segunda-feira, 23 de julho de 2012

Candlemass - Psalms For The Dead (2012)



NO MORE DOOM?



Prólogo -Surge a máquina Sueca do Juízo Final

Um dos baluartes do doom metal na década de 1980, o Candlemass fez sua fama ao misturar o peso sombrio e monolítico dos primórdios doBlack Sabbath com o então novo metal europeu. Após um início bombástico com o excelente Epicus Doomicus Metallicus, os suecos liderados por Leif Edling (baixista e compositor de 99% do material da banda) acharam sua voz sob a rotunda forma do maluquete Messiah Marcolin, uma gigante e desgrenhada figura que se vestia de monge. Dono de voz e carisma muito acima da média, Messiah levou a banda a uma sequência de trabalhos obrigatórios na discografia de qualquer fã de metal (Nightfall, Ancient dreams e Tales Of Creation).

Candlemass - Messiah ao centro em sua glória capilar


Isso até que os egos começaram a falar mais alto que a música, culminando com a saída de Messiah, em 1990. Nãos em deixar para trás o monstruoso registro ao vivo Candlemass – LIVE.
A banda prosseguiu sob a forma de uma espécie de projeto solo de Leif Edling, lançando discos cada vez mais experimentais (discos esses desprezados sem eu tempo, mas que ganharam estatus “cult” recentemente), até que desapareceu do mapa em 1999.
No início dos anos 2000, pegando carona na onda de reuniões de formações clássicas de bandas de metal, eis que o improvável acontece: Messiah retorna ao Candlemass.


Candlemass 2002 - o retorno
Uma turnê de retorno matadora foi o prenúncio do lançamento de um dos melhores discos da banda, uma pedrada homônima produzida pelo mestre Andy Sneap e que se tornou um dos melhores discos de 2005 (ver vídeo para Black Dwarf):






Mas logo a personalidade insana de Messiah entraria novamente em choque com a tirania assumida de Leif Edling. No momento em que adentravam o estúdio para gravar o sucessor de Candlemass, o monge maluco pelou fora do barco.


Messiah colocou o terninho e foi procurar emprego


A Nuclear Blast, gravadora da banda à época, tentou demover Messiah e convencê-lo ao menos a concluir as gravações. Chegaram a oferecer um ótimo contrato para um disco solo para o balofo, mas sem sucesso.

Parecia tudo perdido...

Candlemass redivivo – De novo!

Mas o obstinado Leif Edling convenceu a Nuclear Blast que seu material era forte o suficiente para sobreviver à mudança dramática de formação.  Substituto? Robert Lowe, excelente vocalista americano que há alguns anos já emprestava sua voz a um filhote do Candlemass, o bom Solitude Aeturnus.

Robert "Leôncio" Lowe
Com voz única e poderosa, aliada a excentricidade visual comparável à do Messiah, Robert Lowe conquistou de cara quase todos os fãs da banda. Facilitou em muito o fato dos discos subsequentes, King Of The Grey Islands e Death Magic Doom apresentarem material que rivalizava facilmente com os clássicos de outrora.

A banda com Robert Lowe

Mas, após a boa fase, somos pegos de surpresa com duas notícias:

A primeira, o Candlemass lançaria seu disco derradeiro, encerrando suas atividades ao final da turnê.

A segunda, dada logo após o anúncio da data de lançamento do disco, é ainda mais triste. Robert Lowe fora chutado da banda, sob a estranha acusação de que suas performances ao vivo não vinham atingindo um padrão de qualidade aceitável (ver link da página oficial):



Resignado, corri atrás de uma cópia do canto de cisne de uma das bandas que mais gosto, ansiando fortemente que tal canto fizesse justiça a carreira brilhante da mesma.

Psalms for The Dead foi lançado em vários formatos. O formato aqui analisado conta com o CD original e um DVD. Como não existem faixas bônus, o conteúdo extra do DVD será analisado após a resenha. O pacote em si é bonito, um digibook contendo letras e fotos interessantes. A arte gráfica segue o padrão dos últimos discos, sombria, simples e efetiva.

Quanto ao material sonoro, lá vamos nós:


Entoando os Salmos

Logo nos primeiros instantes de Prophet fica claro que peso não faltará à bolacha. A faixa é um tanto mais veloz que de costume, tal qual If I Ever Die na abertura do álbum anterior. Clima épico, boas linhas de voz, mas coroadas por um refrão algo preguiçoso, ótimos solos e o som de hammond, todos esses pontos se destacam em Prophet e seriam uma constante no restante disco. Uma boa faixa de abertura, certamente.



Passamos a The Sound Of Dying Demons.A bateria marcando o tempo seguida de um riff soturno e distorcido parece uma óbvia referência a Iron Man, mas há de se lembrar, a própria existência do Candlemass é uma eterna referência (e reverência) ao som do Black Sabbath. Os teclados criando um clima de filme de terror ou ficção científica de baixo orçamento fazem ressurgir resquícios do Candlemass de Dactylis Glomerata ou From the 13th Sun (cortesia de Carl Westholm, que fez parte da banda nessa época). Mais um refrão preguiçoso e repetitivo (estaria o Candlemass ouvindo muito o Iron Maiden atual?). Dispensável. Começo a temer pelo restante do disco.

Começa Dancing in The Temple (of the Mad Queen Bee), uma faixa atípica.Algo acelerada, curta e nada melancólica (ao menos para os padrões da banda), a faixa vale novamente pelos ótimos solos.Forçando bastante a barra, poderíamos fazer um paralelo desta música com as influências neoclássicas de Tales Of Creation.

Waterwitch começa pesada e promissora, sua estrutura épica lembrando bastante outras faixas da atual encarnação do Candlemass. Mas nada a salva de mais um refrão modorrentamente preguiçoso – “Waterwitch, Waterwitch, Waterwicth...”. Fica a clara impressão que o chefão, compositor, letrista e baixista Leif Edling já viveu dias mais criativos.

Leif, pouco antes de soltar os cachorros...pobre Lowe

O clima de desesperança não é algo incomum e necessariamente ruim em um disco de doom metal, exceto quando se trata de desesperança na capacidade da banda em fazer um bom disco. Mas o jogo ainda não havia terminado, e as coisas começariam a melhorar. Consideravelmente, diga-se.

Reminiscências do passado do Candlemass com Messiah Marcolin podem ser encontradas em The Lights Of Thebe, cujo clima oriental misterioso leva o típico carimbo de excelência da banda. Ótima música, que marca uma considerável reviravolta de qualidade no restante da bolacha.


A faixa título é o tipo de material que esperava escutar desde que apertei o play em meu aparelho de som para fazer essa resenha: riffs monolíticos, solos inspirados, belas linhas melódicas e refrão marcante. Tudo isso coroado pelo peso típico do doom metal. Forte candidata a clássico.

Outro início com marcação de bateria e logo somos presenteados com um riff que parece saído de Vol4, do Black SabbathThe Killing Of The Sun tem algo que a deixa no meio tempo entre o doom tradicional e o Stoner. Matadora.

Efeitos que novamente remetem aos álbuns mais experimentais da banda iniciam Siren Song, deixando-a com algo de Uriah Heep, o que não pode ser considerado um insulto. Algo como um remake deRainbow Demon, conta com uma ótima performance de todos e solo de teclado, cortesia de Per Wiberg (Spiritual Beggars, Opeth).

O disco se encerra com a boa Black As Time. A descontar a desnecessária introdução falada, que ao invés de criar um clima sombrio parece mais saída de algum esquete perdido do Monty Python, Black As Time literalmente fecha o caixão do Candlemass com alguma dignidade funesta.

Sobre os desempenhos individuais, o Candlemass sempre primou em jogar para a equipe. Leif Edling e Jan Lindh formam uma cozinha precisa e funcional, primando em imprimir o peso monolítico que faz parte da marca registrada da banda. A produção, sob a batuta do chefão Edling, é bastante boa. Todos os instrumentos aparecem em igual destaque e o peso e punch são quase palpáveis.

Os guitarristas Mats "Mappe" Björkman e Lars “Lasse”Johansson podem não ser reconhecidos individualmente pela técnica apurada. Entretanto, quando juntos, são responsáveis por algo raro no metal atual: solos daqueles que ficam na memória tanto quanto as melodias vocais. E talvez abraçando o que seria a última oportunidade em deixar sua marca para a posteridade, a dupla é o destaque absoluto do disco.

Quanto ao demissionário Robert Lowe, ele faz o melhor com o que foi dado (leia-se, as melodias algo repetitivas criadas pelo chefe para os refrãos), cantando cada frase com a maestria que lhe é peculiar. Poucas vezes uma banda acertou tão em cheio no substituto de um vocalista de renome e é uma pena que não seja ele a excursionar nesta que deve ser a ultima turnê da banda.

Saldo Final

Em se tratando do alto padrão de qualidade dos últimos três discos, aliado à grande expectativa criada por (supostamente) se tratar do derradeiro capítulo de uma das melhores bandas escandinavas em todos os tempos, é impossível não chegar a terrível conclusão:

Psalms For The Dead é tranquilamente o disco mais fraco desde o retorno da banda em 2005.

Mas se não será lembrado como um dos melhores discos do Candlemass, também fica a milhas de distância de ser considerado um disco ruim. Em suma, Psalms For The Dead é um bom disco de doom metal em sua vertente mais tradicional. O disco dificilmente deixará algum fã descontente, mas a irregularidade do material nele contido talvez seja a prova cabal de que esse é o momento certo para se aposentar.


NOTA:7

DVD da Edição Limitada:

Intitulado Let There Be Doom, o material do DVD é constituído de um making of do álbum intercalado com cenas do 70.000 Tons of Metal, o famigerado cruzeiro com shows de metal. Logo de início somos avisados que um dos guitarristas, Lars “Lasse”Johansson não pode participar do cruzeiro por problemas familiares. Logo de início, um problema – não há legendas. E tome cenas em línguas escandinavas e alemão. E mesmo os diálogos em inglês são de difícil compreensão, o sotaque dos caras (com exceção do americano Robert) é complicado. Algumas cenas da gravação do disco ou da sessão de fotos para o mesmo se salvam com muita boa vontade. No mais, são pouco mais de 25 minutos de imagens ruins e perfeitamente dispensáveis. Não vale tempo (para quem faz download) e muito menos dinheiro (para quem compra). Passe longe!

Curiosidade:
Para a turnê de despedida foi confirmado MatsLevén no posto de vocalista. Para quem não conheceMats já integrou o próprio Candlemass (e outros dois projetos de Edling: Krux e Abstrakt Algebra), além de ter participado de discos e turnês com o Therion, Yngwie Malmsteen, At Vance, dentre outros. Dotado de boa performance de palco, sua extensão vocal só fica aquém de sua capacidade em irritar tímpanos alheios. Uma pena que tenha que terminar assim. Para diminuir o fiasco, foi anunciado também que Per Wiberg arcará com as partes de teclado dessa derradeira turnê.



Ficha Técnica
Banda (Nacionalidade): Candlemass (SUE)
Título (ano de lançamento): Psalms For the Dead (2012)
Mídia: CD
Gravadora: Napalm Records (Importado)
Faixas: 9
Duração: 50’
Faixas:
1. Prophet; 2. The Sound of Dying Demons; 3. Dancing In The Temple; 4. Waterwitch; 5. The Lights Of Thebe; 6. Psalms For the Dead; 7. The Killing Of The Sun; 8. Siren Song; 9. Black as Time;

Rotule como: Doom Metal
Indicado para: Fãs de metal tocado à velocidade de uma tartaruga sifilítica, mas pesado como um elefante obeso.


quarta-feira, 18 de julho de 2012

Europe – Bag Of Bones (2012)




DO LAQUÊ PARA O BOURBON

Prólogo – quando o valium engoliu a farofa

Ano: 1992, Rolf Maguns Joakim Larsson percebe que o mundo está mudando. Sua banda vive um ritmo frenético de trabalho há anos, entre estúdios cada vez mais caros e turnês progressivamente mais pomposas. Por um par de anos o Europe desfrutara do prestígio de uma das maiores bandas de rock do mundo, mas agora o recém lançado Prisioners In Paradise (1991) falhava retumbantemente em atingir os corações (e bolsos) da juventude. Uma nova banda de Seattle acabara de tornar mainstream a depressão e o sentimento de inadequação, através de um multiplatinado Nevermind. Os dias de glória do hair metal estavam contados, Rolf - ou como é conhecido mundialmente – Joey Tempest - sabia disso.

E foi sem nenhuma despedida oficial e sem nenhum glamour que o Europe se retirou repentinamente de cena.

Europe em sua glória purpurinada

Europe II – recomeçando das trevas


Setembro de 2004, tão silenciosamente quanto havia desaparecido, e sem ninguém ter pedido, o Europe ressurgia.

Mas tal qual uma carcaça enterrada no Cemitério Micmac idealizado por Stephen King, o Europe que levantava da tumba, embora carnalmente fosse representado pela formação clássica, em essência era uma coisa muito diferente.




Europe em 2004

Ao vivo, a mudança ficava ainda mais clara. Com visual resumido ao tradicional couro e jeans, sem efeitos de pirotecnia, o Europe passou a assaltar os palcos com uma pegada muito diferente. A banda não virou as costas ao seu catálogo pregresso, apenas mostrou que existiam grandes músicas por detrás daquelas produções pasteurizadas. Ou como John Norum gosta de dizer nas entrevistas atuais, “agora as músicas soam como deveriam, sem a interferência de gravadoras e empresários”. Um exemplo pode ser visto no vídeo abaixo para Seven Doors Hotel:





E esse “novo” Europe angariava uma nova geração de fãs, e gente que outrora torcera o nariz para banda, passava a ver a marca com outros olhos.
E eu fui um deles.

Bag of Bones – o quarto e bluesy rebento

A mudança, bem arquitetada pelo líder e principal compositor, o vocalista Joey Tempest, atendeu aos anseios de todos da banda. “Somos crias do heavy rock britânico dos anos 1970”, disse o vocalista à Classic Rock Magazine em junho desse ano.

Não é novidade, por exemplo, a adoração do guitarrista John Norum pelo Thin Lizzy, que foi inclusive alvo de uma homenagem em Start From the Dark (na faixa Hero).

Uma prova de que não se trata de oportunismo a repentina aproximação do Europe com o heavy rock é próprio o nome da banda, inicialmente Force, e que fora mudado por conta de uma de uma das maiores paixões de Tempest e Norum, o disco Made in Europe, do Deep Purple.

Tendo dito isso, nos últimos lançamentos após seu retorno a banda veio, ainda que aos poucos, introduzindo essas influências em seu som.

Mas é somente no quarto rebento após o retorno, Bag Of Bones, que as influências do hard setentista deixam de ser uma referência residual para se tornarem explícitas. 

Europe 2012
O início com o riff grooveado e repleto de wah-wah de Riches to Rags, mostra grandes pitadas de blues rock. O solo hendrixiano do sempre excelente Norum remete diretamente ao seu último disco solo, Playard Blues.

E se soa estranho aos seus ouvidos Europe tocando blues rock, você não está sozinho, Not Supposed to Sing the Blues (um heavy rock, na realidade – ver vídeo abaixo) é uma resposta justamente a uma crítica que a banda recebera no passado, na qual um repórter disse que ele seriam o tipo de banda que nunca conseguiria tocar um blues. Desafio vencido: diga-se de passagem, a banda se sai muito bem fazendo-o. obviamente, sob a forma de uma versão pesada de um blues.



Aliás, o Blues Rock anabolizado dá as caras em My Woman My Friend e na faixa título, que inclusive conta com a participação do atual fenômeno do Blues rock – Joe Bonamassa – fazendo slide guitar. Joe, aliás, que foi trazido à tiracolo pelo produtor da bolacha, Kevin Shirley. O Sul-africano ganhou o posto justamente pelas produções atuais com enfoque no classic rock, seja com Bonamassa, seja com o Black Country Communion. Embora não seja exatamente entusiasta do som de suas produções, não há como não reconhecer que o trabalho aqui é muito bom. Tudo soa com punch e clareza.
E se há algo de notável nesse disco é o som das guitarras. John Norum está inspiradíssimo em seus solos, totalmente calcados nos guitar-heroes do passado. A furiosa Firebox é um exemplo dessa excelência guitarristica, lembra bastante as faixas mais pesadas de Start From the Dark e é uma das melhores do disco. Outra que se destaca pelo peso é Demon Head e se não citei ainda o quanto a cozinha da banda contribui para o resultado, é porque Ian Haughland e John Levèn, ainda que excelentes músicos, se preocupam principalmente com a coesão e pegada, e não com exibicionismos.


Encontro de titãs: John Norum e Joe Bonamassa

Aliás, no que tange ao desempenho individual, minha única ressalva é justamente quanto à Joey Tempest. Não que ele esteja cantando mal, Joey tem uma voz bonita e precisa, além de ser um letrista de mão cheia e criar boas melodias. O problema na verdade é que seu timbre é limpo ao extremo, contrastando com a dose de bourbon que o Europe colocou em sua música para esse disco. Não consigo deixar de imaginar, por exemplo, como a pesada Mercy You Mercy Me (ou My Woman My Friend) se sairia melhor com a voz encardida de John Norum. Mas se há um momento em que fica clara sua qualidade é na totalmente zeppeliana Drink And A Smile.


Joey Tempest botando as roupas de lycra para lavar

Doghouse já vinha fazendo parte do repertório dos shows da banda desde 2011 (ver vídeo), e é talvez a mais sem graça do disco.



Ah, e talvez você esteja estranhando algo. Estou quase no fim da resenha de um disco do Europe e não fiz nenhuma referência a baladas. Mas é porque a mesma só dá as caras a final do disco, com a bonitinha (mas desnecessária) Bring It All Home. Não, em nada se parece com Carrie (graças à Deus). E sim, tem um ar setentista.

Saldo Final

Longe de seu passado purpurinado, o Europe nos presenteia com um bom disco de hard rock calcado em blues e coisas que rescendem à mofo.

Bag Of Bones em nenhum momento soa cansativo e prova mais uma vez que o Europe é sim uma grande banda de rock e que você não precisa se envergonhar de ter uma cópia de Final Countdown em sua coleção. Resta torcer para eles substituírem Carrie por alguma das boas faixas desse disco nos shows.


NOTA - 8

Ficha Técnica

Banda (Nacionalidade): Europe (SUE)
Título (ano de lançamento): Bag Of Bones (2012)
Mídia: CD, lançamento Hellion Records(Nacional)
Faixas: 11
Duração: 40’

Faixas:
1. Riches to Rags; 2. Not Supposed to Sing The Blues; 3. Firebox; 4. Bag Of Bones; 5. Requiem; 6. My Woman My Friend; 7. Demon Head; 8. Drink And A Smile; 9. Doghouse; 10. Mercy You Mercy Me; 11. Bring it All Home.

Rotule como: Hard Rock, Heavy Rock
Indicado para: Fãs de um hard mais classudo.
Passe longe se: adorar laquê e roupas de lycra.

















domingo, 15 de julho de 2012

Firewind – Few Against Many (2012)




A HORA E A VEZ DO METAL GREGO

Prólogo – um guitarrista grego na América

Em 1998, Kostas Karamitroudis era apenas um jovem e promissor guitarrista apaixonado por Heavy Metal. Sua escolha por seguir a carreira musical já não era nenhuma novidade para sua família, que acompanhou com resignação o jovem de 18 anos abandonar sua Grécia natal para tentar a sorte na América, mais especificamente na Berklee College of Music, em Boston.

Aparentemente o jovem Kostas não encontrou dificuldades em se adaptar à cultura local. Logo seus amigos escolheriam um epíteto de maior facilidade de pronúncia como apelido, surgindo então Gus, ou para alguns G. Mais difícil que se adaptar à cultura local foi encontrar quem acompanhasse a paixão do agora chamado Gus pelo Heavy Metal. Para exercitar sua técnica em seu estilo favorito, ele resolveu chamar alguns amigos e conhecidos para gravar uma demo. O estilo seria o Power metal melódico, em voga na Europa na época, e como a banda (mesmo não existindo de fato) precisaria de um nome, o escolhido foi Firewind.

Kostas Karamitroudis - ou seria Gus G?

E se o intuito da demo foi mostrar os talentos do guitarrista a mesma atingiu certeiramente o alvo. Gus G (seu novo nome artístico) foi o nome de escolha do produtor e músico Fredrik Nordström para montar sua banda laboratório de Power Metal, o Dream Evil.

Com o Dream Evil



Em paralelo, Gus foi convidado a integrar o Nightrage e o Mystic Prophecy. Após lançar discos com as três bandas, em 2003 Gus G resolveu que era hora de aproveitar a experiência conquistada para levar seu próprio projeto à frente. E então o Firewind foi aos poucos galgando território no segundo escalão da cena de metal européia, em especial depois da entrada do vocalista Apollo Papathanasio (ex-Time Requiem) e gravação do aclamado The Premonition, que mesclava com sucesso metal melódico, hard rock e elementos de metal mais moderno, algo próximo do que os americanos do Kamelot haviam feito após a chegada de Rhoy Khan




Nas mãos do Príncipe das Trevas

Mas seria Fredrik Nordstrom o responsável, mesmo que indiretamente, por um salto de popularidade da banda. O produtor estava gravando Doomsday Machine do Arch Enemy, e convidou o amigo Gus G para gravar um solo. Naquela turnê, em 2005, Christopher Amott deixaria a banda por algum tempo, e Gus G foi então chamado para fazer a segunda guitarra. Uma das datas coincidiu com o Ozzfest, evento itinerante que Sharon Osbourne montou para o Príncipe das Trevas. Esses shows mudariam a vida de Gus G para sempre.

A performance do jovem grego nos shows, assim como a amizade que ele fez com a equipe de Ozzy, em especial com o baixista Blasko, renderiam frutos inimagináveis. Em 2009, Ozzy decidiria romper a outrora imbatível pareceria com Zakk Wylde e Gus G seria então indicado para fazer um show com Ozzy na OzzCon daquele ano. Se funcionasse, seria efetivado na banda. De lá para cá, Gus G não só passou a integrar a banda de Ozzy, como ajudou o velho comedor de morcegos a escrever o bom Screm, trazendo o som do Ozzy um pouco mais próximo do metal novamente. 

Gus G e o Madman!
E o Firewind?

Mas como agenda do velho Ozz não é das mais cheias, ainda sobrou tempo para Gus G levar à frente seu Firewind, tentando justamente capitalizar na fama mainstream proporcionada pelo novo trampo. Só que o tiro inicial não atingiu o alvo. Days Of Defyance, primeiro disco do Firewind pós Ozzy saiu magrinho e sem inspiração. Muita gente acreditou que a falta de resposta (ou ao menos de uma resposta mais forte) a esse disco fosse decretar o fim da banda.  Ainda mais quando o vocalista Apollo foi efetivado como o novo frontman do Spiritual Beggars, para lançamento do ótimo Return To Zero.




Apollo à frente em material promocional do Spiritual Beggars
Mas eis que para surpresa de muitos, Gus G anuncia o novo disco, Few Against Many, bradando ao mundo que este seria o disco a marcar o nome do Firewind para um público mais abrangente.

E será que Few Against Many corresponde às bravatas de seu mentor?

Um Verdadeiro Presente de Grego?

A pesada Wall Of Sound, faixa de abertura e trabalho do disco, mostra-se um tremendo cartão de visitas. Riffs pesados e com algo de modernidade, bateria poderosa e o vocal rasgadão e muito acima da média de Apollo poderiam cair no lugar comum de várias bandas de metal da atualidade, mas os solos inspirados de Gus G, aliados a um refrão pegajoso ganham o jogo. Confira no vídeo abaixo:




A faixa seguinte, Losing My Mind, parece trazer um pouco do Spiritual Beggars, no que tange às linhas de voz. O que é bastante plausível, tendo em vista que além de Apollo ser o vocalista das duas bandas, o estilo melodioso das guitarras de Gus G em muito lembram o de Michael Amott. Os dois são muito influenciados por Michael Schenker. Curiosamente, Gus G disse recentemente que essa música chegou a ser trabalhada com Ozzy para Scream, mas não fora finalizada a tempo.

A pesada faixa título começa e fica cada vez mais clara a intenção da banda em se distanciar ao máximo de suas origens no Power metal melódico europeu, tal como fizera com sucesso o Kamelot. Uma bela escolha e mais uma faixa poderosa, com grande refrão e ótima participação do novato Jo Nuñez na bateria. Nos solos, mais uma demonstração de que Gus G parece ser mais irmão de Michael Amott do que o próprio Christopher Amott. Uma excelente rendição metálica do estilo Schenker de solar.

Bob, Apollo, Gus, Petros e Nuñez - Firewind em 2012
O início de Undying Fire nos engana com um dedilhado e vocal tranqüilo, mas logo a rifferama está de volta e temos mais um ótimo refrão, que poderia soar melecoso caso Apollo não fosse um vocalista muito mais inspirado em Dio do que nos Michael Kiskes da vida. Ótima faixa novamente.

Quando me refiro ao peso das músicas, obviamente não estou me referindo a nada relativo aos estilos mais extremos de metal, mas eis que Another Dimension nos trás algo bem próximo do Thrash Metal europeu. Certamente a música mais pesada feita pela banda e mais um ótimo desempenho de todos, em especial do debutante baterista. Por alguns instantes (até entrar o vocal, claro) dá até para acreditar tratar-se de algo do Kreator atual.

Digno de nota se faz também o trabalho do tecladista Bob katsionis, que consegue dar um enfoque a seu instrumento bastante funcional e moderno, fugindo à lenga lenga neoclássica que faz com que geralmente amaldiçoemos a presença de teclados no metal. É muito comum ver os teclados atuarem nesse disco como uma segunda guitarra, com efeitos distorcidos que contribuem com o peso do resultado final.

Glorious é uma das melhores faixas do disco e possui ótimo refrão e aproxima-se um pouco do Power metal sem soar nada chata. Logo após temos uma ligeira queda no ritmo com a participação do arroz-de-festa finlandês Apocalyptica, fazendo os cellos na bonita Power balada Edge of a Dream. A faixa começa algo xarope, mas a boa voz rouca de Apollo salva a lavoura.

Infelizmente, nada conseguiria salvar a péssima Destiny, faixa que emula o estilo melódico que a banda executava em seus primórdios. Mais uma prova que Gus G fez muito bem em procurar um enfoque mais pesado e atual para a banda. Uma faixa absolutamente desnecessária, ainda mais ao avaliar o estepe de qualidade que a banda utilizou como faixa bônus em algumas edições do disco.

O nível volta a ficar alto com Long Gone Tomorrow. E se eu não comentei antes, a produção excelente sob a batuta do próprio guitarrista deixou bastante espaço para o bom baixista Petros Christo (no Firewind desde 2003) mostrar seus talentos, com linhas inventivas geralmente utilizando timbres algo distorcidos.

A edição padrão de Few Against Many se encerra com uma das apostas da banda – No Heroes. No Sinners, uma falsa balada excelente, com um refrão que certamente ficará gravado na cabeça de todos na primeira audição e que coroa os ótimos desempenhos individuais do resto do disco.

A edição especial conta com duas faixas bônus, uma versão acústica para No Heroes. No Sinners, tão boa quanto a original e uma inédita Battleborn. E ao escutar essa segunda, fica a surpresa, seu andamento marcial e algo próximo do Doom Metal, além do refrão poderoso, fazem dessa uma das melhores faixas escritas pela banda. Dezenas de vezes melhor que a porqueira Destiny, que entrou no repertório oficial. Vai entender...


Saldo Final

A cena metálica atual é extremamente prolífica em bandas que praticam seus sub-estilos mais extremos. Mas Odin sabe o quanto anda raro encontrar bandas que pratiquem um heavy metal mais próximo do tradicional. E mais raras ainda são aquelas que conseguem fazê-lo sem soar datadas e caricatas. Então o Firewind, com esse ótimo Few Against Many tem tudo para ganhar uma boa parcela de fãs, em especial após a notoriedade que a participação de Gus G na banda de Ozzy pode dar, alçando seu nome em veículos de divulgação mais próximos da cena mainstream. Se esse não for o disco a catapultar o Firewind ao primeiro escalão metálico, duvido que algum lançamento futuro o faça. Em suma - um ótimo disco de metal e uma ótima chance de mostrar que a Grécia tem muito mais a oferecer que uma infindável crise econômica e um futebol pavoroso. Esse sim o verdadeiro presente de Grego!

NOTA - 8,5

Curiosidade:  a arte de capa e design do livreto é trabalho de um brasileiro, Gustavo Sazes, com quem a banda parece ter firmado uma parceria de sucesso.


Ficha Técnica

Banda (Nacionalidade): Firewind (GRE)

Título (ano de lançamento): Few Against Many (2012)

Mídia: CD
Gravadora: EONE Music (importado)
Faixas: 10 (12 na edição limitada)
Duração: 45’ (53’ na edição limitada)

Rotule como: Heavy Metal, Metal Tradicional, Power Metal
Indicado para: Fãs de metal tradicional e Power metal moderno.
Passe longe se: não conseguir lidar absolutamente com traços de Power metal europeu.




quarta-feira, 11 de julho de 2012

Rory Gallagher – Irish Tour ‘74 (2010)



UM MOMENTO HISTÓRICO DO ROCK RESTAURADO

Prólogo – Turbulências na Irlanda do Norte

“"Rory Gallagher never forgot Northern Ireland, he returned throughout the '70s when few other artists of his calibre dared not come near the place”
-          Notícia publicada em um diario de Belfast.

A década de 1970 representou mais um período de turbulência e conflitos na Irlanda do Norte, no evento histórico que ficou conhecido na Grã-Bretanha como The Trouble, a disputa pelo poder entre uma minoria católica (que apregoava a independência da Irlanda do Norte do restante da Grã-Bretanha) e a maioria protestante (que não desejava a independência).

O trágico conflito só se resolveria décadas mais tarde, com um saldo de mortos e feridos cujos números suscitam discussões infindáveis, coisa que a juventude local não tinha como prever. O que a juventude local  sabia é que o país estava Mergulhado em uma espiral de violência desde o início dos anos 1960. E que só parecia haver duas opções: ficar alheia e alienada da instabilidade política, torcendo para que a violência que vinha a contrapeso não lhe atingisse em cheio, ou participar ativamente da mesma.

Nem o escapismo que o rock representava para parte dos britânicos, sob a forma de uma de suas melhores safras (que incluía Deep Purple, Led Zeppelin, Black Sabbath, dentre outros) era permitido -  as bandas eram fortemente aconselhadas a não pisar em solo irlandês. A escassez de ídolos fazia com que a cena local fosse praticamente inexistente.

Em suma, futuro e esperança pareciam palavras vazias proferidas em um horizonte tão cinzento quanto o da cidade de Cork.

Mas seria justamente um filho do cinzento condado de Cork que traria um pouco de orgulho e alento aos jovens irlandeses...

Rory Gallagher e o Condado Rebelde

Cork possui um passado belicoso, de participação ativa em vários conflitos históricos, o que lhe rendeu o apelido de Condado Rebelde. Seu nome é derivado da palavra irlandesa Corcach, que significaria Lugar Pantanoso.

Porto de Cork

E rebelde e pantanoso seriam dois epítetos que definiriam bem o temperamento de seu filho mais ilustre, o guitarrista Rory Gallagher. Rory apareceria ao mundo como o prodigioso guitarrista de um dos Power trios seminais dos anos 1960, o Taste. Ainda antes da virada da década, seria citado por ninguém menos que Hendrix como o provável maior guitarrista do mundo. Daí veio a infame alcunha de Hendrix Branco, que volta e meia acompanha as referências sobre ele. E em se tratando de apresentações ao vivo, Rory engoliu ninguém menos que Eric Clapton quando seu Taste abriu uma turnê do então supergrupo Blind Faith. Mas foi após a dissolução do Taste que realmente teve início sua melhor fase, em uma carreira solo que produziu diversos clássicos do Blues Rock, mas que tinha sua força máxima nos shows.

Taste - Rory à esquerda
William Rory Gallagher na verdade nascera em Ballyshannon, em março de 1948. Mas foi criado na cidade portuária de Cork, local que adotou como uma espécie de solo sagrado e refúgio espiritual utilizado em diversos momentos de sua prolífica carreira.  E talvez a inspiração na proverbial rebeldia de Cork tenha sido a mola mestra para a tomada de uma decisão que quase matou os donos da gravadora de Rory do coração.

Rory e sua inseparável Strato
O mundo artístico poderia virar as costas a Irlanda do Norte. Mas ele não o faria. No auge comercial de sua carreira, ao invés de aportar nos Estados Unidos ou emendar uma turnê na Alemanha, onde fazia imenso sucesso, Rory excursionaria por meses do ano de 1974 pelo território Irlandês. E não só o faria, como levaria consigo uma trupe para gravar os shows, tanto fonograficamente como em vídeo, com a finalidade de mostrar ao mundo que por trás de um país que chafurdava em sangue, existia um povo como qualquer outro, sedento por música e tudo o que a vida pode proporcionar de bom.

Rory tinha confiança absoluta que tudo transcorreria bem, que haveria união em torno da música. O que ele não podia adivinhar é que o resultado gravado dessa turnê se tornaria uma referência em se tratando de gravações de shows de rock – sob a forma de um disco e um filme nomeados Irish Tour ‘74.

O disco atingiria a marca de mais de 2 milhões de cópias vendidas à época (alto para um disco duplo) e vem constantemente sendo relançado. Sua última edição remasterizada acaba de ser lançada aqui no Brasil. Mas enquanto o disco é sempre lembrado em listas de clássicos absolutos do rock, pouco ou nada se ouvia falar sobre o filme de mesmo nome. 

Irish Tour '74 - o disco
Até que recentemente o filme original foi resgatado e remasterizado, tendo sido lançado em 2010 nos formatos DVD e Blue-Ray Disc. Embora a versão lançada em terreno tupiniquim seja no formato DVD, a versão analisada aqui é a do formato Blu-Ray Disc. Cabe ressaltar que a única diferença entre as versões é a qualidade de áudio e vídeo, pois o conteúdo é absolutamente igual.

Irish Tour ’74 – o filme

Dirigido pelo britânico Tony Palmer, o registro da turnê não se resume a um típico apanhado de apresentações ao vivo de um dos mais incensados combos do Blues Rock (ver vídeo abaixo, para Tattoo'd Lady).



Logo de início, temos tomadas do agitado mar do litoral de Cork intercaladas com cenas da banda no palco, numa versão editada da Jam de Walk on Hot Coals conhecida da versão em disco. Ainda bem que essa música seria a única das nove registradas no vídeo a aparecer em uma versão editada. Mas entre uma faixa e outra, encontramos trechos de entrevistas com Rory, sempre filmadas tendo como pano de fundo locais das cidades por onde passavam.

E o apanhado de cenas tão naturais e descompromissadas de Rory e sua banda são o máximo do anti-Spinal Tap que podemos imaginar. O cara já margeava os 10 milhões de discos vendidos em sua carreira e estava lá afinando seu Dobro, enquanto o imberbe Rod De Ath (bateria) polvilhava toneladas de talco nos pés e Gerry McAvoy (baixista) bebia uma aparentemente saborosa cerveja. Isso tudo em uma sala que nem em sonhos poderia ser chamada de camarim. De fundo, pode ser ouvida uma ensandecida platéia. Pouco depois a banda entra no palco e arregaça de forma igualmente ensandecida, e a reação do público beira o surreal. Quem assistir ao vídeo sem som vai imaginar tratar-se de uma banda punk, tamanha a energia desprendida.

Gerry, Lou, Rory e Rod - a turma de 1974
Mas toda essa energia, embora seja palpável a apreensão no rosto dos seguranças em todas as tomadas, foi apenas canalizada em prol da música. Nenhum episódio de confusão foi notado em qualquer das apresentações da turnê.

E se há alguma dúvida em relação à alegria estampada no rosto de Rory e seus asseclas em tocar para a juventude irlandesa, basta dar uma checada em um trecho do filme no qual, após a hora e meia de show em uma das cidades, a banda inteira ruma para um pub bem fuleiro, arma um microfone, pega um violão e se apresenta tocando músicas tradicionais irlandesas no meio de um monte de marmanjo que tem em teor alcoólico o que falta de dentes nas bocas registradas. Uma versão folk e fedegosamente bêbada de uma roda de pagode, talvez.

E o que dizer da felicidade quase palpável do público? As filmagens foram tiradas de três concertos diferentes (Belfat’s Ulster Hall, Cork’s City Hall e Dublin’s Carlton Cinema) e as performances registradas são todas excepcionais. Rory foi um daqueles guitarristas que pareciam ter a capacidade de fazer a guitarra desmontar em suas mãos, dominando ritmo e melodia de forma magistral. O galês Rod De’Ath, franzino e com cara de menino, demonstrava uma técnica e pegada incomuns em sua bateria. Gerry McAvoy, que viria a ser o único músico a acompanhar Rory até o fim da carreira, é um baixista que considero bastante injustiçado. Tecnicamente beirando a perfeição, suas linhas de baixo sabiam ser virtuosas ou funcionais, de acordo com o caminho que o guitarrista escolhesse para a música. O tecladista Lou Martin dosava momentos de pura virtuose com outros de absoluta calmaria. Mas o mais importante de tudo, apesar das evidentes capacidades técnicas dos músicos, o que salta aos olhos (e ouvidos) é o entrosamento quase telepático da banda em improvisos tão vigorosos quanto inspirados. Nada é gratuito, e todas as versões registradas superam em muito as originais de estúdio, vide a belíssima rendição de A Million Miles Away (ver vídeo abaixo).


E se a qualidade musical e do material beira o brilhantismo, o mesmo pode ser dito do tratamento visual. A qualidade de imagem provavelmente margeia o limite de como um filme feito em 1974 pode ficar no sistema de alta definição. Já a edição e as tomadas, em muito diferem do que encontramos hoje em dia – tomadas longas e muitas vezes centradas nos rostos dos músicos, ajudando a dar um ar intimista que por vezes quase torna real a empolgação e até o calor quase sufocante registrados.

Nos extras, tem-se a opção de assistir à quase uma hora e meia do filme com comentários em áudio do baixista Gerry com o irmão e empresário de Rory, Donàl Gallagher.

Ainda incluso nos extras, temos um excelente mini-documentário sobre a turnê de 1972, também na Irlanda, que inclui quase meia hora de um ótimo show em um teatro, com qualidade de vídeo muito inferior ao material principal, mas prá lá de aceitável. Há também um filme sobre a turnê japonesa de 1974, esse não podendo ser encarado como algo além de um bootleg curioso, dada a péssima qualidade do vídeo.

Saldo final

Em seu interessante formato mezzo-documentário mezzo-show, Irsih Tour ’74 cumpre o que promete: nos inserir no olho do furacão de uma das turnês mais corajosas e inspiradas da história do rock. Para ver e rever inúmeras vezes.

NOTA – CLÁSSICO DA CRIPTA

Ficha Técnica
Banda: Rory Gallagher

Título (ano de lançamento): Irish Tour ‘74 (1974)

Mídia: Blu-Ray Disc (Lançamento nacional em DVD)

Duração: 123’

Rotule como: Blues Rock, Classic Rock

Indicado para: Qualquer um que curta guitarras.

Passe longe se: sinceramente, se você conseguir não curtir isso, vá correndo baixar o novo da Lady Gaga.










domingo, 8 de julho de 2012

Motörhead – The World Is Ours Vol. 1 (2011)





SURDEZ GARANTIDA EM ALTA DEFINIÇÃO

Prólogo – Lemmy e as verrugas da danação

“O planeta está descendo diretamente pela descarga, acompanhado da civilização que o comanda. E nós continuaremos a tocar enquanto ele afunda no esgoto. Seríamos uma banda apropriada para tocar durante o apocalipse. A propósito, nós soamos como um apocalipse...”

(Lemmy, sobre a possibilidade de aposentadoria do Motorhead)

A câmera passeia pela frente do Teatro Caupolican, capturando em slow motion a polícia de Santiago, em conjunto com o exército, organizando o transito de carros e pedestres. Sirenes ao fundo, seguidas de gritos de “Lemmy, Lemmy” como trilha sonora de um ato quase marcial. A imagem de um rapaz vestido com uma camisa de Ozzy Osbourne mostrando o dedo médio para a câmera aparece e o clima belicoso persiste quando a mesma se desloca para a fila que aguarda com um ar de contido entusiasmo pela entrada no show. A sirene soa de novo, e de novo...as imagens em preto e branco passam do rosto dos tensos oficiais do exército para o rosto de um feliz grupo de fãs prestes a assistir a uma das maiores experiências musicais de que se tem notícia, ao menos se você é um dos muitos que não se importam com a morte de um punhado de neurônios auditivos se isso vier acompanhado de uma bela exibição de um rock sujo e voraz.

E essa vem sendo a especialidade de Lemmy e sua trupe pelos últimos 35 anos.

Motorhead 2011 - Mickey Dee, Lemmy e Phil Campbell
Vemos agora uma arena abarrotada, os gritos do público são ofuscados por alguns acordes distorcidos da guitarra de Phil Campbell e de uma virada breve de bateria de um rinoceronte chamado Mickey Dee. Surge a silhueta de um dos seres mais emblemáticos da mitologia do rock, ostentando seu belo Rickenbacker e sua não tão bela cara de vilão de western barato.

Lemmy, 66 anos, cumprimenta a platéia, arranca alguns acordes tão sujos quanto sua aparência e recita a frase que, justamente por ser  tão displicente e simples, ilustra perfeitamente o que representa um show do Motorhead:

“We Are Motörhead, and we play rock and roll!”

O que se segue é tão previsível quanto poderoso:

Os acordes de Iron Fist fazem que o abarrotado teatro se transforme no que parece uma massa contínua de carne que se revolta a cada compasso. Como acontecia com outra platéia em qualquer lugar do mundo há 35 anos atrás, e como continuará acontecendo enquanto o velho tio crocotó continuar na ativa. 

Verrugas em HD

The World Is Ours representa o primeiro lançamento em Blu-Ray do Motorhead, fazendo um apanhado de três momentos diferentes da turnê de 35 anos da banda, realizada em 2011. O show principal, em preto-e-branco, foi gravado em Santiago, no Chile, contando com uma platéia ensandecida do início ao fim de um set contendo 17 músicas do melhor da banda (quase uma hora e meia de duração).

Dois outros shows estão representados, também em alta definição (mas dessa vez coloridos) um em Nova Iorque (contendo 3 músicas) e outro em Manchester (contendo 6 músicas).

Em todos eles a banda encontra-se tão poderosa como sempre, comandando com simplicidade platéias tão empolgadas que nos fazem perguntar o que diabos acontece com o público do Rio de Janeiro, cada vez mais sonolento e blasé.

Participações especiais não são uma raridade em se tratando de shows do Motorhead e aqui elas aparecem nos dois shows extras do pacote.

Em NY, a honra coube (na clássica Killed By Death) à bela Doro Pesch e ao guitarrista Todd Youth, os dois com um longo histórico de envolvimento com o Motorhead.

Doro e Lemmy tem uma amizade (colorida?) que se estende desde meados dos anos 1980, quando um imberbe Warlock era catapultado a um semi-estrelato no mundo metálico, capitaneado pela então ninfeta e musa loirinha, e fazendo alguns shows de abertura para os feiosos britânicos. Desde então Lemmy já gravou dueto com Doro e volta e meia participa dos shows solo da alemã.

Doro e Lemmy em 2011
Todd Youth, que começou no Agnostic Front e já tocou com Danzig e muitos outros, fez parte do Motorhead interinamente durante um breve período da turnê de 2003, quando Phil Campbell perdeu a mãe.

Mas apesar da importância dos convidados, a participação deles pouco ou nada faz da rendição de Killed By Death diferente de tantas outras já registradas.

Muito diferentemente do tresloucado Michael Monroe (Hanoi Rocks), que faz sua melhor personificação de Serguei no show de Manchester, numa versão de Born To Raise Hell que pode soar tanto absolutamente ridícula quanto puramente rock.

Lemmy e Serguei, digo, Michael Monroe
Extras – entrevistas,videoclipes e muito humor

Ainda nos extras, temos três entrevistas imperdíveis. Em uma delas, o repórter pergunta ao Lemmy como ele acha que uma pessoa sai de um show do Motorhead, ao que ele rapidamente responde:

“Mais sábia...ou pelo menos, mais surda...”

Correto, Lemmy. Assisti o Motorhead em três oportunidade diferentes e não acredito ter ficado nem um ponto de QI mais esperto, mas me lembro bem de passar dias com o ouvido zunindo...

Além das impagáveis entrevistas (que na versão que possuo, importada, não contém legendas em português), temos um vídeo legal para Get Back In Line e outro burocrático (com cenas ao vivo) para I Know How To Die. Ainda há o press kit do lançamento do CD The World Is Yours, que contem entrevistas menos engraçadas e mais profissionais com a banda toda falando sobre o novo rebento.

Saldo final

Completo, bem gravado e divertido.

Ao final de tudo, o primeiro rebento em Blu-ray do Motorhead representa uma bela oportunidade de conferir as verrugas mais infames da história do rock em alta definição.
E se não ficar mais sábio ao terminar de assistir o show, fique tranqüilo, Lemmy deixou como de costume seu baixo na frente dos monitores enquanto somos brindados com os créditos, para garantir que ao menos terminemos com os ouvidos zunindo de felicidade...

NOTA – 8,5

Trailer do Blu-Ray:




Ficha Técnica
Banda: Motorhead
Título (ano de lançamento): The World Is Ours, Vol 1 (2011)
Mídia: Blu-Ray Disc (Lançamento nacional em DVD)
Duração: 210’ 
Rotule como: Rock, feio e sujo
Indicado para: Fãs de um Rock sem muita pompa e frescura.
Passe longe se: tem nojinho de verruga ou se curte bandas que usam roupas com babados.