Consolidando a Boa
Fase
Por
Trevas
A
Alemanha sempre foi um celeiro de boas bandas de rock pesado. Poderia escrever
três postagens nesse blog só listando as mais relevantes e ainda assim correr o
risco de esquecer alguém. Se o título de banda de rock alemã mais popular em
todos os tempos dificilmente sairá das mãos do Scorpions, o de banda de Heavy Metal mais importante da cena
Teutônica está sujeito a discussão acalorada. A garotada leite-com-pera e
roupa-com-babados gritará “Helloween,
Helloween!!” em falsete, montada num
unicórnio que parece saído de “meu querido pônei”; os rédibênzi cascudos agitarão
suas correntes, gritarão esganiçadamente “Kreator!!”
e então sofrerão coma alcoólico e os modernosos goticóides bradarão “Rammstein” com voz grave e puxando
bastante o sotaque tupinimão (contendo as lágrimas para não borrar a maquiagem).
Cada
qual em sua tribo, todos tem sua cota de razão. Eu diria simplesmente que a
maior banda de metal, puro e simples, vinda da terra do chucrute foi, é, e
sempre será o Accept.
A banda já havia
batalhado arduamente por toda a segunda metade dos anos 1970 e lançado três
discos sem muito alarde quando cuspiu Restless
And Wild. Fast As A Shark,
música que abre o disco, tornou-se uma febre na comunidade metálica mundial, uma
faixa extremamente pesada e rápida para os padrões de então.
German Leatherboys - Accept nos anos 1980 |
O nome do Accept não chamou a
atenção somente dos aficionados por metal, tendo a banda ganho um contrato com
a Epic (subsidiária da Sony) para lançar seu disco
seguinte, o excelente e platinado Balls
To the Wall.
O Accept era então a banda de
metal perfeita: a imagem belicosa transpirava perigo e revolta; as guitarras
ferozes eram também muito bem tocadas (cortesia de Wolf Hoffman); as letras eram provocativas e transbordavam por
vezes imagens de uma sexualidade pervertida e dúbia (numa esperta jogada de marketing,
a esposa do guitarrista fazia as letras sob pseudônimo, sua ótica feminina
dando uma imagem SM/Gay à banda) e a bateria era um rolo compressor para a época. Mas
talvez a característica mais marcante dos alemães para a maioria fosse a voz e
imagem de Udo Dirkschneider, o
diminuto e horrendo vocalista.
Udo...ou seria Silvio Luis? Ainda não sei... |
A
associação da voz de Pato Donald de Udo
com o sucesso do Accept ficou ainda
mais forte quando a banda, atrás de uma repaginação de seu som para a metade
farofeira dos anos 1980, abandonou o gnomo e apostou no vocalista americano David Reece. O único lançamento com
essa formação, Eat the Heat, foi um
fracasso de crítica e vendas na época (hoje é tratado como cult), e o Accept fechou as portas. Em paralelo, Udo montou o U.D.O., que agradou os antigos fãs e conquistou uma nova geração (a
geração do power metal) fazendo um metal que nada mais é do que uma versão diluída
do Accept de outrora.
Duas
tentativas de reunião do Accept
ocorreram nos anos 1990 e 2000, ambas por curto espaço de tempo e sem tanto
sucesso. Segundo Udo, não faziam
sentido, pois ele ganhava mais com sua carreira solo, a qual dizia também ser
mais atrativa para o público atual.
Improvável Ressurgimento
Bom, não vou mentir.
Quando a banda anunciou seu retorno às atividades em 2009, dessa vez sem Udo e com outro vocalista americano (o
pouco conhecido Mark Tornillo), eu
torci o nariz. Na verdade, não conheço ninguém que não tenha feito o mesmo. Talvez
no melhor disco de retorno da história, Wolf
Hoffman calou a boca de meio mundo em 2010 com o apoteótico Blood Of The Nations.
Accept 2010, Tornillo de boné |
Até mesmo o desdém jocoso inicial de Udo em relação a nova encarnação do Accept caiu por terra ao som de petardos como Teutonic Terror e Pandemic.
E ao vivo, o quinteto mostrou entusiasmo invejável, e o então pouco conhecido Tornillo ganhou o respeito de todos ao
fazer um excelente trabalho também no material clássico do Accept.
Coroando a bem sucedida parceria com o produtor britânico Andy Sneap, o Accept repetiu a dose em 2012, com Stalingrad. Sem o amparo do
efeito surpresa, Stalingrad soava um
pouco aquém em relação ao disco anterior, mas deu seu recado: o Accept estava vivo e pronto para
consolidar seu novo reinado.
Mantendo um ritmo digno de décadas passadas, Wolf e sua trupe anunciaram seu terceiro disco em quatro anos,
novamente contando com a produção de Andy
Sneap. Blind Rage foi lançado em
várias edições diferentes. A analisada aqui é a Deluxe, que conta com o Cd mais
um Bluray contendo um show na íntegra da turnê de Stalingrad (Chile, 2013).
Edição deluxe, prepare seu rico dinheirinho |
Capa e Temática
Não, Blind Rage não é exatamente um disco
conceitual. Longe disso. Mas a arte de capa e nome foram inspirados na situação
atual da política mundial, com diversos conflitos centrados no ódio pipocando
ao redor do globo. A fúria cega do título. Mas antes de apostar nessa temática
(como sempre, por orientação de Gabi,
esposa de Wolf - empresária e
letrista eventual do Accept), a
banda parece ter trabalhado em outra temática e arte de capa. Conforme matéria
publicada no site Whiplash (ver
aqui), a temática do álbum versaria sobre a luta pela liberdade. E a arte de
capa até então seria elaborada pelo brasileiro Julio Marinho (ver abaixo). Cabe ressaltar que a faixa Wanna Be Free trata de tráfico humano e
escravidão nos dias de hoje. Talvez fosse então trabalhada como faixa título.
Arte originalmente trabalhada para o disco |
O Disco
Introdução épica em crescendo
e a rifferama de Stampede parece
pegar a trilha de onde Stalingrad
havia parado. Escolhida como primeiro single, é forte candidata a abrir os shows
da próxima turnê, um perfeito arrasa quarteirão. Os solos cantáveis, marca
registrada de Wolf Hoffman, dão suas
caras pela primeira vez no disco e a produção de Andy Sneap deixou tudo soando com muita pegada e clareza, as Always...
As faixas seguintes parecem determinar o diferencial de Blind Rage em relação aos discos
anteriores. Dying Breed, Dark Side Of My heart e Fall Of The Empire são três petardos mid
tempo, mas com muita preocupação com as linhas melódicas, seja nos vocais do
impressionante Mark Tornillo, seja
até mesmo nos solos. Dark Side Of My
Heart chega a emular o climão do disco Metal
Heart, de forma fantástica, diga-se. E sabe aqueles corais de sauna gay que
sempre marcaram os refrães do Accept?
Estão aqui presentes, um delicioso anacronismo no meio dessa versão moderna da
banda.
Trail Of Tears acelera o ritmo e
mantém a qualidade impressionante da bolachinha. O cuidado com as melodias também
é mantido nas faixas mais rápidas, como na ótima ponte dessa faixa em mais um
ótimo solo de Wolf Hoffman. Tivesse mantido
essa toada, Blind Rage seria
facilmente o disco de Heavy metal do ano, mas infelizmente o repertório oscila
um pouco a partir desse ponto. A suposta faixa título de outrora, Wanna Be Free, até se esforça em ser
uma power ballad marcante, com baixo pulsante, letra forte e ponte bacana, mas
seu refrão deixa um bocado a desejar. Não é ruim, mas fica um pouco abaixo das
faixas anteriores. E não é implicância por se tratar de uma balada, 200 Years é uma faixa feroz e rápida,
mas sofre do mesmo mal, um pouco longa demais e com um refrão minguado. Mas possui
mais um grande trabalho de guitarras para compensar.
Accept 2014 |
Bloodbath Mastermind tem a ferocidade das músicas de Blood Of the Nations e retoma o alto
nível da primeira metade do disco. O único defeito da associação Andy Sneap/Accept reside no tamanho das
músicas, algumas faixas diretas como essa poderiam render ainda mais se fossem
um minuto (as vezes dois) mais curtas, quase nada nos últimos três discos fica
abaixo dos 5 minutos de duração.
From The Ashes We Rise tem um início
blueseiro encardido logo convertido em mais um petardo mid tempo, que coroa as
ótimas vocalizações de Mark Tornillo.
Uma boa faixa que ganha força após seguidas audições. The Curse é mais uma música promissora e cheia de boas intenções,
mas que sofre da maldição (ok, foi mal, não resisti) do refrão meio mocorongo.
Mas a oscilante segunda metade de Blind
Rage encerra com uma excelente faixa, Final
Journey, com direito a Wolf Hoffman
apostando em um solo com referência de música erudita. Se em Metal Heart o solo evocava Für Elise de Beethoven, dessa vez Wolf
emula Tchaikovskiy em uma peripécia
guitarrística que tem tudo para se tornar obrigatória nos shows da banda (Errata do Trevas: burro! buuurrrooo!!! Conforme ótima intervenção do camarada Igor Maxwell, Wolf emula Grieg em Final Journey, e não Tchaikovskiy!)
Saldo Final
O
terceiro e mais melódico disco desse novo capítulo da história do Accept vem confirmar a boa fase e
deixar os cotovelos de anão do Udo
ainda mais doloridos. Tivesse a bolachinha mantido a toada de sua primeira
metade, estaríamos diante de um novo clássico da banda. Mas mesmo em seus
momentos menos inspirados, Blind Rage
nunca fica chato, não. Mas fico na torcida de que na quarta parceria Andy Sneap/ Accept, as duas partes se concentrem em fazer um disco mais
conciso, já que uma hora de material para uma banda de metal tradicional é
coisa demais para um disco só.
NOTA: 8
Blu-Ray, Live In
Chile 2013
A
edição deluxe analisada aqui não traz nenhuma faixa bônus e sim um show inteiro
gravado em 2013. Existem edições que vem com esse show em DVD, a minha veio com
o mesmo em BD. Geralmente, quando escuto falar que uma banda resolveu lançar um
show como material bônus de um lançamento de estúdio, vou logo torcendo o
nariz: por que diachos uma banda abriria mão de um produto em potencial? Fico
na espera de algo com qualidade próxima de um bootleg, sem apelo que justifique
sua existência comercial. É o caso aqui, certo? Porra nenhuma, o que temos em
mãos é um puta show com duas horas de duração, som excelente e em HD. A
performance da banda é perfeita, com muita pegada e repertório fenomenal que mistura
em suas 21 (?!?!) faixas (fora solos e introdução) os clássicos e novos sons do
Accept. Mark Tornillo canta absurdamente bem e sua imagem, nada
convencional, ajuda a criar uma nova identidade para a banda. Wolf Hoffman divide as vezes de
frontman com Tornillo, indo para o
meio do palco em seus sempre excelentes solos e o resto da banda é extremamente
competente. Esses fatores, somados à empolgação do público chileno, tornam esse
show imperdível. A contar contra, apenas a ausência de opção sonora afora a mixagem
PCM stereo. Para quem ainda aposta em mídia física, a edição deluxe, embalada
num digipack bacana contido num slipcase razoavelmente resistente, é A pedida.
Nota do Show: 10
Prós:
Accept
clássico. Ótimo trabalho de todos da banda, preocupação com as melodias.
Contras:
Um pouco
longo, oscila um pouco em sua segunda metade.
Classifique
como: Heavy Metal
Para Fãs de:
Heavy metal clássico em geral
Ficha Técnica
Banda: Accept
Origem: ALE
Site Oficial:
http://www.acceptworldwide.com/
Disco (ano): Blind
Rage – Deluxe Edition (2014)
Mídia: CD +
BD
Lançamento: Nuclear
Blast (Importado, versão nacional anunciada)
Faixas
(duração): CD - 11 (58’).
BD 23 – 5 (121’)
Produção: Andy
Sneap
Arte de Capa:
Dan Goldsworthy
Formação:
Mark Tornillo
– voz;
Wolf Hoffman
– Guitarra;
Herman Frank
– Guitarra;
Peter Baltes
– baixo;
Stefan
Schwarzmann – bateria.