quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Black Label Society – Vivo Rio/RJ (24.11.12)



Pelas Barbas do Profeta!
Texto: Trevas
Fotos do Show por David de Oliveira

Prólogo – Zakk, ontem e hoje

Numa chuvosa tarde de sábado me encaminhei ao Vivo Rio para corrigir uma de minhas mais evidentes falhas curriculares, assistir a um dos maiores guitarristas de Hard/ Heavy em todos os tempos ao vivo.  

Jeffery Phillip Wiedlandt, gerado em 1967, de fato nasceu para o mundo em 1987, quando já com o nome artístico Zakk Wylde, substituiu Jake E. Lee na banda do Madman Ozzy Osbourne. O então magro e alto rapaz loiro cravou ali o início de uma duradoura parceria com o comedor de morcegos, tendo sido responsável pelo seu maior sucesso comercial, o disco No More Tears.


Zakk antes de comer espinafre e jogas as giletes fora, em 88

Compositor prolífico, Zakk ocupou seu tempo livre entre os espaçados discos com Ozzy e respectivas turnês inicialmente com o Pride And Glory, projeto de Southern Metal que daria origem ao mais pesado e sujo Black Label Society. Entretanto, com o crescimento desse projeto e aumento exponencial da fama do guitarrista, sucesso esse ancorado em uma mistura de talento, carisma e imagem forte, muitos começaram a perceber o óbvio: havia muito pouco de Ozzy nas músicas de Ozzy (sempre foi assim, ora bolas). Some-se a isso o fato de muitos moleques que pouco ou nada sabem (ou não se interessam em saber) da importância histórica de Ozzy para o metal irem aos shows mais para ver Zakk em ação e tivemos então a escolha óbvia – Zakk é convidado a se retirar da banda.

Muitas barbas e músculos depois
Quanto à minha falha curricular, já havia assistido ao Ozzy por duas vezes. Mas na primeira, em 1995, Joe Holmes (que tocara com Dave Lee Roth) assumira as cordas no lugar do já prodigioso e ainda nada anabolizado pupilo e na vez mais recente (esse ano) Gus G, outro prodígio, se adonara do mesmo posto. Dessa vez, tão logo soube da apresentação no Rio de Janeiro, me apressei em garantir meu ingresso.

Darwin projetando a evolução de Zakk?
Tamuya Thrash Tribe

Como de costume, o ingresso e material de divulgação do evento não traziam maiores informações sobre os horários das atrações da noite, o que fez com que eu perdesse parte do set da promissora banda de Thrash/Death Tamuya Thrash Tribe. Esbanjando profissionalismo e apresentando um punhado de boas músicas, a banda foi muito bem recebida pelo público, que até então não enchia metade da casa. E a julgar a qualidade e potência do som dos caras, aparentemente foi permitido à banda a utilização quase completa do som da casa (eu acho, não estou certo). Cabe ressaltar que havia um estande vendendo material da banda no saguão do Vivo Rio e ao final da noite não foi incomum esbarrar com pessoas já ornadas com camisas do TTT. Tomara que a banda vingue, qualidade para isso os caras tem.

TTT - Futuro promissor
Berserkers Movidos à Cerveja Sem álcool

O que vimos em seguida foi uma rápida ação militar dos roadies do BLS para restabelecer a organização do palco para a atração principal. Próximo de 22:30h o som mecânico da casa é tomado por uma portentosa introdução (2001 – Uma Odisséia no Espaço), seguida de sons de sirene. Os integrantes da banda tomam seus postos e então seu hirsuto líder inicia os trabalhos com o ótimo riff de Godspeed Hellbound, seguida de Destruction Overdrive (ver essas duas no vídeo abaixo) e Bored To Tears. Há algo de errado. O som está absurdamente embolado, a voz de Zakk totalmente sem definição, sendo quase impossível distinguir as frases. E pior, a guitarra do grandalhão aparece com volume lá em baixo, sendo encoberta em diversos momentos pelo ótimo e fiel escudeiro Nick Catanese.


E apesar de toda a pancadaria sonora, havia algo a mais no ar (ou a menos), um Zakk inicialmente menos comunicativo que o normal parecia refletir o estado de espírito da equipe da banda, que segundo relatos não confirmados, estaria com os nervos à flor da pele por conta dos problemas que levaram ao cancelamento do show de Fortaleza e adiamento de outra data em Porto Alegre.

Menos mau que o bom John DeServio (baixo) e o sempre eficaz Nick tenham simpatia e carisma suficientes para driblar a postura algo apática do patrão, interagindo com o público com gestos, olhares e sorrisos, enquanto Zakk repetia o rito termina a música, vira as costas e começa a próxima.

BLS detonando
Muita gente reclamou do set escolhido para a turnê atual, mas achei a seleção válida, exceção feita à próxima da noite, Berserkers, que considero uma das mais fracas da banda. Zakk começou a se soltar um pouco somente no hit Bleed For Me, incitando à platéia a soltar o gogó com socos desferidos no ar. A partir desse gesto o show começou a engrenar de vez. The Rose Petalled Garden poderia ser considerada uma grata surpresa, se hoje em dia não fosse tão fácil apagar surpresas consultando a internet antes de um show. Zakk senta frente a um teclado para executar uma pequena peça que logo se torna a bela In This River, em uma rendição não muito feliz devido à combalida voz do gigante. Mas há de ressaltar o espaço dado a Nick, que assume as guitarras por completo durante esse número, e a homenagem à Dimebag Darrel, através de duas imagens do falecido guitarrista do Pantera estendidas sobre as paredes de amps.

Enquanto Madonna e Lady gaga trocam de figurinos durante o show...
...Zakk troca de guitarras, cada uma mais animal que a outra...
Forever Down faz a banda retomar o peso, seguida de um acapachante momento solo de Zakk, onde ele mostra com imensa facilidade que pode colocar quase todos os guitarristas que um dia ousaram tocar heavy metal no bolso de uma de suas jaquetas de motociclista. Não bastasse parecer o rebento da improvável união carnal de um Viking com um urso Grizzly, Zakk tem uma sonoridade e pegada únicos, unindo uma brutalidade impressionante com uma técnica para lá de surreal. Sei que muita gente torce o nariz para a música do BLS, mas é inegável o talento de seu mentor.

E por falar em imagem, não dá para deixar de notar a qualidade da iluminação do show e do cuidado com o visual, com o casamento do backdrop interessante, a parede de amps e até mesmo o indefectível pedestal de microfone utilizado pelo líder da banda. Até mesmo o gesto de Zakk brindando aos céus e bebendo sua cerveja está lá, ainda que saibamos que ele não pode mais beber e que a cerveja cenográfica em questão não passa de uma hedionda Schin sem álcool (reza a lenda que o camarim estava forrado desse treco). Quisera que o esmero com o som tivesse sido semelhante, pois apesar de uma considerável melhora, a guitarra de Zakk chegou até o final da apresentação em volume abaixo do ideal.

Mais uma do harém do homem urso
Compensando o ritmo algo titubeante da primeira metade da apresentação, a partir da boa Parade Of The Dead o que vimos foi um arregaço sonoro atrás do outro: Overlord, Blessed Hellride, Suicide Messiah e as já clássicas Concret jungle (única coisa que presta no pavoroso Shot To Hell) e Stillborn, tocadas sem parar e com Zakk novamente empolgado, quase fizeram o público esquecer a ausência de Fire It Up e do já costumeiro não retorno da banda para a apresentação de um bis.

Saldo Final

Zakk Wylde é uma lenda, está cercado de bons músicos e possui em seu catálogo um punhado de grandes hinos metálicos (isso ainda abrindo mão de material valioso gravado com Ozzy, Pride And Glory e carreira solo). Uma pena que o show demorou um pouco a engrenar e que o som nunca ficou realmente bom durante todo o set.

De qualquer maneira, é um espetáculo bastante indicado aos amantes de grandes riffs e solos e assistir a um dos grandes guitarristas em todos os tempos deveria ser matéria obrigatória em qualquer escola do rock que se preze.




SETLIST:

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Gary Moore- Blues For Jimi (Blu-Ray - 2012)



Cara de Morcego Fazendo Justiça

E no Relançamento do Live At Monterey...



Foi com imensa surpresa e curiosidade que recebi a notícia do lançamento de um show do finado e monstruoso guitarrista irlandês Gary Moore com um set voltado única e exclusivamente ao repertório de outro finado monstro da guitarra, para muitos o maior de todos – Jimi Hendrix.


Gary Moore sabia tratar muito bem suas guitarras

O tal show aconteceu em 2007, na cerimônia de lançamento da reedição em vídeo do show Live At Monterey, um clássico da videografia Hendrixiana, que então completava quarenta anos de seu lançamento original.

Uma Celebração Ao Legado de Hendrix

Surpresos também ficaram os presentes na cerimônia, que nada sabiam do show, até que um dos espectadores do festival de Monterey (e o último jornalista a entrevistar Hendrix), Keith Altham, anunciou Gary Moore como sendo um artista que Jimi aprovaria para a empreitada.

E precisou apenas a seqüência quase ininterrupta de Purple Haze, Manic Depression e Foxey Lady para a platéia coroar com aplausos acalorados essa afirmação de Keith. Poucos guitarristas fizeram tanta justiça ao material de Hendrix quanto Gary-cara-de-morcego-Moore. Sua banda, um azeitado Power trio contando com Darrin Mooney na bateria (Primal Scream, que já acompanhara Gary em Scars e outros álbuns) e Dave Bronze no baixo (Eric Clapton, entre outros) também faz um trabalho brilhante, com uma pegada fortíssima. O ataque continua com The Wind Cries Mary, I Don’t Live Today, My Angel, Angel e Fire, todas instrumentalmente irretocáveis, cabendo apenas ressaltar que vocalmente falando Gary já havia vivido seus melhores dias, sem que isso tenha comprometido nem um pouco a performance. E é interessante notar Gary totalmente à vontade fazendo um show empunhando exclusivamente guitarras Fender, não me lembro de ter visto isso em nenhum outro show dele.



E se estava tudo muito bom, então somos apresentados à cereja do bolo - são anunciadas duas participações especiais: Billy Cox, que tocara na Band Of Gipsys com Hendrix, na voz e baixo; e, mais surpreendente ainda, o estupendo Mitch Mitchell, baterista original do The Jimi Hendrix Experience!

Cox mostra que está com a voz em dia na rendição matadora para Red House, e Mitchell segura muito bem a bateria em Stone Free. Com essa formação ainda seria apresentada a versão de Hey Joe imortalizada por Hendrix.


Os velhinhos se despedem, com Mitchell enchendo merecidamente a bola de Gary Moore, e então a banda do irlandês ainda destrói (no bom sentido) Voodoo Child (Slight Return), totalizando pouco mais de uma hora e dez de uma apresentação que deve ter arrepiado os cabelos dos braços dos poucos sortudos presentes.


Saldo Final

Uma excelente apresentação, ainda que algo curta. Mas não posso deixar passar alguns “senões”. Embora o som seja perfeito, o vídeo é apenas correto, com poucas câmeras e iluminação burocrática, sem contar com nenhum artifício na produção do show.

E se esse detalhe não traz grande prejuízo ao resultado final, talvez o mais grave fique por conta da ausência de qualquer extra no pacote, algo imperdoável quando consideramos a capacidade de estocagem que o Blu-ray apresenta.

No mais, uma grande oportunidade para conferir músicas imortais de Hendrix em versões que fazem plena justiça às originais, nas mãos de outro dos grandes mestres que nos deixou antes da hora.



NOTA – 8,5


p.s.: Blues For Jimi também foi lançado em DVD e CD, com mesmo conteúdo.

Ficha Técnica
Banda (Nacionalidade): Gary Moore (IRL)

Título (ano de lançamento): Blues For Jimi (2012)

Mídia: Blu-Ray

Gravadora: Eagle Vision (Importado)

Faixas: 12

Duração: CD – 74’


Rotule como: Blues Rock, Heavy Rock

Indicado para: fãs de Hendrix e Gary Moore

Passe longe se: for maluco

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Kiss- Monster (CD - 2012)




Um Monstrinho Divertido

The Hottest Band In The Wolrd...


O Kiss surgiu na década de 1970 e através de muito suor e de uma estratégia agressiva e visionária de marketing, tornou-se algo muito maior que uma banda de rock - tendo se transformado em uma marca prontamente reconhecível por qualquer ser humano que não tenha vivido debaixo de uma pedra. Embora o tino comercial da banda por vezes tenha ofuscado sua relevância musical, basta passar os ouvidos rapidamente por pérolas como Kiss (1974), Rock And Roll Over (1976), Love Gun (1977) ou Destroyer (1976), para perceber que sempre houve muito talento por detrás da maquiagem e da pirotecnia.

Kiss 1974 - Secos e Molhados My Ass!
O mega sucesso também trouxe problemas e no início dos anos 1980 a banda polarizou suas forças em Paul Stanley e Gene Simmons. Seguiu-se uma crescente queda de popularidade, conforme os interesses de Gene iam migrando para Holywood e relacionamentos com celebridades. A banda perdeu a maquiagem e foi sendo remodelada conforme os tempos mudavam, tornando-se praticamente um projeto de Paul Stanley, que se valia da ajuda de compositores profissionais e músicos de estúdio para seguir em frente. A fase oitentista até tem seu charme, mas acabou por jogar o Kiss na vala comum do hard farofa então em voga, e os negócios seguiram rapidamente para a mesma vala.

1985 - Comprei um quilo de farinha...
Foi quando Gene percebeu que estava prestes a perder sua mina de ouro e então resolveu prestar mais atenção ao Kiss. Com a dupla novamente reunindo forças, foi lançado o forte Revenge (1992). A retomada final do Kiss se deu com um golpe de mestre: a reunião da formação original, com maquiagem e tudo o mais.

Velho$ Amigo$ na Conferência de Reunion Tour
Infelizmente a reunião começou uma rápida transmutação de um pote de ouro para um pesadelo. Peter Criss tem um talento para a bateria inversamente proporcional a seu ego (cisma ser o “culpado” pelo sucesso da banda já que Beth, de sua autoria, é o maior hit comercial do Kiss). E, o pior, o bom Ace Frehley não consegue deixar seus demônios de lado e se encachaça dia e noite, tornando suas performances ao vivo dignas de pena. Não ajuda em nada que o rebento dessa reunião, Psycho Circus (1998) tenha sido desmascarado: como nos anos 1980, o disco fora composto e gravado com a ajuda de músicos externos à banda. Afora Gene e Paul, os outros dois membros só teriam gravado suas vozes e um ou outro trecho.


Temendo perder o controle de novo, Gene e Paul chutam os “problemas” de lado e contratam dois velhos conhecidos do Kiss para substituí-los: Eric Singer (bateria, ex-Badlands, Kiss e Black Sabbath) e Tommy Thayer (guitarra, ex-Black and Blue). Segue-se uma polêmica estúpida relativa ao uso das maquiagens originais para os novos membros e uma seqüência de turnês milionárias que recolocam a banda de volta ao topo do mundo do entretenimento.

E quando menos se esperava, o Kiss resolve voltar ao estúdio com a promessa de lançar seu “melhor disco de todos os tempos”. Sonic Boom (2009), embora longe de ser o lássico apregoado, copia com bons resultados a fase anos 1970 (até a capa faz referência a Rock And Roll Over).


Novas e milionárias turnês seguem seu curso até que novamente a banda anuncia um novo rebento de estúdio, de novo com o chavão de que estaríamos diante do “melhor disco desde Destroyer”. Autopromoção à parte fica a curiosidade, seria esse novo disco -Monster - digno de nota?


De Volta à Idade da Pedra

Com produção certeira de Paul Stanley, a banda compôs esse disco de uma maneira pouco comum às tradições do Kiss: em estúdio, com todos juntos. Ao menos é o que foi anunciado, mas quem conhece a história, sabe bem que o que Gene e Paul falam não se escreve.

Mas isso pouco importa, o bom riff de Hell or Hallelujah (ver vídeo) remete diretamente à época de ouro da banda, com Stanley assumindo os vocais. Começa então Wall Of Sound, outro grande riff, direto do túnel do tempo, com um Gene Simmons soando melhor do que nunca nos vocais.


Um toque de modernidade chega com a excelente Freak, típica faixa de Paul Stanley, que poderia muito bem estar no seu álbum solo Live To Win (2006). E se ao vivo as cordas vocais de Paul andam sabidamente combalidas, em estúdio o gogó ainda funciona muito bem, obrigado. Aliás, as ótimas guitarras e bateria dessa faixa mostram o óbvio, as viúvas podem chorar à vontade, esse Kiss atual é uma máquina bem azeitada.


O baixo distorcido de Gene dá o sinal para Back To The Stone Age, outra pedrada, com refrão para lá de vintage. Um ponto que torna Monster um disco de fácil audição é a duração das músicas, as maiores ultrapassando muito pouco os 4 minutos, como é o caso da boa e grudenta Shout Mercy.


Long Way Down é uma música um pouco abaixo das outras, novamente com Paul aos vocais. A intro setentona de Eat Your Heart Out anuncia o início de uma dobradinha com a voz de Gene à frente, culminando em The Devil Is Me, na linha de God Of Thunder e War Machine no que tange à marca registrada do “diabo” do Kiss. Nem preciso dizer que essa faixa traz o baixo do linguarudo lá na frente na mixagem.

Tommy Thayer tem seu momento Spaceman em Outta This World, mais Ace Frehley impossível. Sua voz é bacana e seu trabalho nas guitarras nessa faixa é marcante como em todo o resto do disco. Eric Singer canta razoavelmente bem em All For The Love Of Rock & Roll, que soa tão gostosa de ouvir quanto datada.

Kiss 2012 - mesma maquiagem e diversão garantida
Take Me Down Below (ver vídeo) é a óbvia e deliciosa referência aos prazeres da carne -  tipicamente Kiss, e traz Gene e Paul se dividindo nas vozes. Muito boa.


A festa termina com Last Chance, com um baixo marcante de Gene puxando a banda para um rockão afiado capitaneado pela voz sempre precisa do Starchild e backing vocals indefectíveis do diabão. Outro destaque que faz a bolachinha dar adeus em grande estilo.


Saldo Final

Faixas curtas, nenhuma balada, ótimos riffs, refrãos grudentos. Em suma, divertido até a medula. Nem adianta reclamar dos exageros de autopromoção que o Kiss sempre lança mão, e nesse caso nem caberia reclamar.

Enquanto os resultados forem tão divertidos e certeiros quanto esse Monster, garanto que todos ficarão felizes. Um disco para figurar na metade de cima de qualquer lista que se preze de melhores discos da carreira dos mascarados.


NOTA – 8,5


Ficha Técnica

Banda (Nacionalidade): Kiss (EUA)

Título (ano de lançamento): Monster (2012)

Mídia: CD

Gravadora: Universal (Nacional)

Faixas: 12

Duração: CD – 43’

Rotule como: Hard Rock

Indicado para: fãs de Kiss em geral

Passe longe se: a viuvinha prefere limpar o vômito do Ace Frehley

sábado, 10 de novembro de 2012

Royal Thunder- CVI (CD - 2012)



Uma Sombria e Viajante Estréia

Oh, Atlanta

Geralmente inicio minhas resenhas com uma tentativa (geralmente desconexa) de contextualizar historicamente o lançamento analisado, fazendo um (às vezes nem tão) breve retrospecto da carreira da banda em questão. Cá estou em maus apuros: nada sei sobre o Royal Thunder.

A única vantagem é que pelo que andei procurando, não há muito a ser resgatado em revistas e sites... Não, isso não quer dizer que não valha a pena continuar a ler essa resenha e descobrir o pouco que tenho sobre eles, já que me parece que estamos diante de uma das mais intrigantes e promissoras bandas a surgir nos últimos anos.

O simpático Josh Weaver
Tudo começou com o guitarrista Josh Weaver (ver foto acima) buscando entre seus amigos da cena de Atlanta, músicos para sua nova banda. Nascido em 2006 e inicialmente instrumental, o Royal Thunder demorou um tempo a encontrar sua voz e cara...e essa veio sob a figura gnomesca de Mlny Parsonz, uma baixista conhecida na cena, mas que só tinha até então experiência como vocalista urrando seus pulmões para fora em bandas de Death Metal e Grindcore.

Mlny Parsonz

Com muita relutância, Mlny foi convencida a assumir o baixo e também a voz de uma banda que soava estranhamente original. Após um bem recebido EP, que rendeu um contrato com a Relapse Records, Josh então acreditou ser o momento certo para um importante passo na carreira do RT: o lançamento de seu debut, intitulado CVI.

Josh e Mlny - um estranho casal

Blues Apocalíptico De Dentro do Fog

Os primeiros acordes do apoteótico doom-blues lisérgico Parsonz Curse (ver vídeo) só não impressiona mais do que a voz de Mlny, forte e carregada de personalidade e feeling, com um charme não treinado que só acomete os grandes talentos. Não consigo acreditar que ela passou quase 10 anos de carreira sem saber que conseguia cantar assim. Parsonz Curse soa exatamente como se o Black Sabbath de seus primeiros álbuns fosse capitaneado por Johnette Napolitano do Concrete Blonde (algo que foi muito bem notado em alguma resenha que li por aí). Se o disco acabasse aí, eu já teria ganho meu dia – uma das músicas mais legais que escutei recentemente. Mas o disco continua...


Whispering World (ver vídeos) inicia com mais um riff que lembra que a banda tem um pé fincado firme na moda recente do stoner/ retro-rock, que inclusive tem grandes representantes vindos de Atlanta, como Black Tusk e Red Fang, por exemplo. Ah e a performance de Mlny novamente rouba a cena, indo do sexy ao agressivo, mostrando que essa moça tem os dois pezinhos fincados no hall das grandes vocalistas da nova onda de mulheres que usam suas vozes em prol de um rock mais cru, como Lzzy Hale (do Halestorm) e Jill Janus (do Huntress). Mais um petardo, dessa vez mais direto, e cabe destacar também as guitarras de Josh Weaver, com timbragem bem vintage.



A psicodelia dá as caras com mais força na épica Shake and Shift, lembrando um pouco o The Gathering de seus primeiros anos com Anneke. Shake And Shift é uma viagem tortuosamente bem construída com referências a Pink floyd de sua fase psicodélica, Black Sabbath e até mesmo às bandas alternativas da década de 1990. Mas cada um de seus mais de 8 minutos soa intensamente gratificante.


No Good é um rockão bem direto e setentista, grudento mesmo. Lembra bastante o Graveyard ou o Witchcraft em seus trabalhos recentes. A viagem é retomada com Blue, que começa com um clima de Pink Floyd de Set The Controls For The Heart Of The Sun...e de repente dá lugar a uma quebradeira que em muito lembra o Sludge de um Mastodon. Uma boa faixa, e que mostra que Mlny tem também uma ótima mão para linhas de baixo, mas que talvez fique um pouco para trás comparada às demais.

Royal Thunder - Formação atual
A valsa psicodélica de Sleeping Witch (ver vídeo) começa de maneira etérea e atinge um ápice Iommico no ótimo refrão.  O clima algo esotérico presente em todo o álbum dá as caras com mais força na excelente e enigmática South Of Somewhere, que alterna calmaria e peso com maestria. As letras, por sinal, são sempre estranhas e com referências de leve ao ocultismo. O mistério joga a favor do som da banda e até mesmo o nome do disco está envolto em brumas: CVI é romano para o número 106, número que, segundo Josh, persegue sua carreira e a da banda de maneiras não explicadas. E se eu não estou tecendo comentários sobre a ótima performance dos outros membros do RT, é porque para a gravação do primeiro disco o núcleo fixo conta somente com Josh e Mlny, os outros músicos apenas fizeram as sessões como contratados.



Mais um épico longo e esfumaçado, Drown tem muitas facetas, todas interessantes. A bonitinha e curta Minus serve de interlúdio e então temos a pesada Black Water Vision para encerrar o trabalho de forma mais direta.

Cartaz do Roadburn 2013
Saldo Final

O Royal Thunder faz de sua estréia uma excelente jornada pelo doom/Stoner e blues carregada de criatividade e altas doses de psicodelia. Os talentos de Josh Weaver como compositor e Mlny como vocalista são admiráveis, ainda mais se considerarmos que se trata de um começo e há ainda caminho a evoluir. Uma banda muito promissora e que merece a atenção que vem recebendo da mídia especializada lá fora.


NOTA – 9


Ficha Técnica

Banda (Nacionalidade): Royal Thunder (EUA)
Título (ano de lançamento): CVI (2012)

Mídia: CD

Gravadora: Relapse (Importado)
Faixas: 10
Duração: CD – 60’

Rotule como: Doom, Stoner, Blues Rock, Rock psicodélico
Indicado para: quem curte coisas estranhas e obscuras que se movem lentamente no fog
Passe longe se: você apreciar mais velocidade em seu rock.



terça-feira, 6 de novembro de 2012

Gojira - L’Enfant Sauvage (CD - 2012)




O Poder Biomecânico da Encarnação Francesa do Lendário Monstro Japonês

Nasce Um Ativista

Joseph vivia uma infância feliz em Ondres, um vilarejo privilegiado no sudoeste da França. Lá Joseph e seus amigos podiam brincar em um ambiente que misturava paisagens serranas com o mar. Um belo dia o pequeno infante, como sempre fazia, descia correndo com os amigos um dos morrotes que davam acesso a praia. Chegando a areia, se depararam com uma cena que marcaria a vida do garoto para sempre: milhares de peixes dentre outros animais da fauna local jaziam mortos na praia. Chegando a casa, o menino indagou aos pais o que causara tamanha destruição, ao que foi então informado tratar-se de um grande navio carregado de produtos químicos que soçobrara próximo a costa. Naquele dia então Joseph foi tomado por uma repentina raiva e pelo entendimento de que era necessário que alguém gritasse em prol do meio ambiente.


Joseph Duplantier em ação


Godzilla ou Gojira?

Bom, talvez Joseph “Joe” Duplantier tenha levado um pouco a sério demais o “gritar” pelo meio ambiente: em 1996 tornava-se guitarrista e vocalista de uma banda de metal ao lado de seu irmão, Mario Duplantier. O nome da banda? Godzilla, a personificação reptiliana dos poderes da mãe natureza contra os seres humanos que vilipendiam o meio ambiente. Com esse nome gravaram algumas demos, até que, por conta da existência de outra banda utilizando a marca, se estabeleceram com o nome original em japonês para a criatura: Gojira.


Com o novo nome veio também o primeiro disco, Terra Incognita, de 2001, trazendo em sua sonoridade uma mistura de Death Metal com elementos de diversos subestilos do rock e metal, tudo numa roupagem moderna e diferente. Apesar da boa receptividade deste e do seu sucessor, The Link, a banda realmente ganharia o mundo com From Mars To Sirius (ver capa e vídeo para To Sirius), de 2005.


From Mars To Sirius - a baleia, para deleite do Sea Shepherd




Dois dos novos fãs angariados foram os irmãos Cavalera. Sabedores da influência que o Sepultura exerceu na formação sonora do Gojira, os irmãos fizeram então um convite ao baixista da banda, Jean-Michel Labadie, para integrar seu novo projeto, que então levava o nome Inflikted. Jean não pode se juntar ao projeto, e então o convite foi estendido a Joe Duplantier, que assumiu o baixo nas gravações do primeiro disco do já renomeado Cavalera Conspiracy.

Cavalera Conspiracy com Joe ao fundo.
O disco seguinte, The Way Of All Flesh (2008), obteve uma resposta ainda mais positivamente inflamada por parte da crítica, o que trouxe ainda mais atenção à banda e proporcionou uma longa turnê. O sucesso dessa turnê obrigou Joe a abandonar o Cavalera Conspiracy. Dos registros desta turnê nasceu o petardo The Flesh Live (ver vídeo).



Gojira e Sea Shepherd

Em meio à turnê para The Way Of All Flesh, a banda resolve gravar um EP por um motivo pouco usual:
Joe Duplantier faz parte da Sea Shepherd Conservation Society (ver link abaixo), a controversa ONG capitaneada por um dissidente do Greenpeace (de que foi co-fundador), o Capitão Paul Watson (ver foto), e conhecida pelos métodos pouco ortodoxos e algo agressivos utilizados no combate aos navios pesqueiros e baleeiros. A admiração da equipe da ONG para com o Gojira e seu engajamento à causa é tamanha que o Capitão Watson resolveu homenagear a banda batizando seu barco mais veloz com seu nome. Em retribuição, o Gojira resolve gravar o The Sea Shepherd EP, com a participação de vários nomes da cena metálica mundial, todos simpáticos à causa. Os nomes confirmados: Randy Blythe (Lamb Of God), Anders Fridén (In Flames), Fredrik Thordendal (Meshuggah), Max Cavalera e Devin Townsend. Os fundos levantados com a venda do EP seriam todos convertidos à ONG.


O tresloucado Capitão Watson
Quis o acaso que as duas empreitadas fracassassem. Como os Japoneses são os principais alvos da Sea Shepherd e Gojira é uma marca japonesa, o Governo Japonês contatou legalmente a ONG para que mudasse o nome do barco, que foi então rebatizado Brigit Bardot. Já o EP, esse permanece ainda sem ser acabado, fruto de um acidente quase irreparável com o HD que contém as gravações.

Com o projeto do EP adiado por tempo indeterminado, a banda resolveu seguir em frente com o sucessor de The Way Of All Flesh. E cá estamos então com L’Enfat Sauvage, lançado em maio do presente ano.


Da Morte ao Renascimento

A temática de The Way Of All Flesh fora centrada na morte, seja ela literal, seja a morte metafórica (fim de um ciclo). Ao terminar aquele disco, Joe Duplantier já tinha em mente que a próxima empreitada da banda trataria do nascimento, seja ele literal ou metafórico. E essa idéia permeia a arte de capa (pelo próprio Joe) e as boas letras desse L’Enfant Sauvage.

Gojira 2012
O Disco

Explosia (ver vídeo) faz justiça a seu nome com uma massa sonora intrincada e tão pesada quanto diferente. Joe berra a plenos pulmões e de início já descobri o óbvio, a banda não soa como nada que eu conheça. Poderia citar Meshuggah, Mastodon, Enslaved, Isahn ou Opeth, mas o único ponto comum entre essas bandas reside no fato de todas apostarem em soluções criativas para suas músicas. Explosia por exemplo termina em algo que poderia muito bem ser uma versão moderna de alguma música pensada por Ennio Morricone para algum faroeste obscuro.


A faixa título (ver vídeo) é igualmente única e pesada. Os riffs pouco usuais tem uma explicação simples: Mario Duplantier, que divide os créditos de composição com o irmão Joe, é quem traz boa parte das idéias musicais. Por ser um baterista sem nenhum conhecimento prático de guitarra, os riffs criados devem muito mais a parte rítmica que o normal. Mas o mais curioso é que o estranhamento não torna a audição das músicas algo hermético. Há nelas um senso melódico acima do normal para bandas extremas e não me surpreendo com o fato da banda angariar fãs fora do circuito metálico.


The Axe, por exemplo, a despeito de sua introdução tipicamente Death metal, traz idéias que grudam na cabeça. Aliás, é preciso deixar bem claro que a musicalidade absurda aqui encontrada em nenhum momento descamba para o exibicionismo gratuito que geralmente acomete as bandas de prog metal. Joe e Christian Andreu são exímios guitarristas, mas a força da dupla reside mais em despejar riffs estranhos e memoráveis aos borbotões do que em fritar solos. Jean-Michel Labadie, quando se destaca é pela timbragem diferenciada de seu baixo. E Mario Duplantier, esse é uma máquina de tocar bateria digna de nota. O temor de que a banda abrandaria seu som por ter assinado com a Roadrunner a essa altura já sumiu por completo.

A excelente e grudenta Liquid Fire (ver vídeo) é mais uma amostra do entrosamento ímpar do quarteto, seguida pela curta e hipnótica instrumental The Wild Healer. Planned Obsolescence e Mouth Of Kala (ambas com toques do contemporâneo Mastodon) transitam em um terreno ligeiramente (eu disse ligeiramente) mais comum dentro do metal extremo moderno, porém não menos impressionante.


The Gift Of Guilt (ver vídeo) levanta a bola e é uma das faixas mais marcantes e prontamente acessíveis do disco, trazendo um clima pesadíssimo e hipnótico de desolação que por vezes remete ao Killing Joke. Cabe destacar, além da musicalidade impressionante, a produção perfeita ao encargo de Joe Duplantier e Josh Wilbur (Lamb Of God).


A afinação pouco usual escolhida pelo Gojira para o disco fica ainda mais evidente na introdução da matadora Pain Is A Master, que passa de um limpo dedilhado para uma pancadaria avassaladora com destaque absoluto para Mario. A introdução inventiva de Born In Winter nos apresenta ao momento de maior calmaria no disco, com Joe tentando a sorte em vocais declamados em algumas partes. A mecânica e sombria The Fall encerra o disco com um clima épico e uma mensagem clara, All Dies Again. E o ciclo chega novamente ao fim, para então poder haver um novo recomeço...

Gojira andando sobre a água nas páginas da Metal Hammer
Saldo Final

Musicalidade sobre-humana, peso absurdo, produção cuidadosa, ótimas letras e nenhum ponto negativo a ser destacado.

Há algo mais a ser dito sobre L’Enfant Sauvage?

Sim, há. Talvez um ponto que somente tenha me chamado a atenção ao elaborar essa resenha: a fluidez do disco. Tal qual o monumental Leviathan, clássico absoluto do Mastodon, a audição de L’Enfant Sauvage imprime um ritmo único e cada música faz sentido dentro do todo do conceito, ainda que não de forma tão óbvia. Não, não existem temas que se repetem de tempos em tempos para nos lembrar dessa unidade, as músicas apenas fazem sentido na ordem em que aparecem, e assim criam um todo muito agradável aos ouvidos. E o resultado é obtido de uma maneira sutil, já que as mesmas músicas podem ser apreciadas individualmente sem nenhum problema. Essa coesão é extremamente rara, em especial após o advento dos CDs e da disponibilidade de espaço proporcionada por essa mídia.

Em suma, um disco único que pode causar algum estranhamento a princípio, mas que é capaz de proporcionar uma viagem e tanto para aquele que se dispuser a desbravá-lo. Se vai se tornar um clássico, só o tempo dirá. Eu aposto que sim.


NOTA – 9,5


Ficha Técnica

Banda (Nacionalidade): Gojira (FRA)

Título (ano de lançamento): L’Enfant Sauvage (2012)

Mídia: CD

Gravadora: Roadrunner (Importado)

Faixas: 11
Duração: CD – 52’

Rotule como: Prog Metal, Death Metal, Progressive Death Metal, Metal Moderno

Indicado para: quem aprecia por vezes algo exótico em seu prato

Passe longe se: seu ideal de prog metal for Dream Theater e punhetagem gratuita