do estilo nos últimos anos. A jornada de destruição se encerra com uma improvável e bela versão para Lanterna dos Afogados, sim, do Paralamas do Sucesso. O arranjo converteu a sensível canção de Herbert Vianna em uma peça lúgubre e igualmente sensível que poderia bem servir de trilha para algum filme de Tim Burton, com largo destaque para os teclados de Pedro Paixão.
Veredito da Cripta
1755 vem sendo recebido ao redor do globo
com uma chuva de críticas positivas. Presente em boa parte das listas de
melhores do ano nos veículos especializados, ainda que dificilmente repita o
sucesso comercial de Extinct, já se
faz um tremendo fenômeno se consideramos a dificuldade em convencer ouvintes
acostumados ao inglês como língua padrão. Uma obra única e brilhantemente
executada, 1755 é o rival perfeito
para Night Eternal no topo do pódio da discografia dos lusos. Disco do ano!
NOTA: 10
Visite o The Metal Club |
Gravadora:
Napalm Records (importado).
Pontos
positivos: produção, arranjos e canções estupendos
Pontos
negativos: haverão aqueles que reclamarão por ser todo em português – fuck off!
Para
fãs de: Tiamat, Amorphis
Classifique como: Gothic Metal
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