Faith No More - Sol Invictus (Cd - 2015) |
O retorno do Estranho Familiar
Por Trevas
O Jovem Trevas e o FêNêMê
1992, o jovem Trevas ainda engatinhava em relação a conhecimentos musicais, sua
dieta se equilibrava entre o consumo de bandas de rock radiofônicas (ah sim,
fitas cromo de 90 minutos e o dedo sempre rápido no gatilho do “rec”) e
aventuras gourmet com as belezuras que me eram apresentadas por amigos e/ou
parentes. Dentro da primeira categoria, uma de minhas favoritas naqueles tempos
era justamente o Faith No More (FNM ou FêNêMê, para os íntimos). Epic
havia catapultado a banda estadunidense ao Valhalla da MTV, e as músicas do Real
Thing, terceiro trabalho dos caras, eram uma constante na programação das
rádios jovens (chamar de rádios rock é um baita exagero, não?). O infame Rap/Funk
Metal era tentativamente a modinha da hora, e o descolado Mike Patton, vejam só, era então um projeto de sex symbol para as
meninas. Era um mundo estranho. E nesse mundo estranho, na minha vitrola (sim,
vi-tro-la) Live At The Brixton Academy
rodava sem parar.
Quase furei esse disco de tanto escutar |
Estava sentado na minha carteira
na escola quando um caboclo chega com uma notícia bombástica: ele havia visto
um disco novo do FNM numa loja lá no
centro da cidade do Rio. Tinha a
porra duma garça na capa!!! Sim, pessoal, nesse mundo estranho não havia
internet para nos antecipar faixas meses antes do lançamento do álbum e sim,
existiam lojas de discos aos montes, tal qual existiram dinossauros milhares de
anos atrás...
Naquela época eu estava fazendo bicos revendendo
livros (Círculo do Livro, lembram?), o que dava uma certa aditivada na minha
mesada. Juntei os cascalhos e rumei para uma lojinha de discos lá no bairro
onde morava. Voltei para casa felizão com Angel
Dust debaixo do braço. Rapidamente desembalei o disco e coloquei na
vitrola. Land Of Sunshine tomou de
assalto os alto-falantes e pensei: QUE PORRA É ESSA?!?!?!?!??!?!?!
Angel Dust - um clássico amalucado |
Angel Dust era um disco estranho, em especial para
moleques que como eu não tinham lá muitas referências musicais. A imprensa se
dividiu, muitos acharam o disco genial, outros tantos, uma bosta retumbante.
Todos concordavam em um ponto: o FNM
havia cometido o famigerado suicídio comercial. A banda parecia irritada com
seu sucesso e fazia de tudo para miná-lo: as letras passaram a ser provocativas
demais para o mainstream (Be Aggressive
e sua ode a felação gay, por exemplo), Patton
resolveu adotar um visual porteiro feioso em resposta aos gritinhos das fãs, e o
experimentalismo foi a arma usada contra a MTV.
Daí em diante se sucederam King For a
Day Fool For A Lifetime e Album Of
The Year, mais dois esforços gratuitos de desconstrução de tudo o que o
grande público esperava do FNM.
Angel Dust se tornou um de meus discos favoritos, mas minha relação
com a banda sofreu um duro golpe em 1995. Finalmente tive a oportunidade de ver
os caras, numa edição do Monsters Of
Rock que contou também com Paradise
Lost (divulgando Draconian Times)
e Ozzy. O show foi simplesmente
horrível, um dos piores que já vi. Tão ruim que mesmo com todo o apelo de Epic e afins junto ao público
headbanger, a banda foi enxotada do palco aos gritos de Ozzy, Ozzy. Tentaram
ainda ganhar o público tocando o início da versão de War Pigs imortalizada em Live
At The Brixton Academy, mas foi em vão. O FNM foi enxotado dos palcos e da minha coleção de discos ao mesmo
tempo.
Do Culto ao Retorno Silencioso
Apesar de todos os esforços, e
talvez justamente por conta deles, o FNM
acabou perdendo seu espaço no mainstream e galgando terreno naquele estranho
limbo no qual colocamos as bandas Cult. Do Prog
Metal ao Nu Metal, muitas bandas
surgidas ao final dos anos 1990 evocariam os amalucados estadunidenses como sua
principal influência. Uma nova geração de fãs do FNM surgiu sem nunca ter visto a banda na ativa. Eis que em 2009 os
caras retornam aos palcos sem muito alarde. A turnê foi se esticando conforme a
demanda surpreendentemente aumentava, só terminando lá pelos idos de 2012.
Apesar do sucesso do retorno, nada era falado nas entrevistas que desse a entender
que os cabruncos gravariam novamente. Num dos raros casos de surpresa nos
tempos atuais, ao final e 2014 foi anunciado que o novo disco, Sol Invictus, já estava no forno. Agora
o desafio do FNM é totalmente
diferente: se nos anos 1990 eles desafiavam o mainstream, sempre lutando contra
o que o grande público deles esperava, o que fazer quando justamente se espera
de você o inesperado????
Sol Invictus
Sol
Invictus, a faixa, traz um piano e uma batida marcial com um Mike Patton emulando em seus versos o
ébrio Tom Waits em toda sua glória. Tão
logo ela encerra, somos assaltados por Superhero
(ver vídeo), segunda música de trabalho e grande destaque do disco. Talvez o
mais próximo que a banda já chegou de condensar todas as suas nuances em uma só
faixa, parece impossível ela não se tornar um novo clássico.
Sunny Side Up fica situada naquele lugar estranho entre a
radiofonia e cacofonia, especialidade do FNM.
O refrão chega a enjoar um pouquinho pela repetição, mas no final das contas o
resultado é positivo. Separation Anxiety
é virulenta e climática, marcada pelo baixo de Billy Gould (produtor da
bolacha), com um interessante crescendo do meio para o final, mas nada de
realmente especial. Cone Of Shame em
seu início parece querer invocar a trilha sonora de algum western ruim e, tal
como sua antecessora, cresce em seu final. Uma peça bastante experimental, mas
bacana. Rise Of the Fall lembra algo do Mr. Bungle em seus momentos menos inspirados, e tem um clima
caribenho meio sacal, apesar de algumas linhas interessante de Patton.
FNM conjurando o caboclo papacu |
A
ótima Black Friday tem que ser uma homenagem
à Nick Cave & The Bad Seeds! Certamente
um dos destaques da bolachinha. A primeira música de trabalho, Motherfucker (ver vídeo), só pareceu
realmente estranha àqueles que pouco conhecem os discos do FNM. Uma faixa curta e certeira guiada pelo teclado de Roddy Bottum, que sintetiza algumas
características da banda muito bem (o interlúdio de guitarra é o mais próximo
de Real Thing que eles se permitem
chegar atualmente).
Matador pode parecer estranha em seu início, mas se desenvolve de
forma familiar e deve agradar aos fãs de todas as fases da banda. Já From The Dead é bem fraquinha, um
arremedo de folk alegrinho para lá de dispensável.
Saldo Final
A loucura e caos controlados do FNM estão presentes em cada um dos
parcos 39 minutos de Sol Invictus e
a banda parece ter sobrevivido ao peso da expectativa da melhor maneira
possível: sendo honesta. Ao contrário de outrora, o novo material dificilmente
causará espanto, mas temo que também não venha causar muito frisson. Sol Invictus é um bom disco, daqueles
que fazem muito mais sentido como um todo do que por suas faixas em separado,
mas está longe de ser um marco na história do rock e até mesmo na discografia
não tão longa da banda.
NOTA: 7
Indicado
para:
Fãs
do FNM de Angel Dust em diante
Fuja
se:
A
banda para você se resume a The Real Thing.
Classifique
como: Faith No More
Para
Fãs de: Faith No More, Pain Of Salvation.
Ficha
Técnica
Banda:
Faith No More
Origem:
EUA
Site
Oficial: http://www.fnm.com/
Disco
(ano): Sol Invictus (2015)
Mídia:
CD
Lançamento:
Voice Music (nacional)
Faixas
(duração): CD - 10 (39’).
Produção:
Billy Gould
Arte
de Capa: Martin Kvamme
Formação:
Mike
Patton – vocals;
Billy
Gould – baixo;
Joh
Hudson – guitarra;
Roddy
Bottum – teclados;
Mike
Bordin – bateria.