domingo, 1 de outubro de 2017

Royal Thunder – Wick (Cd-2017)

Royal Thunder - Wick

Acendendo o Pavio
Por Trevas

“Não há ninguém nos empurrando musicalmente em nenhuma direção. E nem nunca haverá, pois nós não deixaremos. O que se escuta em Wick é simplesmente o som dos músicos da banda evoluindo junto”. Mlny Parzons, a diminuta baixista/vocalista com voz gigante dos estadunidenses do Royal Thunder resume de forma concisa e decidida a influência que a mudança de gravadora trouxe para o universo criativo de um dos grupos musicais mais difíceis de se rotular da atividade. A pressão existente para o lançamento do primeiro disco pela Spinefarm viria de somente uma direção: da própria banda.

Royal Thunder 2017
Descobri que o disco estava em produção por uma série de pequenos diários de estúdio lançados pela gravadora anterior (eles mudaram da Relapse para a Spinefarm no meio do processo) e descobri também que existia uma campanha de financiamento coletivo para o já intitulado Wick. Corri e garanti um dos muitos bundles disponíveis. Quando a bolachinha chegou em casa, logo fui conferir e tentar elucidar o que o “pavio” tinha a oferecer.

O meu singelo Bundle do Wick
Burning Tree abre o disco com uma aura hipnótica e que remete a reinterpretação dos anos 1970 que o Soundgarden fez no passado, só que novamente reinterpretada, pela visão única da banda. Um início intrigante e que cresce a cada audição. E logo a escuridão se apossa do disco com a poderosa April Showers, primeira música de trabalho e a que melhor traça um paralelo com os discos anteriores e a evolução musical da banda. Uma espécie de túnel que atravessa as três fases. Um clássico imediato, repleto de dinâmica, o baixo estalado de Mlny fazendo a cama para a banda montar uma estrutura dramática que só enaltece o poderio da voz da baixista. Excelente.



O processo de mudança da Relapse para a Spinefarm aconteceu majoritariamente devido à dificuldade da primeira, um selo tipicamente Heavy Metal, de entender e vender o som do Royal Thunder. E não, não é realmente uma tarefa fácil. Tied, por exemplo, tem seu início repetindo a atmosfera Superunknown do Soundgarden e logo evolui para um monstrinho diferente e indecifrável. Josh Weaver e Will Fiore devem tanto seus riffs e solos ao universo alternativo quanto devem ao Doom e Stoner. Evan Diprima faz uma cozinha bem dinâmica e pesada com Mlny. Bom, dessa salada musical nascem coisas tão díspares quanto a ótima e algo pop We Slipped (com letra aparentemente refletindo o fim do casamento entre a vocalista e Josh) e a trauletada proto-metal Sinking Chair (ver vídeo).



E então, justamente quando você acha que está conseguindo entender a lógica do disco, vem Plans, um número acústico repleto de feeling que não ficaria perdido em algum disco do Fleetwood Mac ou do Bliss, e te derruba. Mlny canta aqui com o coração na garganta, cada nota batendo claramente fundo no peito. Belíssima música.



Anchor traz o rock de volta ao repertório, com uma aura Zeppeliana aparecendo aqui e acolá, fazendo do que parecia a princípio um simples número direto uma pequena viagem. A faixa título retoma a aura sombria e hipnótica: “No Wind, No Sail, All Colors Washed Out And Pale, No Tick, No Tock, No Time Spins Off The Clock” definindo bem o sentimento de desesperança da bela música. Push vem em seguida trazer um outro tipo de melancolia, seu início com piano (tocado pela vocalista) e orquestra abrindo espaço para um arranjo interessante que, por vezes, fez-me lembrar os melhores momentos do The Gathering.


Acidentalmente evocando aquele ensaio fotográfico do Type O Negative
Turnaround é outro número mais visceral, mas a essa altura do campeonato você já se encontra imerso e entende que nada é o que parece por aqui. Arranjos e vozes fluem de maneira única e nunca de maneira hermética e o refrão consegue conquistar sem muito esforço. Crédito seja dado também ao produtor e engenheiro de som Joey Jones, que repete a parceria com a banda pela terceira vez e parece realmente entender a visão algo turva do quarteto. The Well evoca algo da já clássica Time Machine (do disco anterior, Crooked Doors) em parte de sua melodia, e curiosamente, também faz um agradável contraponto de otimismo num disco que jazia denso e fúnebre. Os 52 minutos de Wick terminam com Mlny urrando na psicodélica e estranha We Never Fell Asleep. E não podia ser diferente.


Saldo Final

Mais uma vez o Royal Thunder nos assombra com um disco inclassificável, denso e repleto de nuances, fácil de escutar, mas difícil de assimilar por completo. Um disco daqueles para ser apreciado ritualisticamente. Chegue em casa, apague as luzes, deite no chão e coloque a bolachinha para rodar. E prepare-se então para uma viagem sombria e intensa guiada por uma das bandas mais idiossincráticas de seu tempo. Excelente.



NOTA: 9,14

 
Gravadora: Spinefarm Records (nacional).
Pontos positivos: Imprevisível e denso
Pontos negativos: Ehr... Imprevisível e denso?
Para fãs de: Soundgarden
Classifique como: Stoner, Rock Psicodélico



3 comentários:

  1. Mizifio, gostei de absolutamente tudo q li e escutei enquanto lia. Agora só me resta escutar o disco na íntegra pra formar minha própria opinião, mas já sei q o disco não só não me decepcionará qto me surpreenderá, como aconteceu com os anteriores.
    Se continuarem nesse ritmo, logo se tornarão mega, têm tudo pra isso.
    Valeu!!!
    ML

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    Respostas
    1. Fala, Marcello!!
      Cara, essa banda, desde a primeira vez que acidentalmente esbarrei com ela, me conquistou por completo. É mais um disco diferente, que aponta por direções diversas sem parecer esquizofrênico. Infelizmente é uma banda fadada a atividades pontuais, assisti uma entrevista deles em que falam que precisam manter seus empregos normais e conciliar as atividades musicais. mas, quem sabe um dia isso mude. Gostaria de conseguir ver um show deles, mas acho pouco provável.
      Abraço
      Trevas

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