A AGRADÁVEL VOLTA DOS QUE NÃO
FORAM
Prólogo - não haverá mais um
novo disco do The Cult?
Em meados de 2009, me deparei com
uma notícia que de certa forma me trouxe tristeza:
Pouco depois do lançamento do
ótimo Born Into This, Ian Astbury, vocalista dos britânicos do
The Cult, bastante inflamado pelo
que ele acreditou ser uma falta de retorno por parte de crítica e público a sua
recém lançada obra, desabafa em várias entrevistas promocionais (uma matéria
sobre isso segue no link abaixo): “o formato de álbum está morto, na verdade
morreu há muito tempo - não haverá mais
um novo disco do The Cult, ninguém mais
compra discos”.
Mais um dos artistas clássicos do
rock se rendia à falta de perspectiva que a selvageria sem lei do mundo digital
trouxe ao mercado musical.
Não, não tenho nenhuma solução
milagrosa para resolver o problema dos download ilegais e nem pretendo enveredar
por esse assunto espinhoso. Apenas sou um dos talvez poucos fãs do formato de
álbum, que, quando bem utilizado, gera obras que vão muito além de um apanhado
de músicas sem correlação umas com as outras. E eu estava vendo uma de minhas
bandas favoritas se render, com palavras amargas e nenhuma luta.
Naquelas mesmas entrevistas, Mr. Astbury ainda diria que o futuro do The Cult seria o lançamento do que ele
chamou de “cápsulas” – pequenos pacotes multimídia que envolveriam entrevistas,
performances ao vivo e eventuais novas faixas, material esse a ser
comercializado em meio digital. Para mim, apenas um nome pomposo para o
famigerado EP.
Qual não foi minha surpresa então
ao me deparar com notícias sobre o “release date” de um novo álbum da banda ano
passado. A curiosidade elevou-se à enésima potência, os dois últimos discos do
The Cult estão entre meus favoritos da banda, seria triste que justamente agora
que a banda se recusara a entregar os pontos, viesse com material de qualidade
inferior.
Além da expectativa e muito maior
que a mesma ficou a curiosidade em saber que caminho o ressurreto culto
seguiria.
Aqui trago a resposta e compartilho com vocês.
Choice of Weapon, o pacote
Me deparei com Choice of Weapon em uma loja (Roots
Records) no centro de Florianópolis. O disco estava na vitrine, e a bela imagem
de uma figura xamãnica estampando um digibook caprichado. Um adesivo redondo
afixado à embalagem indica o nome da banda. Ao abrir o pacote, para minha
surpresa, além do belo encarte, descobri que na verdade estão encartados, em
dois envelopes separados, dois discos. Um deles, contendo o repertório do disco
em si. O segundo, não indicado em nenhum lugar da embalagem, contendo o
material lançado anteriormente como “Capsule”, a cápsula multimídia de quatro
faixas inéditas lançada via Itunes ano passado. O ato de encartar o material
lançado digitalmente talvez represente um átimo de esperança da banda no arcaico
meio físico de distribuição de música. Sabe lá...
Cabe ressaltar portanto que o material analisado
na resenha inclui os dois discos encartados.Arte de Capsule |
Choice of Weapon – um retorno
a um culto mais simples e cru
O The Cult talvez seja uma das bandas mais camaleônicas da história
do rock. Quase todos os sub-sub-sub estilos trilhados nos anos 1980 e 1990 de
alguma forma permearam a música do grupo. Mas, o que torna a banda tão especial
talvez seja a capacidade dela fazer essas incursões sem nunca perder a sua
essência: por mais diferentes estilisticamente que sejam seus discos, você
identifica que é o The Cult de
imediato.
E se os dois últimos lançamentos
mostraram mais um toque de modernidade ao som do grupo, Choice of Weapon segue o caminho contrário. Um resgate ao passado seria a intenção. Mas a
qual dos passados de sua mutante carreira? Billy
Duffy, guitarrista e líder, vem dizendo que encara o disco como uma
continuação ao Sonic Temple, obra de
1989 que fincava os pés da banda em um hard rock de arena, ainda que existisse
muito mais nas entrelinhas daquela bolacha.
Não consigo contradizer Mr. Duffy, ainda que o disco me soe mais
como uma mistura de Electric com algo
do The Cult (o “disco do bode”). Mas
uma coisa é certa: os britânicos estão com um som muito direto e algo cru –
rock puro e virulento. E isso nunca é ruim.
The Cult nos dias atuais - com o lobo escalpelado à mesa |
Nome tirado de um provérbio
budista, que diz que uma criança pode lamber mel de uma faca em busca da
doçura, mas eventualmente irá se cortar: “Honey
From a Knife” abre o disco com uma produção seca e cru, com riffs cortantes
e cara de anos 1980. Até os backing vocals tem cheiro de laquê e lycra. Mas bem
lá no fundo, há algo que cheira levemente a modernidade. Ian Astbury disse à Classic Rock Magazine que escreveu a letra
depois que “a dor e loucura existencial era tão pungente” que ele quisera se
livrar de tudo, pegou uma faca de cozinha e mutilou o próprio braço. Voltando a si com a dor da ferida, colocou uma
bandagem no braço e saiu caminhando pelas ruas de NY, onde teve pequenas
epifanias que se tornaram a letra da música. Não me surpreende que ele cite “the fucked up children” na letra. Ok,
tenho medo desse cara.
Ian Astbury - um cara estranho e cada vez mais parecido com o Jim Morrison da reta final |
Elemental Light é a banda em sua forma baladeira mais pura –
dedilhado e voz que você reconheceria a dezenas de quilômetros de distância. Em
um crescendo calculado, a música chega a um Refrão bonito e simples. Jogo
ganho.
“O lobo é meu animal de
estimação. Desde criança ele me fascina”. Ian
Astbury homenageia sua animalzinho com a rockeira The Wolf, diretona, com um riff que me parece algo copiado de
alguma trilha sonora de filme da sessão da tarde, mas que não consigo
identificar ao certo. Festiva e bacana, total volta ao tempo.
Um arranjo mais elaborado com
direito a pianos dá vida a algo lúgubre Life>
Death. Muito, muito bonita.
A rápida For The Animals foi descrita por Mr. Duffy como soando como os Ramones
coverizando algo do Hawkwind. Faz
sentido. Cabe ressaltar o clima rock vintage dado pelo piano do convidado Jamie Edwards, que ainda contribui com
algumas cordas que aparecem ao fundo de alguns arranjos.
Outro riff que parece estocado
desde meados da década de 1980 por Billy
Duffy, Amnesia é tão contagiante quanto breve.
O maracujá de gaveta Billy Duffy |
O lado gótico do The Cult aparece em Wilderness Now, mas não espere a fase Love ressurreta. Outra power balada
bonita e digna da carreira dos veteranos.
O disco do bode vem à tona com a
porrada algo mais moderna Lucifer,
enquanto A Pale Horse, uma de minhas
favoritas, tem um clima totalmente setentista. Algo que poderia se referir às
faixas mais poderosas de um Cactus,
explodindo em um ótimo refrão.
A enigmática faixa de
encerramento This Night In The City Forever é a única para qual não consigo
traçar paralelo com nenhuma fase da banda. Não empolga, mas fecha o disco de
forma digna.
Performances individuais e Produção
Apesar de ser um grande disco,
Choice of Weapon não passa incólume a alguns pequenos problemas. A produção é
boa e correta, mas em alguns pontos seca demais. E talvez o que possa
incomodar mais a alguns, é evidente o cansaço da bela voz de Ian Astbury, algo
que já se fazia evidente nos últimos anos em se tratando de performances ao
vivo, mas nem tanto em estúdio.
A produção foi iniciada por Chris
Goss, mas com o avançar dos trabalhos de gravação, a banda contratou o famoso
Bob Rock para finalizar.
Billy Duffy continua a máquina de
riffs de sempre, ainda que às vezes pareça reciclar suas próprias idéias. Seus
solos tem um toque de melodia ímpar e é um caso evidente de guitarrista que
conta muito mais com estilo e feeling do que técnica, o que considero ótimo.
Chris Wyse e John Tempesta são monstros
em seus instrumentos, mas a abordagem mais direta do disco faz com que eles joguem
sempre para o time, ainda que com pegada irrepreensível.
Capsule – quatro faixas que
valem bastante
Já as quatro faixas inclusas em
Capsule, seriam as mesmas do mesmo nível do álbum? Sim e não. Produzidas por
Chris Goss, as faixas trazem arranjo algo mais moderno. Sabiamente, o produtor
consegue esconder o cansaço da voz de Mr. Astbury em algumas camadas de
efeitos.
Das quatro faixas, destaca-se em
absoluto Siberia, uma das mais legais da banda nos últimos tempos.
Em termos de clima, as músicas de
Capsule trazem um The Cult um pouco mais dark do que em Choice of weapon, mas
não chegam a destoar absurdamente do restante do material.
Em suma, compõe muito bem o
pacote.
Mais uma parte da arte de Capsule |
Saldo final
Ao tentar fazer um retorno a sua
fase rock de arena, o The Cult consegue amalgamar suas várias facetas em um
disco que muito provavelmente agradará a todos os fãs da banda, independente de
sua época favorita. Que a banda não mude de ideia de novo e continue a produzir
obras como essa – e lance-as fisicamente.
NOTA: 9
Curiosidade:
- O Xamã estampado na capa é o
próprio Ian Astbury. Ou como ele relatou em entrevista à Classic Rock Magazine –
“Não era exatamente meu EU cotidiano, era alguma coisa se manifestando através
de mim, algo animalesco”. Tá bom, então...
Ficha Técnica
Banda (Nacionalidade): The Cult (Ing)
Título (ano): Choice
of Weapon (2012)
Mídia: CD Duplo
Gravadora: Cooking Vynil records
(importado)
Faixas: 10 (+ 4 em Capsule)
Duração: 42’ (16’ em Capsule)
Rotule como: simplesmente The
Cult
Indicado para: Fãs de The Cult em
qualquer fase, em especial a Hard Rock.
Passe longe se: você for um dos
poucos que abomina a fase hard da banda.
Tenho uma relação algo estranha com o "Cult". Às vezes amo de paixão, de vez em quando coloco no fundo do caixão...
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ExcluirMr Krill
ExcluirMinha relação com a banda não é lá muito diferente. Longos períodos de idolatria por igualmente longos de esquecimento.
Mas atualmente venho resgatando em especial o Love.
Abracetas
Trevas
Muitas curiosidades que ouso você falar e outras nem sabia da existência, está sendo muito proveitoso seu blog amoreco!!! :***
ResponderExcluirOlá, Pequena
ExcluirTenho pesquisado algumas coisas e descoberto novas fontes. Escrever esse blog está sendo bom para resgatar algumas histórias que não lembrava tem tempo.
Te amo
Bjos
T
Sensacional as críticas e comentários, tenho 42 anos e fâ convicto do The Cult, pode vê-los ao vivo em SP acho q em 96, e esse album novo foi o q de melhor aconteceu esse ano de 2012 nessa safra pobre de rock´n roll no Brasil e no mundo, uma pena poucos terem a mesma opiniao. Valew, gde abraço e continue com o blog.
ResponderExcluirJame Jr
Olá, Jaime
ExcluirObrigado pelo comentário, concordo com você sobre esse disco, um baita lançamento do Cult. Também tive a sorte de assistir a banda ao vivo, mas foi mais recentemente, na turnê do Born Into This, que também acho muito bom. Abraço e volte sempre
Trevas