terça-feira, 6 de novembro de 2012

Gojira - L’Enfant Sauvage (CD - 2012)




O Poder Biomecânico da Encarnação Francesa do Lendário Monstro Japonês

Nasce Um Ativista

Joseph vivia uma infância feliz em Ondres, um vilarejo privilegiado no sudoeste da França. Lá Joseph e seus amigos podiam brincar em um ambiente que misturava paisagens serranas com o mar. Um belo dia o pequeno infante, como sempre fazia, descia correndo com os amigos um dos morrotes que davam acesso a praia. Chegando a areia, se depararam com uma cena que marcaria a vida do garoto para sempre: milhares de peixes dentre outros animais da fauna local jaziam mortos na praia. Chegando a casa, o menino indagou aos pais o que causara tamanha destruição, ao que foi então informado tratar-se de um grande navio carregado de produtos químicos que soçobrara próximo a costa. Naquele dia então Joseph foi tomado por uma repentina raiva e pelo entendimento de que era necessário que alguém gritasse em prol do meio ambiente.


Joseph Duplantier em ação


Godzilla ou Gojira?

Bom, talvez Joseph “Joe” Duplantier tenha levado um pouco a sério demais o “gritar” pelo meio ambiente: em 1996 tornava-se guitarrista e vocalista de uma banda de metal ao lado de seu irmão, Mario Duplantier. O nome da banda? Godzilla, a personificação reptiliana dos poderes da mãe natureza contra os seres humanos que vilipendiam o meio ambiente. Com esse nome gravaram algumas demos, até que, por conta da existência de outra banda utilizando a marca, se estabeleceram com o nome original em japonês para a criatura: Gojira.


Com o novo nome veio também o primeiro disco, Terra Incognita, de 2001, trazendo em sua sonoridade uma mistura de Death Metal com elementos de diversos subestilos do rock e metal, tudo numa roupagem moderna e diferente. Apesar da boa receptividade deste e do seu sucessor, The Link, a banda realmente ganharia o mundo com From Mars To Sirius (ver capa e vídeo para To Sirius), de 2005.


From Mars To Sirius - a baleia, para deleite do Sea Shepherd




Dois dos novos fãs angariados foram os irmãos Cavalera. Sabedores da influência que o Sepultura exerceu na formação sonora do Gojira, os irmãos fizeram então um convite ao baixista da banda, Jean-Michel Labadie, para integrar seu novo projeto, que então levava o nome Inflikted. Jean não pode se juntar ao projeto, e então o convite foi estendido a Joe Duplantier, que assumiu o baixo nas gravações do primeiro disco do já renomeado Cavalera Conspiracy.

Cavalera Conspiracy com Joe ao fundo.
O disco seguinte, The Way Of All Flesh (2008), obteve uma resposta ainda mais positivamente inflamada por parte da crítica, o que trouxe ainda mais atenção à banda e proporcionou uma longa turnê. O sucesso dessa turnê obrigou Joe a abandonar o Cavalera Conspiracy. Dos registros desta turnê nasceu o petardo The Flesh Live (ver vídeo).



Gojira e Sea Shepherd

Em meio à turnê para The Way Of All Flesh, a banda resolve gravar um EP por um motivo pouco usual:
Joe Duplantier faz parte da Sea Shepherd Conservation Society (ver link abaixo), a controversa ONG capitaneada por um dissidente do Greenpeace (de que foi co-fundador), o Capitão Paul Watson (ver foto), e conhecida pelos métodos pouco ortodoxos e algo agressivos utilizados no combate aos navios pesqueiros e baleeiros. A admiração da equipe da ONG para com o Gojira e seu engajamento à causa é tamanha que o Capitão Watson resolveu homenagear a banda batizando seu barco mais veloz com seu nome. Em retribuição, o Gojira resolve gravar o The Sea Shepherd EP, com a participação de vários nomes da cena metálica mundial, todos simpáticos à causa. Os nomes confirmados: Randy Blythe (Lamb Of God), Anders Fridén (In Flames), Fredrik Thordendal (Meshuggah), Max Cavalera e Devin Townsend. Os fundos levantados com a venda do EP seriam todos convertidos à ONG.


O tresloucado Capitão Watson
Quis o acaso que as duas empreitadas fracassassem. Como os Japoneses são os principais alvos da Sea Shepherd e Gojira é uma marca japonesa, o Governo Japonês contatou legalmente a ONG para que mudasse o nome do barco, que foi então rebatizado Brigit Bardot. Já o EP, esse permanece ainda sem ser acabado, fruto de um acidente quase irreparável com o HD que contém as gravações.

Com o projeto do EP adiado por tempo indeterminado, a banda resolveu seguir em frente com o sucessor de The Way Of All Flesh. E cá estamos então com L’Enfat Sauvage, lançado em maio do presente ano.


Da Morte ao Renascimento

A temática de The Way Of All Flesh fora centrada na morte, seja ela literal, seja a morte metafórica (fim de um ciclo). Ao terminar aquele disco, Joe Duplantier já tinha em mente que a próxima empreitada da banda trataria do nascimento, seja ele literal ou metafórico. E essa idéia permeia a arte de capa (pelo próprio Joe) e as boas letras desse L’Enfant Sauvage.

Gojira 2012
O Disco

Explosia (ver vídeo) faz justiça a seu nome com uma massa sonora intrincada e tão pesada quanto diferente. Joe berra a plenos pulmões e de início já descobri o óbvio, a banda não soa como nada que eu conheça. Poderia citar Meshuggah, Mastodon, Enslaved, Isahn ou Opeth, mas o único ponto comum entre essas bandas reside no fato de todas apostarem em soluções criativas para suas músicas. Explosia por exemplo termina em algo que poderia muito bem ser uma versão moderna de alguma música pensada por Ennio Morricone para algum faroeste obscuro.


A faixa título (ver vídeo) é igualmente única e pesada. Os riffs pouco usuais tem uma explicação simples: Mario Duplantier, que divide os créditos de composição com o irmão Joe, é quem traz boa parte das idéias musicais. Por ser um baterista sem nenhum conhecimento prático de guitarra, os riffs criados devem muito mais a parte rítmica que o normal. Mas o mais curioso é que o estranhamento não torna a audição das músicas algo hermético. Há nelas um senso melódico acima do normal para bandas extremas e não me surpreendo com o fato da banda angariar fãs fora do circuito metálico.


The Axe, por exemplo, a despeito de sua introdução tipicamente Death metal, traz idéias que grudam na cabeça. Aliás, é preciso deixar bem claro que a musicalidade absurda aqui encontrada em nenhum momento descamba para o exibicionismo gratuito que geralmente acomete as bandas de prog metal. Joe e Christian Andreu são exímios guitarristas, mas a força da dupla reside mais em despejar riffs estranhos e memoráveis aos borbotões do que em fritar solos. Jean-Michel Labadie, quando se destaca é pela timbragem diferenciada de seu baixo. E Mario Duplantier, esse é uma máquina de tocar bateria digna de nota. O temor de que a banda abrandaria seu som por ter assinado com a Roadrunner a essa altura já sumiu por completo.

A excelente e grudenta Liquid Fire (ver vídeo) é mais uma amostra do entrosamento ímpar do quarteto, seguida pela curta e hipnótica instrumental The Wild Healer. Planned Obsolescence e Mouth Of Kala (ambas com toques do contemporâneo Mastodon) transitam em um terreno ligeiramente (eu disse ligeiramente) mais comum dentro do metal extremo moderno, porém não menos impressionante.


The Gift Of Guilt (ver vídeo) levanta a bola e é uma das faixas mais marcantes e prontamente acessíveis do disco, trazendo um clima pesadíssimo e hipnótico de desolação que por vezes remete ao Killing Joke. Cabe destacar, além da musicalidade impressionante, a produção perfeita ao encargo de Joe Duplantier e Josh Wilbur (Lamb Of God).


A afinação pouco usual escolhida pelo Gojira para o disco fica ainda mais evidente na introdução da matadora Pain Is A Master, que passa de um limpo dedilhado para uma pancadaria avassaladora com destaque absoluto para Mario. A introdução inventiva de Born In Winter nos apresenta ao momento de maior calmaria no disco, com Joe tentando a sorte em vocais declamados em algumas partes. A mecânica e sombria The Fall encerra o disco com um clima épico e uma mensagem clara, All Dies Again. E o ciclo chega novamente ao fim, para então poder haver um novo recomeço...

Gojira andando sobre a água nas páginas da Metal Hammer
Saldo Final

Musicalidade sobre-humana, peso absurdo, produção cuidadosa, ótimas letras e nenhum ponto negativo a ser destacado.

Há algo mais a ser dito sobre L’Enfant Sauvage?

Sim, há. Talvez um ponto que somente tenha me chamado a atenção ao elaborar essa resenha: a fluidez do disco. Tal qual o monumental Leviathan, clássico absoluto do Mastodon, a audição de L’Enfant Sauvage imprime um ritmo único e cada música faz sentido dentro do todo do conceito, ainda que não de forma tão óbvia. Não, não existem temas que se repetem de tempos em tempos para nos lembrar dessa unidade, as músicas apenas fazem sentido na ordem em que aparecem, e assim criam um todo muito agradável aos ouvidos. E o resultado é obtido de uma maneira sutil, já que as mesmas músicas podem ser apreciadas individualmente sem nenhum problema. Essa coesão é extremamente rara, em especial após o advento dos CDs e da disponibilidade de espaço proporcionada por essa mídia.

Em suma, um disco único que pode causar algum estranhamento a princípio, mas que é capaz de proporcionar uma viagem e tanto para aquele que se dispuser a desbravá-lo. Se vai se tornar um clássico, só o tempo dirá. Eu aposto que sim.


NOTA – 9,5


Ficha Técnica

Banda (Nacionalidade): Gojira (FRA)

Título (ano de lançamento): L’Enfant Sauvage (2012)

Mídia: CD

Gravadora: Roadrunner (Importado)

Faixas: 11
Duração: CD – 52’

Rotule como: Prog Metal, Death Metal, Progressive Death Metal, Metal Moderno

Indicado para: quem aprecia por vezes algo exótico em seu prato

Passe longe se: seu ideal de prog metal for Dream Theater e punhetagem gratuita

3 comentários:

  1. Só a título de curiosidade:
    Quando me deparei pela primeira vez com um anúncio sobre esse disco, rapidamente li Elephant Savage como sendo o título e pensei - "que merda de nome idiota para um disco"
    Isso só comprova minha teoria que um chimpanzé treinado daria um melhor Trevas que o original.
    Abços
    T

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    Respostas
    1. Give a monkey a brain, and he'll become a better human than anyone of us...

      E não vou comentar sobre a banda. Nada conheço dela.

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    2. krill
      Faça como eu então, invente um monte de besteira sobre a banda e finja que é verdade, hehehe
      Abraço
      T

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