Uma Nova E promissora Era para o Kreator
Em uma época anterior a globalização de informações imediata que a internet proporciona, era muito difícil ficar antenado com as novas tendências musicais ao redor do mundo. Quiçá em se tratando de novas tendências do underground do rock pesado. Embora eu não tenha vivido a plenitude dessa época, já escutei muitas histórias de como a troca de preciosidades via as obsoletas fitas k-7 proporcionou o surgimento de fenômenos musicais ao redor do globo, fomentando cenas que viviam a margem da divulgação em rádio e televisão.
Em alguns momentos da história da música, tal como na biologia chamamos de convergência adaptativa, ocorreu o fenômeno do rock pesado evoluir na mesma direção em partes diferentes do globo, sem que seja exatamente possível comprovar ou rastrear que tenha havido influência mútua das cenas.
Um exemplo clássico foi o surgimento da cena Thrash Metal. O subestilo, um dos mais populares dentro do metal, pode ser explicado de maneira simplista como uma mistura do novo metal da NWOBHM com influências punk. Geralmente três são as bandas citadas como influências para o surgimento do estilo, as britânicas Motorhead e Venom (essa seria também “culpada” pelo surgimento do Black Metal) e os alemães do Accept. Muitas bandas hoje relacionadas ao estilo na época praticavam um som um tanto menos rápido e pesado, e começaram a tender para esse caminho mais ou menos por volta de 1982.
Se nos Estados Unidos a cena tinha início com Overkill, Metal Church e Metallica como virtuais pioneiros, na Alemanha o mesmo ocorreria com Sodom, Holy Moses, Tankard, Destruction e uma tal de Tormentor.
Destruction, Holy Moses, Sodom e Tankard - Metal com Chucrute |
Essa última assinaria seu primeiro contrato com o mítico selo Noise Records em 1985. Como existiam muitas bandas atendendo por Tormentor, o selo os orientou a escolher um novo epíteto. Nascia então a marca mais popular do Thrash Teutônico – o nome escolhido, Kreator.
O Kreator lançou seu primeiro álbum ainda em 1985, e seu som extremamente virulento levou a banda a se tornar a mais popular da cena Thrash alemã. A fúria não era marca registrada apenas do som, estando estampada também em cores vivas nas letras, o que levou a alguns meios da imprensa especializada a cunhar o termo Hate Metal para definir o Kreator.
Miland "Mille" Petrozza e seus cupinchas |
A popularidade do Kreator crescia disco a disco, até que chegou a década de 1990. Com o metal em baixa, o líder, vocalista, guitarrista e principal compositor da banda, Mille Petrozza, resolveu que era hora de mudar. E em 1992, com Renewal, a banda iniciou um período experimental, que culminaria no quase gótico Endorama (1999 – ver clip), que para os fãs mais radicais, sepultaria de vez a credibilidade da banda.
Apesar de desacreditado, o Kreator lançou em 2001 um de seus melhores trabalhos, Violent Revolution (ver clip), trazendo de volta seu Thrash Metal com um bem vindo toque de um heavy metal tradicional. Prontamente o Kretor foi reerguido dos mortos por quase todo fã de metal e a banda experimentou então um segundo boom de popularidade, contando com uma tríade de grandes discos de estúdio (compõe a tríade Enemy Of God e Hordes Of Chaos) que seguiam praticamente a mesma estética musical.
Mille Petrozza decidiu então que era hora de mudar de novo. Temendo a estagnação, e para desespero dos fãs mais radicais, foi anunciado que o vindouro Phantom Antichrist seria o início de uma nova era para o Kreator...
Conceito – Um Inimigo Imaginário
O conceito para o título do novo disco é bastante interessante. Ao contrário do que aparenta no primeiro contato, não se trata de uma referência satânica. O Phantom Antichrist de Mille foi inspirado nas suposições de armas de destruição em massa que o governo Norte-Americano utilizou como pretexto para expressar seu belicismo de encontro à soberania de países do Oriente Médio, mas pode ser qualquer outra coisa. O Phantom Antichrist seria uma espécie de bode expiatório, uma resposta malignamente adulta aos amigos imaginários da infância - um inimigo (não necessariamente um ser, pode ser uma situação) irreal que mentalizamos com tanta força que quase se torna verdadeiro em nossas vidas, e que criamos apenas como exercício de negação de nossas próprias fraquezas ou pretexto para tentar volatilizar a moral em prol de nossas segundas intenções.
A arte de capa, por Wes Benscoter (Dio, Black Sabbath, Slayer) foi toda feita por pinturas manuais, bem vintage, como homenagem às capas antigas de bandas de Heavy Metal. A imagem que aparece ao topo da resenha é relativa à edição limitada, que além do cd contém um DVD bônus, e que será aqui analisada. A arte original segue abaixo.
A bizarra arte de capa original |
Hate Metal Servido com Molho Épico
Os fãs temerosos da suposta nova sonoridade do Kreator devem ter ficado ainda mais temerosos ao ouvir os cânticos etéreos acamados por cordas do início da introdução instrumental Mars Mantra.
Mas acredito que todo temor deva ter se dissipado ao começo da faixa título, absolutamente pesada e muito inspirada (ver vídeo abaixo). Nela já há sinais da intenção da banda, com um equilíbrio do peso com um aporte maior de melodias e uma dose de técnica visivelmente mais apurada que o padrão da banda nas passagens instrumentais.
A intenção declarada de Mille foi adaptar a sonoridade do Kreator a uma estética épica e grandiosa. Isso sem perder a essência do som da banda. Objetivo plenamente atingido, graças em parte à produção do renomado Jens Bogren (Opeth, katatonia, Symphony X), responsável pelo melhor som que o Kreator já conseguiu em estúdio. As dobras de guitarra a lá Iron Maiden (uma das maiores influências da banda) foram levadas a um novo patamar, como podemos ouvir em pancadas como Death To The Wolrd, Victory Will Come e Civilisation Collapse (com clima marcial, uma das melhores) – cortesia do entrosamento perfeito entre o dono da banda e o excelente guitarrista finlandês Sami Yli-Sirnio, na banda desde 2001. Os solos estão muito mais elaborados e garantem momentos brilhantes em todas as faixas.
A bateria do veterano Ventor continua com sua pegada old school, e Christian Giesler trabalha suas linhas de baixo num meio termo entre o funcional e o inventivo.
Kreator 2012 |
Mas o grande diferencial ficou evidenciado no trabalho de vozes imaginado por Mille e colocado em prática por culpa do produtor. Não, não fique com medo, Mille não passou a cantar de maneira operística. O baixinho continua esbanjando fúria com sua voz meio esganiçada e forte. A diferença é que dessa vez ele foi levado a trabalhar com mais afinco as linhas melódicas, de uma forma que as trouxe mais próximas aos trabalhos de heavy metal tradicional na maioria dos casos, vide The Few, The Proud, The Broken e Until Our Paths Cross Again.
Talvez o maior choque fique por conta da ótima From Flood Into Fire, com seu início quase chupado do Amon Amarth (de Embrace Of The Endless Ocean) e que traz um clima absolutamente Power metal, com refrão possuindo um coro de vozes que em muito se assemelha as bandas mais pesadas do combalido estilo. Algo que poderia bem ser assinado pelo Blind Guardian de início de carreira, por exemplo. O trecho em que o produtor encoraja Mille a executar, junto ao resto da banda, os backing vocals dessa faixa, e o visível constrangimento no rosto do líder da banda garantem um dos pontos altos do documentário que consta no DVD bônus.
Saldo Final
Acredito piamente que a maioria dos fãs do Kreator, e de metal em geral, aprovarão sem ressalvas o novo direcionamento da banda. Ao contrario do que aconteceu na reviravolta dada pelo Kreator nos anos 1990, as novas inspirações foram buscadas por Mille nas raízes do próprio estilo e pouco ou nada tem de polêmicas. Sem contar que poucas vezes a banda conseguiu reunir sua já conhecida fúria com um rol de músicas tão inspiradas e memoráveis.
Com o final do ano chegando, a única surpresa negativa que esse Phantom Antichrist poderá proporcionar é a de não estar presente em 9 de cada 10 listas de melhores discos de 2012.
Na minha lista, ele já está.
NOTA: 9
DVD – Enfim um Bônus de Verdade!
O DVD bônus é dividido em duas partes. A primeira, intitulada Conquerors Of Ice, nada mais é que um making of sobre a gravação do disco, com duração de aproximadamente 20 minutos. Muito bem produzido, traz detalhes desde a elaboração do nome do disco (foi daí que tirei a explicação contida na resenha), até a masterização e elaboração da arte gráfica. Misturando imagens da gravação em estúdio com entrevistas com Sami, Mille, o produtor Jens Bogren e o artista gráfico Wes Benscoter, trata-se de um material bastante interessante e que merece uma espiada.
Já a segunda parte do DVD, intitulada Harvesting the Grapes of Horror, traz um mix dos últimos dois shows do Kreator no Wacken Open Air (2008 e 2011), compilados em 14 faixas (mais duas intros) e totalizando uma hora de uma apresentação vigorosa e inspirada da banda. O som é de uma qualidade excepcional, por vezes dá a impressão de se tratar de um trabalho refeito em estúdio, tamanha a perfeição da banda na execução de vários de seus hinos. O vídeo é todo apresentado em sépia, mas numa qualidade bastante superior a comumente apresentada em shows embutidos como bônus de algum lançamento em áudio. A ressaltar a monstruosa recepção do público à banda, que dá a impressão de tratar-se de um show só do Kreator e não de uma apresentação em um festival, além do breve, mas inspirado discurso anti-racismo do sempre anti-tudo Mille.
Um showzaço que coroa dignamente um excelente material bônus de um não menos inspirado CD.
Ficha Técnica
Banda (Nacionalidade): Kreator (ALE)
Título (ano de lançamento): Phantom Antichrist (2012)
Mídia: CD + DVD (Presente na Edição Limitada)
Gravadora: Nuclear Blast (Importado)
Faixas: 10 (show do DVD com 16 faixas)
Duração: CD – 43’ DVD – 80’
Indicado para: Fãs de Thrash Metal e eventualmente, fãs de Heavy e Power Metal que não tenham medo do escuro.
Passe longe se: Não curtir influências de metal tradicional no Thrash.
Nem tenho muito o que comentar. Sua resenha está corretíssima. Quanto ao Kreator, menos ainda a se dizer, porque é uma das minhas prediletas do thrash mundial de todos os times! Este CD está particularmente agressivo, embora sem tanta fúria quanto outros. Particularmente destaco Phantom Antichrist / Death to the World / United in Hate / Victory Will Come neste CD. Também curto muito Endorama (devo ser o único!), mas sem dúvidas que quando eles esbanjam peso, fúria e velocidade qualquer um fica de pescoço duro! Ainda espero pelo próximo show deles aqui no RJ (depois de (1) ficar com cara de bunda na porta do Circo Voador no famoso "show que não houve" - só descobrimos LÁ que eles ainda estavam na Alemanha e, CLARO, não viriam e (2) ficar embasbacado com a destruição sonora que eles aprontaram na finada quadra da Estácio - ao lado da também finada Vila Mimosa original).
ResponderExcluirAbrecetas!
Krillzito
ExcluirTambém curto o Endorama!Somos 2!!!!!
Putamerda, essa do show-que-não-houve merecia um post aqui.Se habilita?
Grande abraço
Trevas