quarta-feira, 27 de junho de 2012

Saint Vitus – Lillie: F-65 (2012)

Lillie: F-65

WINO, DOOM E MUITO FEEDBACK

Saint Vitus em retrospectiva
Surgida em 1978, e atuando até 1980 sob o epíteto Tyrant, a banda americana Saint Vitus tem na origem do então novo nome assumido a essência de seu som.

O emblemático nome foi escolhido em referência (e reverência) a Saint Vitus Dance, faixa do Black Sabbath contida no disco Vol 4. O Black Sabbath seria o ponto de referência musical para os americanos, uma espécie de santo graal metálico. Utilizando a estética minimalista e obscura dos pais do metal e adicionando elementos da então nova onda do heavy metal, o Saint Vitus ajudou a cunhar um de seus mais polêmicos subestilos: o Doom Metal.

Após dois álbuns e um EP, o Saint Vitus abraçaria uma nova formação, considerada por muitos responsável por sua fase clássica. O início dessa era teria como marco a chegada do vocalista Scott “Wino” Weinrich, que até então capitaneava o The Obsessed. Com Wino nos vocais, gravaram Born Too Late, seu álbum mais conhecido, e cujo título expressa claramente o sentimento de Dave Chandler, líder e guitarrista da banda, sobre o papel de seu grupo na história do rock pesado – o sentimento de que banda deveria ter nascido uma década antes.

Saint Vitus nos velhos tempos
Após três bons álbuns, Wino deixou a banda, que gravou um disco (C.O.D., de 1992) com o vocalista Chritus Linderson (do Count Raven) e em 1993 chamou de volta ao microfone o vocalista original, Scott Reagers.

 Com Reagers de volta, a banda gravaria seu último disco, Die Healing, em 1995. Após uma breve turnê, a banda encerrou atividades, tendo encenado em algumas ocasiões durante os anos 2000 algumas reuniões da formação de Born Too Late para a realização de shows esporádicos.
Mas apesar desses shows, muito pouco se sabia sobre os planos de Dave Chandler e Wino em relação à banda.

Após algumas declarações desencontradas na mídia especializada em relação a seu futuro e em meio a uma pequena turnê com o Crowbar, eis então que a banda passa a incluir uma nova música em seu set, chamada Blessed Night.

Você deixaria Wino como babá de seus filhos?


Seria então o sinal de um novo disco do Saint Vitus?
A resposta veio quando a gravadora Season of Mist anunciou para maio de 2012 o lançamento de Lillie F-65, o novo rebento de um dos pais do Doom Metal.

Lillie: F-65, antidepressivos e muito fuzz

O nome do disco, que segundo Wino foi tirado de um antigo antidepressivo muito apreciado por Chandler, é estranho e sorumbático, tal como a capa e, acima de tudo, seu conteúdo.

Saint Vitus em 2012 - somente rostinhos bonitos?

Sem muita cerimônia, uma pequena virada da bateria de Henry Vasquez (substituto do falecido Armando Acosta) abre o disco e logo de cara temos a voz de Wino, roufenha e carregada de maldição como sempre. O riff atolado de fuzz de Dave Chandler dá o tom tanto quanto o resto da banda, e Let Them Fall (ver clipe abaixo) se mostra a faixa ideal para introduzir o Saint Vitus de volta à vida após longos dezessete anos. O solo baseado unicamente em feedback contido nessa faixa até então não incomoda, sendo inclusive saudado como uma saída estilística interessante...mal sabia eu então o que viria até o final do disco...


E se a faixa de abertura é promissora, o jogo parece ganho logo no começo de The Bleeding Ground, com sua letra que supostamente fala sobre experimentos com drogas feitos pelo governo americano. Nessa música temos dois momentos únicos do disco, uma bela acelerada ao final da faixa, quebrando o ritmo monolítico que se estende por todo o resto da bolachinha e um excitante solo de guitarra ao melhor estilo Mr. Iommi.

Vertigo, a primeira instrumental, serve como um lúgubre interlúdio (ao melhor estilo dos velhos discos do Sabbazão) que culmina em outra grande faixa, a já conhecida Blessed Night. Blessed Night tem início com um riff cheio de fuzz de Dave Chandler, seguido pela precisa cozinha formada por Henry Vasquez e Mark Adams e pela voz marcante de Wino e é a mais Black Sabbath das faixas desse disco. Novamente o solo de guitarra é marcado por feedback, fuzz e wah wah...

A introdução de The Waste of Time parece saída de alguma demo do Candlemass, o que não é nada ruim. Sua levada grotescamente opressiva coroa mais uma linha melódica que rescende a crueldade, marca registrada de Wino. Mais uma ótima faixa. Ah, e no solo, tome-lhe feedback, fuzz e wah wah...

Infelizmente, o que parecia que ia terminar em mais um clássico da banda começa a desandar... Dependence tem um clima pesado, arrastado e sombrio, mas nem de longe é marcante como as faixas anteriores. E, além disso, tem boa parte dos seus sete minutos de duração marcado pelo uso de efeitos e feedback. Seria apenas um pequeno problema, se não fosse o fato da faixa seguinte, a sétima do curto disco, apresentar apenas um emaranhado de feedback que se estende por quase três minutos. 

Saldo Final, um rebento prematuro?
Dezessete anos após Die Healing, considerado por muitos fãs e críticos (e pela própria banda) como ponto alto da carreira do Saint Vitus, retornar com um álbum de pouco mais de meia hora, e desperdiçar quase sete desses preciosos minutos com barulhos sem sentido, me parece uma tremenda bola fora.

Se considerarmos a ótima qualidade de quatro das faixas apresentadas, fica a clara impressão que a banda deveria ter esperado um pouco mais, composto um pouco mais, antes de dar as caras ao mundo. Ou deveria ter lançado somente quatro das faixas, no formato de um EP, o que seria mais honesto.

No final das contas, curiosamente Lillie F-65 acaba soando como um rebento prematuro da banda que supostamente nasceu tarde demais...


NOTA: 6,5

Ficha Técnica
Banda (Nacionalidade): Saint Vitus (EUA)

Título (ano de lançamento): Lillie: F-65 (2012)
Mídia: CD

Gravadora: Season of Mist (importado)

Faixas: 7

Duração: 33’ (sem feedback, provavelmente 20')

Rotule como: Doom Metal
Indicado para: Fãs de um doom metal beirando a tosqueira.

Passe longe se: tiver tendências suicidas.






domingo, 24 de junho de 2012

The Cult – Choice of Weapon (2012)



A AGRADÁVEL VOLTA DOS QUE NÃO FORAM

Prólogo - não haverá mais um novo disco do The Cult?
Em meados de 2009, me deparei com uma notícia que de certa forma me trouxe tristeza:



Pouco depois do lançamento do ótimo Born Into This, Ian Astbury, vocalista dos britânicos do The Cult, bastante inflamado pelo que ele acreditou ser uma falta de retorno por parte de crítica e público a sua recém lançada obra, desabafa em várias entrevistas promocionais (uma matéria sobre isso segue no link abaixo): “o formato de álbum está morto, na verdade morreu há muito tempo -  não haverá mais um novo disco do The Cult, ninguém mais compra discos”.





Mais um dos artistas clássicos do rock se rendia à falta de perspectiva que a selvageria sem lei do mundo digital trouxe ao mercado musical.
Não, não tenho nenhuma solução milagrosa para resolver o problema dos download ilegais e nem pretendo enveredar por esse assunto espinhoso. Apenas sou um dos talvez poucos fãs do formato de álbum, que, quando bem utilizado, gera obras que vão muito além de um apanhado de músicas sem correlação umas com as outras. E eu estava vendo uma de minhas bandas favoritas se render, com palavras amargas e nenhuma luta.
Naquelas mesmas entrevistas, Mr. Astbury ainda diria que o futuro do The Cult seria o lançamento do que ele chamou de “cápsulas” – pequenos pacotes multimídia que envolveriam entrevistas, performances ao vivo e eventuais novas faixas, material esse a ser comercializado em meio digital. Para mim, apenas um nome pomposo para o famigerado EP.
Qual não foi minha surpresa então ao me deparar com notícias sobre o “release date” de um novo álbum da banda ano passado. A curiosidade elevou-se à enésima potência, os dois últimos discos do The Cult estão entre meus favoritos da banda, seria triste que justamente agora que a banda se recusara a entregar os pontos, viesse com material de qualidade inferior.
Além da expectativa e muito maior que a mesma ficou a curiosidade em saber que caminho o ressurreto culto seguiria.
Aqui trago a resposta e compartilho com vocês.



Choice of Weapon, o pacote
Me deparei com Choice of Weapon em uma loja (Roots Records) no centro de Florianópolis. O disco estava na vitrine, e a bela imagem de uma figura xamãnica estampando um digibook caprichado. Um adesivo redondo afixado à embalagem indica o nome da banda. Ao abrir o pacote, para minha surpresa, além do belo encarte, descobri que na verdade estão encartados, em dois envelopes separados, dois discos. Um deles, contendo o repertório do disco em si. O segundo, não indicado em nenhum lugar da embalagem, contendo o material lançado anteriormente como “Capsule”, a cápsula multimídia de quatro faixas inéditas lançada via Itunes ano passado. O ato de encartar o material lançado digitalmente talvez represente um átimo de esperança da banda no arcaico meio físico de distribuição de música. Sabe lá...
Cabe ressaltar portanto que o material analisado na resenha inclui os dois discos encartados.


Arte de Capsule


Choice of Weapon – um retorno a um culto mais simples e cru

O The Cult talvez seja uma das bandas mais camaleônicas da história do rock. Quase todos os sub-sub-sub estilos trilhados nos anos 1980 e 1990 de alguma forma permearam a música do grupo. Mas, o que torna a banda tão especial talvez seja a capacidade dela fazer essas incursões sem nunca perder a sua essência: por mais diferentes estilisticamente que sejam seus discos, você identifica que é o The Cult de imediato.
E se os dois últimos lançamentos mostraram mais um toque de modernidade ao som do grupo, Choice of Weapon segue o caminho contrário.  Um resgate ao passado seria a intenção. Mas a qual dos passados de sua mutante carreira? Billy Duffy, guitarrista e líder, vem dizendo que encara o disco como uma continuação ao Sonic Temple, obra de 1989 que fincava os pés da banda em um hard rock de arena, ainda que existisse muito mais nas entrelinhas daquela bolacha.
Não consigo contradizer Mr. Duffy, ainda que o disco me soe mais como uma mistura de Electric com algo do The Cult (o “disco do bode”). Mas uma coisa é certa: os britânicos estão com um som muito direto e algo cru – rock puro e virulento. E isso nunca é ruim.

The Cult nos dias atuais - com o lobo escalpelado à mesa
Nome tirado de um provérbio budista, que diz que uma criança pode lamber mel de uma faca em busca da doçura, mas eventualmente irá se cortar: “Honey From a Knife” abre o disco com uma produção seca e cru, com riffs cortantes e cara de anos 1980. Até os backing vocals tem cheiro de laquê e lycra. Mas bem lá no fundo, há algo que cheira levemente a modernidade. Ian Astbury disse à Classic Rock Magazine que escreveu a letra depois que “a dor e loucura existencial era tão pungente” que ele quisera se livrar de tudo, pegou uma faca de cozinha e mutilou o próprio braço.  Voltando a si com a dor da ferida, colocou uma bandagem no braço e saiu caminhando pelas ruas de NY, onde teve pequenas epifanias que se tornaram a letra da música. Não me surpreende que ele cite “the fucked up children” na letra. Ok, tenho medo desse cara.

Ian Astbury - um cara estranho e cada vez mais parecido com o Jim Morrison da reta final
Elemental Light é a banda em sua forma baladeira mais pura – dedilhado e voz que você reconheceria a dezenas de quilômetros de distância. Em um crescendo calculado, a música chega a um Refrão bonito e simples. Jogo ganho.
“O lobo é meu animal de estimação. Desde criança ele me fascina”. Ian Astbury homenageia sua animalzinho com a rockeira The Wolf, diretona, com um riff que me parece algo copiado de alguma trilha sonora de filme da sessão da tarde, mas que não consigo identificar ao certo. Festiva e bacana, total volta ao tempo.
Um arranjo mais elaborado com direito a pianos dá vida a algo lúgubre Life> Death. Muito, muito bonita.
A rápida For The Animals foi descrita por Mr. Duffy como soando como os Ramones coverizando algo do Hawkwind. Faz sentido. Cabe ressaltar o clima rock vintage dado pelo piano do convidado Jamie Edwards, que ainda contribui com algumas cordas que aparecem ao fundo de alguns arranjos.
Outro riff que parece estocado desde meados da década de 1980 por Billy Duffy, Amnesia é tão contagiante quanto breve.

O maracujá de gaveta Billy Duffy


O lado gótico do The Cult aparece em Wilderness Now, mas não espere a fase Love ressurreta. Outra power balada bonita e digna da carreira dos veteranos.
O disco do bode vem à tona com a porrada algo mais moderna Lucifer, enquanto A Pale Horse, uma de minhas favoritas, tem um clima totalmente setentista. Algo que poderia se referir às faixas mais poderosas de um Cactus, explodindo em um ótimo refrão.
A enigmática faixa de encerramento This Night In The City Forever é a única para qual não consigo traçar paralelo com nenhuma fase da banda. Não empolga, mas fecha o disco de forma digna.


Performances individuais e Produção
Apesar de ser um grande disco, Choice of Weapon não passa incólume a alguns pequenos problemas. A produção é boa e correta, mas em alguns pontos seca demais. E talvez o que possa incomodar mais a alguns, é evidente o cansaço da bela voz de Ian Astbury, algo que já se fazia evidente nos últimos anos em se tratando de performances ao vivo, mas nem tanto em estúdio.
A produção foi iniciada por Chris Goss, mas com o avançar dos trabalhos de gravação, a banda contratou o famoso Bob Rock para finalizar.
Billy Duffy continua a máquina de riffs de sempre, ainda que às vezes pareça reciclar suas próprias idéias. Seus solos tem um toque de melodia ímpar e é um caso evidente de guitarrista que conta muito mais com estilo e feeling do que técnica, o que considero ótimo.
Chris Wyse e John Tempesta são monstros em seus instrumentos, mas a abordagem mais direta do disco faz com que eles joguem sempre para o time, ainda que com pegada irrepreensível.

Capsule – quatro faixas que valem bastante
Já as quatro faixas inclusas em Capsule, seriam as mesmas do mesmo nível do álbum? Sim e não. Produzidas por Chris Goss, as faixas trazem arranjo algo mais moderno. Sabiamente, o produtor consegue esconder o cansaço da voz de Mr. Astbury em algumas camadas de efeitos.
Das quatro faixas, destaca-se em absoluto Siberia, uma das mais legais da banda nos últimos tempos.
Em termos de clima, as músicas de Capsule trazem um The Cult um pouco mais dark do que em Choice of weapon, mas não chegam a destoar absurdamente do restante do material.
Em suma, compõe muito bem o pacote.

Mais uma parte da arte de Capsule
Saldo final
Ao tentar fazer um retorno a sua fase rock de arena, o The Cult consegue amalgamar suas várias facetas em um disco que muito provavelmente agradará a todos os fãs da banda, independente de sua época favorita. Que a banda não mude de ideia de novo e continue a produzir obras como essa – e lance-as fisicamente.

NOTA: 9


Curiosidade:
- O Xamã estampado na capa é o próprio Ian Astbury. Ou como ele relatou em entrevista à Classic Rock Magazine – “Não era exatamente meu EU cotidiano, era alguma coisa se manifestando através de mim, algo animalesco”. Tá bom, então...

Ficha Técnica

Banda (Nacionalidade): The Cult (Ing)
Título (ano): Choice of Weapon (2012)
Mídia: CD Duplo
Gravadora: Cooking Vynil records (importado)
Faixas: 10 (+ 4 em Capsule)
Duração: 42’ (16’ em Capsule)

Rotule como: simplesmente The Cult
Indicado para: Fãs de The Cult em qualquer fase, em especial a Hard Rock.
Passe longe se: você for um dos poucos que abomina a fase hard da banda.





segunda-feira, 18 de junho de 2012

Grand Magus – The Hunt (2012)




DEFINITIVAMENTE FINCANDO AS GARRAS NO METAL TRADICIONAL

Prólogo – mudanças no front sueco
O ano de 2011 trouxe um bocado de mudanças para os suecos do Grand Magus. Mas a saída do baterista Sebastian Sippola e a assinatura de um contrato com a maior gravadora especializada em Heavy Metal do mundo (Nuclear Blast) haveriam de ser apenas dois marcos de uma mudança ainda mais ampla.
A banda Grand Magus surgiu no final da década de 1990, trazendo uma sonoridade bastante voltada para o Doom Metal, na veia de um dos baluartes do gênero, o conterrâneo Candlemass. Mas se o primeiro lançamento chamara a atenção apenas dos mais aficionados pelo gênero, o segundo álbum, Monument (2003), já mostrava ao mundo uma banda com potencial de galgar muitos e muitos degraus de popularidade na comunidade metálica. Curiosamente, a banda só começou a ganhar terreno com os inspirados Iron Will (2008) e Hammer of The North (2010), que gradativamente começaram a mudar a sonoridade da banda de um Doom algo melancólico para algo mais voltado para o metal tradicional, com temáticas inclusive beirando o true metal.
Tais mudanças na sonoridade trouxeram um inesperado boom de popularidade para a banda. Mas também deixaram alguns fãs mais antigos com a pulga atrás da orelha: será que a banda iria abrandar ainda mais sua sonoridade?
Creio que os primeiros minutos de The Hunt respondem em cheio a essa pergunta. E a resposta é SIM. 

Fox, JB e Ludwig em um momento bem "Vergonha alheia"

The Hunt – uma caçada ao metal tradicional
Mas seria um exagero dizer que tal mudança de sonoridade é perniciosa para o grupo.
A faixa de abertura, Starlight Slaughter, já deixa bem evidente o caminho seguido pela banda - um heavy metal tradicional mid tempo, com letra para lá de clichê (nesse caso, sobre lobisomens), vocais corretos, bateria reta, solo bacana e eficaz. Tudo embalado por uma produção bastante competente, com som cristalino e límpido.  A segundona, Sword of The Ocean é igualmente interessante, seguindo a mesma fórmula, um tipo de metal com raízes fortemente fincadas nos anos 1980.
Após duas boas faixas e uma brevíssima introdução de teclado, surge o destaque absoluto do disco, Valhalla Rising, épica como o nome sugere e possuindo um riff bastante interessante e pesado, além de boa interpretação por parte do vocalista e guitarrista JB.

Aliás, JB representa bastante bem o que é o Grand Magus. O líder da banda é um vocalista correto, conhecedor de suas limitações (que não são poucas), mas que possui um bom timbre e aproveita bastante bem seu vibrato (bastante similar ao de seu ídolo Messiah Marcolin, o monge insano e balofo da melhor fase do Candlemass) para criar uma identidade própria, prontamente reconhecível, o que talvez seja a maior conquista para um vocalista. Assim o é a música do Grand Magus, talvez algo datada e tecnicamente tacanha, mas divertida e com bastante identidade.
O ataque metálico continua com um pouco mais de velocidade com Storm King, mas não espere nenhum speed metal. A bateria do novato Ludwig aparece na mixagem com um bocado de destaque e tem seus momentos nessa faixa e na seguinte, Silver Moon, sempre emulando um estilo bem old school, me lembrando em algo o braço de marreta Vinny Appice. Baixista e co-fundador da banda, Fox aparece com um mínimo de destaque na introdução da faixa título, a segunda melhor do disco, e possuidora de um riff e refrão matadores.



Dividida no encarte do cd em duas partes, a faixa Son of the Last Breath, com seus quase sete minutos de duração, foi obviamente forjada para ser o épico do disco. Começando com uma introdução contando com violão e cordas (essas, tocadas pelo baixista Fox) e um registro mais grave da voz de JB em sua suposta primeira parte, a faixa logo descamba para o mesmo padrão de todas as outras – um metalzão mid tempo que faria qualquer fã de Accept e Manowar feliz, mas dessa vez contando com a ajuda dos vocais de Johnny Hedlund (da banda sueca de death metal Unleashed). Mas se Son of The Last Breath falha em ser o épico prometido, os seus últimos dedilhados praticamente emendam com Iron Hand, a faixa mais acelerada da bolachinha e facilmente um de seus destaques.
Draksaad traz tudo de volta ao mundo do metal mid tempo, mas vem com um leve toque de outros tempos, mais exatamente dos anos 1970, mas que dura tão somente até a ponte, oitentista até a medula, culminando em mais um refrão bacana.

Saldo Final da caçada
Não há nada de novo em The Hunt, assim como não há nada que vá desagradar a quem goste de um heavy metal simples e bem executado. Talvez um pouco mais de agressividade tornasse o disco ainda melhor, e isso fica evidente ao analisarmos a edição limitada, que contém um belo patch da banda e três faixas bônus. Essas faixas bônus são versões demo para faixas contidas no repertório do disco, representadas em boa gravação, quase tão boa quanto a original. Mas o diferencial fica por conta de uma abordagem ligeiramente menos perfeccionista, em especial nos vocais, menos tratados e mais soltos. Essa abordagem, caso seguida na produção final do disco, talvez tornasse The Hunt um dos melhores trabalhos da banda. Mas, de qualquer forma, a caçada dos suecos é divertida o suficiente para quem quer apenas curtir o bom e velho metal tradicional e aposto que a popularidade da banda há de aumentar cada vez mais.

NOTA: 7,5

Ficha Técnica
Banda (Nacionalidade): Grand Magus (SUE)

Título (ano de lançamento): The Hunt (2012)

Mídia: CD

Gravadora: Nuclear Blast (importado)

Faixas: 9 (12 na edição limitada)
Duração: 45’ (58’ na edição limitada)


Rotule como: Heavy Metal, Metal Tradicional
Indicado para: Fãs de metal tradicional em geral.
Passe longe se: tiver aversão a vikings ou preferir caçadas mais modernas.




terça-feira, 12 de junho de 2012

Montrose – Montrose (1973)

Montrose (1973)

UMA DAS MELHORES ESTREIAS DO ROCK

Prólogo - março de 2012, falece Ronnie Montrose
O dia, 5 de março do presente ano. Ao abrir o site de notícias Blabbermouth, esbarro com a notícia do falecimento de Ronnie Montrose, guitarrista americano, aos 64 anos de idade.
Ronnie lutava há vários anos contra um câncer de próstata e, a princípio sua morte foi anunciada como tendo sido o fim desta longa batalha.
Algumas matérias publicadas naquela data mostraram a repercussão da morte de Mr. Montrose no mundo do rock. Peter Frampton, Slash, Nikky Sixx, Dee Snider e Sammy Hagar são alguns dos muitos rockstars a declarar sua tristeza pela passagem do guitarrista, e todos citam a importância de sua obra em suas carreiras.


Em contraste, poucas vezes vi ou ouvi falar deste guitarrista, mesmo na mídia especializada. Afinal, quem foi Ronnie Montrose, e qual a importância de sua obra?

Ronnie Montrose (anos 2000)


Ronnie Montrose – o guitarrista
Nascido em 1947, Ronald Douglas Montrose começou a tocar guitarra bem cedo e logo seu talento passou a chamar atenção no underground do Colorado. Suas principais influências eram Page, Clapton e Hendrix. Ronnie saiu de casa aos 16 anos para tentar a vida como músico e aos 23 anos gravou seu primeiro disco, na verdade apenas uma música num trabalho de Herbie Hancock. No mesmo ano foi efetivado como músico de apoio do irlandês Van Morrison, com quem gravou dois discos. Em 1972, chegou a gravar e excursionar pelo Edgar Winter Group. Suas boas performances chamaram a atenção dos executivos da Warner, que apostando em seu talento como compositor e vendo o espírito de liderança que ele exercia sobre os outros músicos da Edgar Winter Group, acreditaram estar de frente para um novo guitar hero. Foi proposto então um contrato para o lançamento de um disco, restando ao jovem guitarrista selecionar sua banda de apoio. Nascia ali a banda Montrose, pelo menos na idéia.

Ronnie Montrose (anos 1970)



Samuel Roy Hagar – nasce o Red Rocker
Filho de um pugilista de algum renome, o jovem Samuel Roy Hagar (também nascido em 1947) parecia trilhar o mesmo caminho do pai. Só que, em paralelo a sua carreira como pugilista, o californiano nutria outro tipo de sonho e se apresentava em boates e espeluncas cantando e tocando seu violão. O nome artístico, Sammy Hagar. Em uma de suas andanças pelo underground local, Sammy fica sabendo que Ronnie Montrose estava à caça de novos nomes para montar uma banda, que já teria inclusive contrato assinado com uma major. Cara de pau desde aqueles tempos, Sammy deu um jeito de encontrar Ronnie e oferecer seus préstimos. Ali o Montrose ganhava um vocalista e a América via nascer um de seus mais queridos rock stars.

Sammy Hagar

Montrose - a banda e o disco.
Com Ronnie Montrose e Sammy Hagar no comando das composições, Bill Church no baixo e o então iniciante Denny Carmassi (que tocaria com Whitesnake, Coverdale/Page, Ted Nugent, Cinderella, Heart, entre outros no futuro) na bateria, a banda partiu para o estúdio, sob supervisão de Ted Templeman. Ted Templeman havia começado sua carreira como produtor em 1970 e até então, seu trabalho mais famoso havia sido a co-produção de Tupelo Honey, álbum de Van Morrison no qual Ronnie Montrose tocou. Mais tarde, Ted Templeman seria responsável pela produção de alguns clássicos do rock, mas voltarei a esse ponto depois.

Montrose - a banda



Montrose, o disco abre com a vigorosa Rock The Nation, mostrando a tônica do grupo – rock direto, bem tocado e ao mesmo tempo acessível. Os vocais de Sammy Hagar já mostravam um estilo bem próprio, embora fosse possível verificar ecos de uma idolatria a Robert Plant aqui e acolá. Denny Carmassi mostrava seu talento, com uma pegada bastante firme, enquanto o baixo de Bill Church não chegava a buscar maiores voos.
A segunda faixa da bolacha, Bad Motor Scooter, é certamente um dos destaques do disco e uma das faixas mais famosas da banda (veja vídeo abaixo), impossível não se empolgar com o refrão marcado pelo efeito de guitarra emulando o som de uma moto. Diga-se de passagem, embora Ronnie Montrose fosse um guitarrista muito bom, raramente seus solos tendiam para o lado do exibicionismo gratuito, e isso pode ser atestado nas poucas e certeiras notas dos solos de todas as músicas desse disco. Bad Motor Scooter é uma das músicas que o supergrupo Chickenfoot, que tem Sammy Hagar nos vocais, toca do Montrose ao final de suas apresentações.



O disco segue com a mezzo-experimental, mezzo-direta Space Station #5, outro rockão empolgante de refrão marcante, regravado em uma versão intragável pelo Iron Maiden à época do Fear of The Dark. Com essa faixa, a banda parece querer pegar carona no estilo do Hawkwind, trazendo um viés mainstream para a doideira espacial dos britânicos.
A curta I Dont Want It é mais um bom exemplo de faixa direta e grudenta, guiada por mais um bom riff de guitarra. E se Space Station #5 sugeria bem de longe uma ponta de experimentalismo, Good Rockin’ Tonight deixava clara a intenção da banda – rock simples, sem nenhum pingo de pretensão intelectualoide, soando quase uma homenagem aos primórdios do rock nos anos 1950. Rock Candy é outro destaque absoluto do disco e é tocada quase todo show da carreira solo de Sammy. One Thing on My Mind é festeira em sua letra e riff, mantendo o ritmo, que cai um pouco na última faixa.
Make It Last pode ser mais lenta, mas é uma das melhores do disco, com uma letra um pouco mais introspectiva e bela interpretação por parte de Sammy.

Saldo Final
 Montrose se encerra com pouco mais de meia hora de duração, deixando o ouvinte com aquela sensação saudável de que poderia escutar mais duas horas de músicas como essas. Infelizmente, esse seria o único disco de toda a carreira da banda que deixaria essa sensação.

NOTA – CLÁSSICO DA CRIPTA!

EPÍLOGO – VAN HALEN E VAN HAGAR
O disco seguinte, Paper Money, ainda com Sammy nos vocais, embora tenha vendido bem, era consideravelmente menos interessante que o debut. E Ronnie Montrose nunca mais acertaria a mão, ficando em segundo plano na história do rock, o que explica o desconhecimento de seu nome por boa parte do público.
Em contrapartida, Sammy Hagar engatou uma sequência de discos solo multiplatinados no final dos anos 1970, se tornando também um dos artistas mais prolíficos em termos de shows pelos EUA.
Já o disco Montrose, esse se tornou aos poucos uma espécie de Cult entre os músicos de Heavy Metal estadunidenses e da então embrionária New Wave of British Heavy Metal. Em solo americano, vale ressaltar que uma então banda iniciante, que contava com um prodígio das guitarras, tocava versões de músicas do primeiro disco do Montrose em seus shows. O nome da banda? Van Halen. Não por acaso, Eddie Van Halen escolheu Ted Templeman para produzir a estreia de sua banda. E, mais tarde, quando Diamond Dave saiu (ou foi saído) da banda, Eddie Van Halen pode então convocar seu então ídolo (e já milionário), Sammy Hagar, para dar vida à segunda versão de sua banda, dando origem à era que a imprensa americana gosta de chamar de Van Hagar. O resto da história, todos conhecem.


CURIOSIDADES
- O Iron Maiden gravou nada menos que três versões de músicas do Montrose: além da já citada aberração com Space Station #5, I’ve Got The Fire (destaque solitário do segundo disco do Montrose, Paper Money) foi gravada duas vezes – uma com Paul Dianno na voz, outra com Bruce Dickinson.
- Ronnie Montrose ainda capitaneou a banda Gamma, nos anos 80 e reativou algumas vezes o Montrose, contando com a participação e diversos músicos da cena Hard/heavy.
- Pouco tempo depois do anúncio da morte de Ronnie Montrose pela grande imprensa, a família do guitarrista se pronunciou, dizendo que na verdade Ronnie havia cometido suicídio. Lutando a vida inteira contra a depressão e o alcoolismo, o guitarrista havia tirado sua vida com um tiro na cabeça em sua casa (ver matéria abaixo).

- A formação original do Montrose se reuniu para alguns shows em 2005 e Sammy Hagar estava projetando uma turnê para 2013 com a banda quando foi avisado da morte de Ronnie.

Ficha Técnica

Banda (Nacionalidade): Montrose (EUA)
Título (ano de lançamento): Montrose (1973)
Mídia: CD
Faixas: 8
Duração: 32’

Rotule como: Classic rock, Heavy Rock, Hard Rock

Indicado para: Fãs de Ted Nugent, Sammy Hagar, Kiss e bandas setentistas com approach mais direto e mainstream.

Passe longe se: seu negócio for vertentes mais progressivas e cerebrais do rock setentista.





sábado, 9 de junho de 2012

Graveyard – Hisingen Blues (2011)

Hisingen Blues (2011)


SERIAM OS SUECOS VIAJANTES DO TEMPO?
Por Trevas

Prólogo - uma peregrinação qualquer pela galeria do rock carioca
Como de costume, toda vez que passo pelo Rio de Janeiro, obrigatoriamente visito as lojas de cds da galeria Vitrine da Tijuca, que proverbialmente chamamos de “galeria do rock carioca”. Geralmente o faço sem um alvo específico, somente para verificar os lançamentos e garimpar uma boa oferta. Estou em uma das lojas, garimpando a seção reservada ao rock dos anos 1960/1970. O vendedor, sempre muito simpático e sabedor de minha preferência pelo rock setentista, me pergunta, acenando para a capa de um disco exposto na parede da loja:
“já ouviu Graveyard?”
O disco está no meio de outros tantos de bandas rotuladas como “stoner”. Não tão simpaticamente, torço o nariz e digo que não conheço. O vendedor, relevando minha tacanha evolução espiritual, coloca o cd para rolar no som mecânico da loja. Finjo não me importar e continuo minha misantrópica ação quase ritualística de revirar os cds em busca de algum santo graal, ou de algo em bom preço, o que viesse primeiro.
Mas não pude ignorar o que se passou em seguida: uma virada de bateria e um riff nervoso de uma guitarra que parecia ter sido timbrada por uma versão lisérgica do espírito de Paul Kossoff. Uma voz ao mesmo tempo roufenha, despreocupada e cheia de feeling berrando como se Rusty Day tivesse levantado de sua tumba. Quase pude sentir calças boca-de-sino materializando-se sobre minha bermuda e um par de suíças se instalando em minha face. Os cds viram vinil e sei lá porque, tenho certeza que um pacote de haxixe apareceu em meu bolso. “Que diabos está acontecendo”, pensei – era apenas o Graveyard, a máquina do tempo sueca fazendo uma nova vítima!
Graveyard - até os caras parecem saídos do túnel do tempo
Background – o retrô rock sueco
Após a invasão do chamado “Gothenburg Sound”, ou como alguns gostam de dizer – a merda da moda do death metal melódico, que tomou a Suécia nos anos 1990 até meados dos anos 2000, o país escandinavo entrou num novo movimento. Dezenas de bandas praticando um som vintage, baseado no psicodelismo, timbres e liberdade musical do início dos anos 1970.
Talvez o pioneiro desse movimento seja o Spiritual Beggars (de Michael Ammot, do Carcass e atualmente Arch Enemy), mas podemos citar também os Hellacopters além da nova safra: Horisont, Truckfighters, Asteroid, Demon Cleaner e em alguns pontos, o próprio Grand Magus.
O Graveyard surgiu de uma derivação de parte da formação do folk/doom do Witchcraft, mais precisamente em 2006. Seu primeiro disco, homônimo, foi lançado em 2007, pela TeePee Records, logo chamando atenção da Nuclear Blast. Não foi só a Nuclear Blast que teve sua atenção voltada ao Graveyard. David Fricke, editor sênior da Rolling Stone, colocou os suecos em sua coluna “Fricke’s Pick”, destinada a revelar pérolas musicais escondidas por aí (ver link abaixo). Fricke também teve a experiência de transporte temporal com a banda, no caso dele, foi carregado direto para os banhos de lama do Glastonbury Festival de 1970 – só que sem a lama!


Capa do Primeiro Disco
Finalmente, Hisingen Blues
Hisingen Blues toma nossos ouvidos de assalto logo em seus primeiros instantes, com a urgência de “Aint Fit To Live Here”, uma de suas melhores faixas. A sonoridade é vintage até a medula. Mas nada soa forçado ou fake. O disco segue com um nível elevadíssimo de qualidade e a banda trabalha muito bem com a dinâmica barulho/calmaria, como uma versão lisérgica e entupida de esteroides do Free. Ecos de Led Zeppelin, Cactus e Black Sabbath podem ser encontrados aqui e ali, mas nada que possa ser considerado meramente cópia.
Embora todas as músicas sejam dignas de nota, a faixa título se destaca, em conjunto com “The Siren”, um blues rock fantasmagórico, a faixa de abertura citada anteriormente e a instrumental “The Longing”, que é provavelmente a melhor composição que Enio Morricone nunca escreveu, digna da trilha sonora de algum Western empoeirado. Algumas versões ainda incluem a faixa bônus “Cooking Brew”, que poderia muito bem estar no repertório oficial do álbum.

                                                               Clipe da Faixa Título

Saldo final
Talvez o grande trunfo do Graveyard seja que, ao contrário da maioria das bandas retrô-rock ou stoner, não soa como alguém emulando desesperadamente os anos 1970. A banda soa EXATAMENTE como se fosse alguma pérola obscura produzida no período e que por algum motivo ainda mais obscuro, tivesse permanecida escondida até que algum colecionador sortudo tivesse redescoberto a bolachinha.
Some a excelência musical da bolachinha com a bela arte de capa, um raro caso de ilustração criativa nos tempos atuais, e temos um lançamento imperdível.
Cabe ressaltar que a bolachinha foi recentemente lançada no mercado nacional, pela Hellion Records.

NOTA - 9

Curiosidade
O estranho nome do disco faz menção apenas ao fato de sua faixa título ter sido composta em uma noite fria num quarto de hotel da ilha sueca de Hisingen. 

Ficha Técnica
Banda: Graveyard

Título (ano de lançamento): Hisingen Blues (2011)

Mídia: CD

Faixas: 9 (10 em algumas versões)


Duração: 39’ (43' em algumas versões)

Rotule como: Classic rock, Heavy Rock, Hard Rock, Stoner

Indicado para: Fãs de Led Zeppelin, Black Sabbath, Cactus, Free e bandas setentistas em geral.
Passe longe se: seu negócio for coisas modernas e/ou modernosas (ou se tiver alergia a pó).


quinta-feira, 7 de junho de 2012

Dia 01 - Joe Bonamassa (Teatro Coliseo, Buenos Aires)


Caros Amigos (as)
Retorno ao mundo dos blogs, para escrever sobre a coisa que mais gosto, o bom e velho rock and roll. Não o faço porque acredito escrever bem - meu estilo literário é semi-aborígene. Não o faço por exibicionismo. Faço por simplesmente adorar escutar, ler e assistir tudo sobre música e sei que, assim como eu, existem outros malucos por aí. Malucos(as) que tem prazer em destrinchar as histórias que permeiam a trilha sonora que escolhemos para nossas vidas. E quantas histórias interessantes se escondem em cada esquina desse vasto mundo do rock!
Vocês encontrarão por aqui resenhas de shows, discos, livros, dvds (blu-rays) e notícias sobre o mundo do rock. Tudo obviamente passando pelo meu filtro, mas sem nenhuma intenção de polemizar pelo simples prazer de polemizar. Sempre que puder, colocarei as referências de onde tiro as informações, para que possam ler as matérias originais, pois não há nada pior do que as lendas urbanas que a internet fomenta. E o rock está cheio de lendas urbanas.
Espero que vocês gostem e visitem sempre ou eventualmente. Eu, certamente, me divertirei muito escrevendo aqui.
Começo com a resenha do show do Joe Bonamassa, que tive o prazer de assistir com minha noiva em nossa viagem para Buenos Aires. Por motivos pessoais, esse show foi bem marcante. Mas irei despir minha resenha disso e fazer ainda uma breve introdução sobre a história do artista, que considero um dos mais interessantes da nova safra.
Abraços
Renato “Trevas”

Joe Bonamassa - Teatro Coliseo (Buenos Aires) - 29.05.12

Prólogo - uma noite qualquer na capital Porteña
O início de noite em Buenos Aires se mostra frio, temperado com ventos daqueles de açoitar as poucas partes do corpo desprotegidas. O Teatro Coliseo fica a menos de sete quadras de nosso hotel, praticamente na esquina da Rua Marcelo T de Alvear com a imensa Avenida 9 de Julio, a monstruosa avenida que corta o centro da cidade Portenha.
Com sua fachada voltada para a Plaza Libertad, arborizada e simpática durante o dia, lúgubre durante a noite, o Teatro Coliseo não tem aparentemente nada que o diferencie de outros 789 teatros de médio e grande porte situados no centro da cidade de Buenos Aires. O neon verde aceso e a pequena concentração de pessoas em sua porta são os sinais de que algo tomaria lugar ali, mas não há pôster ou qualquer indicação de que seria o show do outrora garoto prodígio “Smokin’” Joe Bonamassa.

Quem diabos é Joe Bonamassa?

                                                  Joe Bonamassa e BB King, 1989

Nada mais condizente com a trajetória deste músico. Joe Bonamassa sofre de distúrbio de déficit de atenção e hiperatividade e seu pai, um grande fã de rock e blues dos anos 60 e 70, logo descobriu que a única coisa que conseguia manter a atenção do pequeno Joe por algum instante que fosse era a música. Logo, Joe foi apresentado a guitarra e, supreendentemente, tornou-a sua parceira inseparável. Aos 10 anos, o então “Smokin Joe” (que péssimo nome artístico) atraia pequenas aglomerações a seus shows. Pouco depois, Joe ganhou um admirador de peso: BB King. O velho bluesman o apadrinhou e colocou o moleque, com 12 anos, para abrir sua turnê norte americana. Logo Joe Bonamassa estava abrindo shows para nomes como Buddy Guy, Foreigner, Robert Cray, Greg Allman, Robben Ford e Joe Cocker. Segue um link da participação do pequeno “Smokin Joe” arrebentando aos 15 anos no tributo ao Leo Fender:


Na década de 90, Joe fez parte da banda Bloodline, que juntava os filhos de Miles Davis e de Robby Krieger (The Doors). E nos início dos anos 2000, começou sua carreira solo, que já soma 13 albuns. O estilo? Uma amálgama de vários bluesmen de épocas diferentes, mas não seria exagero dizer que Joe Bonamassa deve muito de seu estilo ao saudoso Gary Moore, embora possam ser notados pontos em comum com Rory Gallagher e até mesmo Eric Clapton.  
Ainda que seja um artista independente, vários de seus álbuns, assim como seus DVDs tem estreado na primeira posição na Billboard, fruto de uma estratégia montada por seu braço direito e empresário, Roy Weisman, digna dos artistas dos anos 70 - autopromoção baseada na confiança nas apresentações ao vivo. Roy Weisman foi criado no showbusiness, pois é filho do empresário e braço direito de Frank Sinatra e acompanhava o pai em todos os passos em sua infância.
Eu não posso me gabar. Conheci o Joe Bonamassa apenas recentemente, através do supergrupo Black Country Communion, do qual fazem parte Jason Bonham, Glenn Hughes e Derek Sherinian. Mas de lá para cá, me tornei fã absoluto.
 Para quem quiser entender melhor o fenômeno Bonamassa, aconselho fortemente dar uma checada na Classic Rock Magazine 167 (foto), lançada agora em 2012, que além da matéria de capa (ver abaixo), vem com uma boa coletânea do artista encartada.



Finalmente, o show
Por dentro, o Teatro Coliseo é luxuoso, ainda que seja estranha a ideia de assistir a um show de rock com lugar marcado. Ao entrar no setor marcado em seu ingresso, no nosso caso, a primeira bancada superior (ou como eles chamam: Superpullman), recebemos o programa do show, um belo souvenir para guardar de um evento especial.
Pouco antes de começar o show, o local estava vazio, com boa parte dos 2500 lugares desocupados. Sabia que havia algo errado, pois pouco após comprar minhas entradas online, me deparei com a informação que o show estaria “sold out”. Isso com pouco menos de um mês de antecedência.  Dito e feito, faltando apenas 5 minutos para o horário marcado, o teatro já estava abarrotado, sem um lugar livre. A plateia, por sinal, bem heterogênea, de garotada com roupas de bandas de death metal até senhores careca-cabeludos de 60 anos, passando por casais nada roqueiros, havia de tudo ali. E do estranhamento inicial em assistir a um show desses sentado até a loucura barulhenta na reta final do show, pudemos comprovar a intensidade do roqueiro povo porteño.
Frente do Teatro Coliseo
                                                          
Interior do Teatro Coliseo + Programa do Show


Pontualmente as 20:30, sobe ao palco Joe e sua banda, ao som de “Slow Train”. O som está perfeito e a iluminação é arrebatadora. Mr. Bonamassa está acompanhado de sua banda no formato mais rock, contando com Carmine Rojas no baixo (Keith Richards, Tina Turner, Rod Stewart, David Bowie e Stevie Wonder); Rick Mellick (Andy Gibb, Marc Hunter, John Denver) nos teclados e o boçal Tal Bergman (Billy Idol, Rod Stewart, Simple Minds, Peter Cetera, Eric Johnson, Terence Trent Darby) na batera. Seja em músicas mais pesadas e autorais, como “The Ballad of John Henry”, seja em números mais introspectivos, como a fantasmagórica versão de “Midnight Blues” (do cara-de-morcego Gary Moore) a banda parece ter uma química sobrenatural, abrindo espaço para improvisos que nunca soam gratuitos, muito menos servem de escada para a demonstração do talento do patrão. Todos tem igual destaque no show.

Tal Bergman – o animal
Ao menos deveriam, mas a fúria e técnica brutal de Tal Bergman saltam aos olhos e ouvidos. Cada acesso de fúria do brucutu era seguido pela entrada no palco de um desesperado roadie, que tinha que arranjar tempo entre uma pancada e outra do Mr. Bergman para apertar as peças do kit de bateria, que não resistiam ao implacável baterista. Sabedor do potencial showman que tem em mãos, Bonamassa reserva parte do show para um duelo com seu baterista. Joe manda ver na guitarra, Tal Bergman responde com um solo de bateria destruidor. Isso se alterna por umas três vezes. Ao final de uma marretada de Bergman, ouve-se um grito no meio da plateia – “ANIMAAAL”!! Risadas gerais e orgulho nos olhos do batera. Quando parece impossível vencer o duelo, Joe ao invés de fritar a guitarra, apenas dedilha o início de “Stairway to Heaven”. Platéia ganha, o show prossegue.
Aliás, além dos óbvios covers de standards do blues e rock, e até espaço para um número do Black Country Communion (“Song of Yesterday”), muitas são as referências a clássicos do rock nos improvisos durante o show. A maior parte deles na mega jam final sobre “Just Got Paid” (ZZ Top), na qual pedaços de músicas do Led Zeppelin e até mesmo boa parte da porção instrumental de “Still of the Night” do Whistesnake são executados, para deleite do público.

Saldo final
Entre exibições de feeling e momentos de puro rockenroll, a banda deixa o palco com uma hora e quarenta de show. A plateia não mais se contenta em ficar sentada e ovaciona e entoa gritos dignos dos temidos barrabravas, até que a banda retorna. Joe Bonamassa diz “demorei 12 anos até pisar na Argentina, mas podem ter certeza, não vou demorar mais 12 anos para voltar”. Todos acreditamos, a sensação é a mesma para cada um de nós em relação ao show. A banda emenda a faixa título do recém lançado cd “Driving Towards Daylight”, muito bonita, por sinal, e termina com a já citada música do ZZ Top. Somadas duas horas de muito blues rock, as luzes se acendem, a banda se despede demoradamente, e todos extasiados, retornamos a fria noite portenha.
No dia seguinte, na minha peregrinação pelas abundantes lojas de cds de B.A., foi comum encontrar nos alto falantes das lojas o novo disco do cara rolando. Em uma delas, pequenina, não me contive: perguntei ao dono da loja se ele havia estado no show, na noite anterior. O senhor, de uns 50 anos, abre um sorriso orgulhoso e profere, em espanhol: “claro! Foi uma noite e tanto, não?”
Foi. Com certeza.

Trevas