sábado, 27 de setembro de 2014

Accept - Blind Rage (Deluxe Edition - Cd + BD - 2014)



Consolidando a Boa Fase
Por Trevas

A Alemanha sempre foi um celeiro de boas bandas de rock pesado. Poderia escrever três postagens nesse blog só listando as mais relevantes e ainda assim correr o risco de esquecer alguém. Se o título de banda de rock alemã mais popular em todos os tempos dificilmente sairá das mãos do Scorpions, o de banda de Heavy Metal mais importante da cena Teutônica está sujeito a discussão acalorada. A garotada leite-com-pera e roupa-com-babados gritará “Helloween, Helloween!!” em falsete, montada num unicórnio que parece saído de “meu querido pônei”; os rédibênzi cascudos agitarão suas correntes, gritarão esganiçadamente “Kreator!!” e então sofrerão coma alcoólico e os modernosos goticóides bradarão “Rammstein” com voz grave e puxando bastante o sotaque tupinimão (contendo as lágrimas para não borrar a maquiagem).  

Cada qual em sua tribo, todos tem sua cota de razão. Eu diria simplesmente que a maior banda de metal, puro e simples, vinda da terra do chucrute foi, é, e sempre será o Accept.
A banda já havia batalhado arduamente por toda a segunda metade dos anos 1970 e lançado três discos sem muito alarde quando cuspiu Restless And Wild. Fast As A Shark, música que abre o disco, tornou-se uma febre na comunidade metálica mundial, uma faixa extremamente pesada e rápida para os padrões de então.

German Leatherboys - Accept nos anos 1980
O nome do Accept não chamou a atenção somente dos aficionados por metal, tendo a banda ganho um contrato com a Epic (subsidiária da Sony) para lançar seu disco seguinte, o excelente e platinado Balls To the Wall.


O Accept era então a banda de metal perfeita: a imagem belicosa transpirava perigo e revolta; as guitarras ferozes eram também muito bem tocadas (cortesia de Wolf Hoffman); as letras eram provocativas e transbordavam por vezes imagens de uma sexualidade pervertida e dúbia (numa esperta jogada de marketing, a esposa do guitarrista fazia as letras sob pseudônimo, sua ótica feminina dando uma imagem SM/Gay à banda) e a bateria era um rolo compressor para a época. Mas talvez a característica mais marcante dos alemães para a maioria fosse a voz e imagem de Udo Dirkschneider, o diminuto e horrendo vocalista.

Udo...ou seria Silvio Luis? Ainda não sei...
A associação da voz de Pato Donald de Udo com o sucesso do Accept ficou ainda mais forte quando a banda, atrás de uma repaginação de seu som para a metade farofeira dos anos 1980, abandonou o gnomo e apostou no vocalista americano David Reece. O único lançamento com essa formação, Eat the Heat, foi um fracasso de crítica e vendas na época (hoje é tratado como cult), e o Accept fechou as portas. Em paralelo, Udo montou o U.D.O., que agradou os antigos fãs e conquistou uma nova geração (a geração do power metal) fazendo um metal que nada mais é do que uma versão diluída do Accept de outrora.

Duas tentativas de reunião do Accept ocorreram nos anos 1990 e 2000, ambas por curto espaço de tempo e sem tanto sucesso. Segundo Udo, não faziam sentido, pois ele ganhava mais com sua carreira solo, a qual dizia também ser mais atrativa para o público atual.

Improvável Ressurgimento

Bom, não vou mentir. Quando a banda anunciou seu retorno às atividades em 2009, dessa vez sem Udo e com outro vocalista americano (o pouco conhecido Mark Tornillo), eu torci o nariz. Na verdade, não conheço ninguém que não tenha feito o mesmo. Talvez no melhor disco de retorno da história, Wolf Hoffman calou a boca de meio mundo em 2010 com o apoteótico Blood Of The Nations.

Accept 2010, Tornillo de boné
Até mesmo o desdém jocoso inicial de Udo em relação a nova encarnação do Accept caiu por terra ao som de petardos como Teutonic Terror e Pandemic. E ao vivo, o quinteto mostrou entusiasmo invejável, e o então pouco conhecido Tornillo ganhou o respeito de todos ao fazer um excelente trabalho também no material clássico do Accept.


Coroando a bem sucedida parceria com o produtor britânico Andy Sneap, o Accept repetiu a dose em 2012, com Stalingrad. Sem o amparo do efeito surpresa, Stalingrad soava um pouco aquém em relação ao disco anterior, mas deu seu recado: o Accept estava vivo e pronto para consolidar seu novo reinado.


Mantendo um ritmo digno de décadas passadas, Wolf e sua trupe anunciaram seu terceiro disco em quatro anos, novamente contando com a produção de Andy Sneap. Blind Rage foi lançado em várias edições diferentes. A analisada aqui é a Deluxe, que conta com o Cd mais um Bluray contendo um show na íntegra da turnê de Stalingrad (Chile, 2013).

Edição deluxe, prepare seu rico dinheirinho
Capa e Temática
Não, Blind Rage não é exatamente um disco conceitual. Longe disso. Mas a arte de capa e nome foram inspirados na situação atual da política mundial, com diversos conflitos centrados no ódio pipocando ao redor do globo. A fúria cega do título. Mas antes de apostar nessa temática (como sempre, por orientação de Gabi, esposa de Wolf - empresária e letrista eventual do Accept), a banda parece ter trabalhado em outra temática e arte de capa. Conforme matéria publicada no site Whiplash (ver aqui), a temática do álbum versaria sobre a luta pela liberdade. E a arte de capa até então seria elaborada pelo brasileiro Julio Marinho (ver abaixo). Cabe ressaltar que a faixa Wanna Be Free trata de tráfico humano e escravidão nos dias de hoje. Talvez fosse então trabalhada como faixa título.

Arte originalmente trabalhada para o disco
O Disco

Introdução épica em crescendo e a rifferama de Stampede parece pegar a trilha de onde Stalingrad havia parado. Escolhida como primeiro single, é forte candidata a abrir os shows da próxima turnê, um perfeito arrasa quarteirão. Os solos cantáveis, marca registrada de Wolf Hoffman, dão suas caras pela primeira vez no disco e a produção de Andy Sneap deixou tudo soando com muita pegada e clareza, as Always...


As faixas seguintes parecem determinar o diferencial de Blind Rage em relação aos discos anteriores. Dying Breed, Dark Side Of My heart e Fall Of The Empire são três petardos mid tempo, mas com muita preocupação com as linhas melódicas, seja nos vocais do impressionante Mark Tornillo, seja até mesmo nos solos. Dark Side Of My Heart chega a emular o climão do disco Metal Heart, de forma fantástica, diga-se. E sabe aqueles corais de sauna gay que sempre marcaram os refrães do Accept? Estão aqui presentes, um delicioso anacronismo no meio dessa versão moderna da banda.


Trail Of Tears acelera o ritmo e mantém a qualidade impressionante da bolachinha. O cuidado com as melodias também é mantido nas faixas mais rápidas, como na ótima ponte dessa faixa em mais um ótimo solo de Wolf Hoffman. Tivesse mantido essa toada, Blind Rage seria facilmente o disco de Heavy metal do ano, mas infelizmente o repertório oscila um pouco a partir desse ponto. A suposta faixa título de outrora, Wanna Be Free, até se esforça em ser uma power ballad marcante, com baixo pulsante, letra forte e ponte bacana, mas seu refrão deixa um bocado a desejar. Não é ruim, mas fica um pouco abaixo das faixas anteriores. E não é implicância por se tratar de uma balada, 200 Years é uma faixa feroz e rápida, mas sofre do mesmo mal, um pouco longa demais e com um refrão minguado. Mas possui mais um grande trabalho de guitarras para compensar.

Accept 2014
Bloodbath Mastermind tem a ferocidade das músicas de Blood Of the Nations e retoma o alto nível da primeira metade do disco. O único defeito da associação Andy Sneap/Accept reside no tamanho das músicas, algumas faixas diretas como essa poderiam render ainda mais se fossem um minuto (as vezes dois) mais curtas, quase nada nos últimos três discos fica abaixo dos 5 minutos de duração.
From The Ashes We Rise tem um início blueseiro encardido logo convertido em mais um petardo mid tempo, que coroa as ótimas vocalizações de Mark Tornillo. Uma boa faixa que ganha força após seguidas audições. The Curse é mais uma música promissora e cheia de boas intenções, mas que sofre da maldição (ok, foi mal, não resisti) do refrão meio mocorongo. Mas a oscilante segunda metade de Blind Rage encerra com uma excelente faixa, Final Journey, com direito a Wolf Hoffman apostando em um solo com referência de música erudita. Se em Metal Heart o solo evocava Für Elise de Beethoven, dessa vez Wolf emula Tchaikovskiy em uma peripécia guitarrística que tem tudo para se tornar obrigatória nos shows da banda (Errata do Trevas: burro! buuurrrooo!!! Conforme ótima intervenção do camarada Igor Maxwell, Wolf emula Grieg em Final Journey, e não Tchaikovskiy!)


Saldo Final
O terceiro e mais melódico disco desse novo capítulo da história do Accept vem confirmar a boa fase e deixar os cotovelos de anão do Udo ainda mais doloridos. Tivesse a bolachinha mantido a toada de sua primeira metade, estaríamos diante de um novo clássico da banda. Mas mesmo em seus momentos menos inspirados, Blind Rage nunca fica chato, não. Mas fico na torcida de que na quarta parceria Andy Sneap/ Accept, as duas partes se concentrem em fazer um disco mais conciso, já que uma hora de material para uma banda de metal tradicional é coisa demais para um disco só.

NOTA: 8

Blu-Ray, Live In Chile 2013

A edição deluxe analisada aqui não traz nenhuma faixa bônus e sim um show inteiro gravado em 2013. Existem edições que vem com esse show em DVD, a minha veio com o mesmo em BD. Geralmente, quando escuto falar que uma banda resolveu lançar um show como material bônus de um lançamento de estúdio, vou logo torcendo o nariz: por que diachos uma banda abriria mão de um produto em potencial? Fico na espera de algo com qualidade próxima de um bootleg, sem apelo que justifique sua existência comercial. É o caso aqui, certo? Porra nenhuma, o que temos em mãos é um puta show com duas horas de duração, som excelente e em HD. A performance da banda é perfeita, com muita pegada e repertório fenomenal que mistura em suas 21 (?!?!) faixas (fora solos e introdução) os clássicos e novos sons do Accept. Mark Tornillo canta absurdamente bem e sua imagem, nada convencional, ajuda a criar uma nova identidade para a banda. Wolf Hoffman divide as vezes de frontman com Tornillo, indo para o meio do palco em seus sempre excelentes solos e o resto da banda é extremamente competente. Esses fatores, somados à empolgação do público chileno, tornam esse show imperdível. A contar contra, apenas a ausência de opção sonora afora a mixagem PCM stereo. Para quem ainda aposta em mídia física, a edição deluxe, embalada num digipack bacana contido num slipcase razoavelmente resistente, é A pedida.

Nota do Show: 10



Prós:
Accept clássico. Ótimo trabalho de todos da banda, preocupação com as melodias.
Contras:
Um pouco longo, oscila um pouco em sua segunda metade.

Classifique como: Heavy Metal

Para Fãs de: Heavy metal clássico em geral

Ficha Técnica
Banda: Accept
Origem: ALE
Disco (ano): Blind Rage – Deluxe Edition (2014)
Mídia: CD + BD
Lançamento: Nuclear Blast (Importado, versão nacional anunciada)

Faixas (duração): CD  - 11 (58’).
BD 23 – 5 (121’)

Produção: Andy Sneap
Arte de Capa: Dan Goldsworthy

Formação:
Mark Tornillo – voz;
Wolf Hoffman – Guitarra;
Herman Frank – Guitarra;
Peter Baltes – baixo;
Stefan Schwarzmann – bateria.

7 comentários:

  1. Achei este disco o mais fraco da fase Tornillo mas, ainda assim, é inegável a força de petardos como Stampede que tem tudo para ser sim a faixa de entrada deles em shows.

    Accept redivivo e feroz. Tornillo canta bragarai e faz a galera "esquecer" o Donaldo tinhoso!

    Abramos umas Erdinger e "Stampedemos" (não estampeidemos, por favor!)

    Jundas.

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  2. Bem vindo de volta, Krill!
    Então, acho um pentelho melhor que o Stalingrad. Mas são todos discos muito bacanas e repletos de potássio!
    Abraço
    T

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. ACCEPT - BLIND RAGE (ou o disco do touro bravo, como é conhecido)

    Este foi o CD que eu mais gostei dentre os 4 novos do Accept com Mark Tornillo como vocalista, e na minha opinião, o melhor dessa nova fase da melhor banda do rock alemão pra mim, e que me ajudou a quebrar os preconceitos que eu tinha antes com o novo vocal do grupo, apesar de continuar achando o baixinho Udo Dirkschneider superior ao Sr. Tornillo, o que é uma opinião totalmente pessoal.

    Este disco é realmente ótimo, assim como os outros 2 anteriores (Blood of the Nations e Stalingrad) mas espera aí: este Blind Rage inclui também uma faixa bônus para o Japão simplesmente viciante chamada "Thrown to the Wolves" que deveria ter entrado no tracklist original do disco para dar uma "arredondada" no bom sentido, relembrando a pegada rítmica de "Living for Tonight" (gravada em Metal Heart, 1985) misturada com o ritmo quase idêntico de "Bad Boys Running Wild" de sua banda rival, o Scorpions. Parabéns pela resenha deste álbum excelente do Accept e fiquemos no aguardo da resenha do novo disco deles lançado no mês passado "The Rise of Chaos" que promete ser um dos melhores de 2017.

    PS: Gostaria de fazer uma correção: o solo no estilo erudito de Hoffmann em "The Final Journey" não é Tchaikovsky, é um trecho de uma peça de Edward Grieg (compositor da Noruega) chamada "Manhã" (movimento de abertura da suíte Peer Gynt).

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    1. Fala, Igor!
      Caramba, que animal o Trevas! Sim, é Grieg ali, valeu pela correção, hehehehhehe!!!
      Gostei mais dos dois primeiros e, confesso, não me empolguei muito com o mais recente. A resenha estará no ar ainda hoje!
      Abração!
      Trevas

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    2. De nada, amigo! E acabei nem falando do meu álbum preferido do Accept com Udo: claro que é o já citado Metal Heart (1985). Sobre o The Rise of Chaos, ouvi-o recentemente e confesso que eu achei o novo disco do Accept um pouco fraco, talvez pelo fato de não ter mais de 50 minutos na duração. Vamos esperar que um dia a banda relance este álbum com umas faixas-bônus, tal como o Judas Priest fez no Redeemer of Souls...
      Outra coisa: meu sobrenome não tem duas letras L, é um L só, viu?
      Abração pra você também, cara! É nóis!!!

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    3. Outra coisa: a faixa que eu citei como faixa-bônus da edição japonesa de Blind Rage vem depois de "The Curse" e antes de "Final Journey". Ou seja, um perfeito arredondamento para a segunda metade da bolachinha.

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