Escoteiros do Capeta
Difícil falar sobre os subestilos mais extremos
do Heavy metal sem citar o Slayer. Uma das bandas mais veneradas da história do
rock pesado, o Slayer comeu sorridente uma tigela de sucrilhos de aço com
sangue enquanto o baluarte do Thrash Metal (diga-se Metallica) fugia do rótulo
na década de 1990 em prol de aceitação comercial. Isso sem nunca perder o
status mainstream conquistado sem um pingo de concessão sonora. O Slayer pode
ter mudado com os anos, mas nunca ficou realmente mais acessível, ao menos não
na concepção habitual da palavra.
Slayer em 1985 - puros? Duvido! |
Sempre envolta em polêmicas,
chega a ser curioso que a banda mais maléfica do mundo na verdade seja composta
por um bando de caras tranqüilos, e talvez nesse ponto resida a força (e também
a fraqueza, para alguns) dessa biografia, escrita por Joel McIver em 2007 com
versão brasileira editada ano passado.
McIver, redator de revistas como
Classic Rock magazine e Metal Hammer Uk, além de autor de dezenas de grandes
biografias (E.g.: Glenn Hughes, Black Sabbath, Sex pistols), destacando o Best seller
And Justice For All – The Truth About Metallica, tem ao seu lado uma
considerável dose de confiabilidade, além de acesso fácil a dezenas de
entrevistas com todos os membros do Slayer, realizadas em épocas e situações
diferentes (muitas delas conduzidas por ele mesmo).
McIver tietando Bruce Dickinson |
O livro
é didaticamente dividido em capítulos que refletem períodos de tempo (ex.:
1984-85) ou mais especificamente abordam as condições de gravação de uma das
obras (ex.: South Of Heaven). O perfil psicológico de cada membro é traçado
parcialmente pelas impressões do autor, parcialmente pelas nossas próprias
impressões, possibilitadas pela extensa gama de entrevistas com os caras. E para
quem só conhece a banda por suas fotos e postura no palco, irá se surpreender:
afora as polêmicas causadas pela língua afiada de Kerry King, a vida do Slayer
fora dos palcos tem muito mais de videogames e hobbies exóticos do que
propriamente do clichê sexo e drogas. Na verdade, o família Tom Araya e o
errático Dave Lombardo foram os únicos que chegaram perto das substâncias
ilícitas durante a carreira da banda.
Slayer antes da atual velha briga com Lombardo |
Aliás,
carreira essa que é totalmente centrada na dupla Tom e Kerry. Jeff, importante
criativamente, é um quase eremita. Quando não está na estrada, vive colado com
sua esposa (companheira desde o início da banda) assistindo filmes e jogando
videogame, sem nunca se envolver com a parte burocrática do Slayer.
Jeff, o eremita |
Tom
é o boa praça sempre disposto a conversar sobre qualquer assunto, inclusive
política e religião. Absolutamente pacífico e até mesmo religioso, suas letras
baseadas em serial killers refletem tão somente o gosto de Tom e sua esposa por
filmes de terror.
Tom não consegue se livrar do vício - comer metal! |
Kerry
King é o Slayer. Envolvido
789% em tudo o que se refere à banda, KK respira metal e peida aço. Sua língua ferina
reflete sua personalidade assumidamente infantiloide. O cara é fissurado em
videogames e gasta boa parte do seu tempo montando excentricidades em sua
mansão fortaleza (uma piscina que parece de sangue com fontes que são crânios,
por exemplo), onde vive como um eterno adolescente com sua namorada. Por outro
lado, é figura fácil em shows de outras bandas, inclusive pequenas bandas, que
assiste animadamente em pubs por aí. Apesar de nunca fugir de polêmicas, é tido
como um cara bonzinho, cuja atitude de bad boy só assusta aos que não o
conhecem a fundo.
Kerry e sua sutil mensagem ao Feliciano |
Dave
Lombardo, ao contrário, é o péla saco da banda. Segundo várias pessoas que
tiveram contato com os caras ao longo da carreira, a lembrança é sempre de um
cara afastado de todos, com a vida controlada por uma esposa mandona e geralmente
preocupado com “quanto vou levar nessa?”. Curiosamente, pouco tempo depois de
ler a biografia, surgiu a notícia do terceiro desligamento de Dave da banda. Nada surpreendente. Talvez os defensores de
Dave tenham outra visão da situação ao ler esse livro. A impressão que fica é a
de um grande baterista, mas também um grande bundão.
Dave "mimimi" Lombardo |
Mas aos que tem uma visão
idealista do Slayer, talvez se surpreendam com a estratégia corporativista que
norteia os negócios que envolvem a banda. Que o diga Kevin Shirley, que até
hoje briga na justiça com os caras por conta de um episódio narrado com
imparcialidade no livro.
A versão brasileira, cortesia de
Edições Ideal, é em geral correta, sofrendo de alguns pequenos problemas de
tradução e digitação, mas que não chegam a comprometer a leitura.
Saldo Final
Um livro agradável e completo, se
você é aficionado pela história do heavy metal, ficará satisfeito com a
abordagem de Joel McIver.
Aos que buscam biografias de
bandas para refestelar em histórias sobre depravação sexual e drogas, esses
devem passar longe. Sim, pois ao final da leitura, chegamos à conclusão que os malvadões
do Slayer são na verdade um bando de Escoteiros, a serviço do Capiroto, claro.
NOTA: 8
Ficha Técnica
Título: O Reino Sangrento do
Slayer.
Título original: The Bloody Reign Of Slayer
Autor: Joel McIver
Ano: 2012 (edição original em
inglês – 2007)
Tradução: Marina Lima
Páginas: 272