Kamelot - Haven (2015) |
De volta aos Trilhos
Por Trevas
Ah, o Metal Melódico
Os anos 1990 foram estranhos para o Heavy Metal.
Após resvalar no mainstream na segunda metade da década anterior, o estilo
acabou chafurdando mais e mais, relegado a catar poeira nas estantes das
grandes lojas. Até mesmo as revistas especializadas passaram a relegar os
lançamentos mais tradicionais do estilo a segundo plano. Aliás, o metal
tradicional praticamente inexistiu nessa década. Como que para sobreviver às
intempéries, o Metal começou a apostar numa evolução curiosa. Subgêneros que já
existiam partiram para uma diferenciação quase caricata, pegando alguns maneirismos
do estilo e potencializando ao máximo. Em uma ponta, o metal se tornou ainda mais
extremo, com o Death Metal e o Black Metal e suas vertentes. Na outra ponta,
como uma bizarra raça de antípodas, o estilo pegou suas características mais
espalhafatosas, naquele que considero o pior dos filhos bastardos do Deus
Metal: o Power Metal Melódico, ou simplesmente Metal Melódico. Músicas
alegrinhas, bumbo duplo em profusão sem que isso fosse sinônimo de peso, vocalistas
cantando como menininhas virgens, solos neoclássicos e letras supostamente épicas
que violavam a mitologia capa e espada do metal mais tradicional como a autora
o Crepúsculo o fez com a mitologia vampiresca. Um pesadelo!
Dizem que Rhapsody é usado como tortura em Guantanamo...seriam eles tão cruéis assim? |
Mas
sou partidário da teoria de que todas as vertentes do rock pesado tem o joio e
o trigo. Tal qual acontece com o Nu Metal, ainda que o todo da cena passe a
ideia de mediocridade absoluta, há de se ter algumas bandas que valham à pena.
E no infame Metal Melódico, se me pedirem para escalar um grande ponto fora da
curva, destacaria os americanos do Kamelot.
Não
que eu beije o chão onde os caras pisaram, não. O início da banda foi
absolutamente tétrico, Eternity
(1995) e Dominion (1997) eram pavorosamente
arranjados e contavam com um vocalista que era ruim até mesmo para os padrões
daqueles tempos melódicos (Mark
Vanderbilt). O jogo começou a mudar com a entrada de Roy Khan. O exímio norueguês havia se destacado com o Conception, banda que fazia um metal à
frente do seu tempo. Roy possui um estilo bastante peculiar, algo na escola de Geoff Tate, com um poder de
interpretação bem acima da média e raramente apelando para agudinhos
desnecessários.
Khan, antes de pirar na batatinha... |
Com
Roy o início também não foi dos
melhores, Siege Perilous (1998) ainda
era mais do mesmo. O disco seguinte, Fourth
Legacy (1999), além de apresentar uma produção muito melhor que os
anteriores, já começava a mostrar ao mundo o verdadeiro Kamelot: o power melódico se misturava em alguns momentos a
elementos bem modernos, a arranjos sinfônicos bem trabalhados e até mesmo meio
dark. Essa característica ficou mais clara no ótimo Karma (2001). A banda passou então a chamar a atenção para além da
bolha do metal melódico. Epica (de
2003, disco que deu o nome à banda holandesa), desequilibrou um pouco, pendendo
para o lado mais épico (dã), mas o fenomenal Black Halo (2005), com sua modernidade e aura gótica aliados ao
estilo mais tradicional, se tornou um marco e um dos melhores discos de metal
de seu tempo.
Dali
para a frente, infelizmente a banda começou a se perder na própria
versatilidade. Ghost Opera (2007)
ainda merecia aplausos, mas o disco seguinte, Poetry For The Poisoned (2010), errou a mão nas múltiplas
referências musicais, além de ter exagerado na aura depressiva na opinião de
muitos. Mas a banda continuava crescendo em termos de visibilidade. E por isso
mesmo foi um choque para a cena quando foi divulgada a saída de Roy Khan, envolta em uma cortina de
mistério e desinformação. A princípio estaria relacionada a problemas de saúde
por parte do vocalista, mas depois foi ventilada a hipótese de que o norueguês
teria virado fanático religioso e virado as costas para seu passado no profano Heavy
Metal.
A
banda ainda seguiu em frente com a turnê, apelando para alguns vocalistas
convidados. O de maior destaque, Fabio
Lione, atualmente no Angra. Mas
em alguns shows o vocalista que assumiu o posto foi um relativo desconhecido, o
sueco Tommy Kaverik, do Seventh Wonder. Vocalista prodigioso e
versátil, Tommy ainda possui um
timbre assombrosamente semelhante ao de Roy
Khan, e talvez por isso mesmo terminou assumindo o posto vago em
definitivo.
Kaverik, um emulador top de linha do Khan |
O primeiro disco com Tommy nos
vocais, Silverthorn, dividiu
opiniões. Uma clara tentativa de retorno à sonoridade de Black Halo, agradou a muitos justamente por emular as fórmulas já
testadas. Outros tantos ficaram decepcionados exatamente por conta do Cd soar
como mais do mesmo, fato amplificado pelo que parecia ser um exaustivo esforço
por parte do novo vocalista em emular todos os trejeitos de Roy Khan. Confesso que sou um dos que
ficaram nessa segunda categoria e quando foi anunciado o novo disco, Haven, nem dei muita bola. Mas será que eu estava certo em desdenhar do
novo Kamelot?
Entre Dois Mundos
Fallen
Star é a faixa de abertura dos sonhos para os fãs do
Kamelot. Com ótimas melodias,
atmosfera de trilha sonora, produção perfeita e peso sob medida, nasceu para
frequentar os repertórios futuros. A pesadona Insomnia (ver vídeo) não fica nem um pouco atrás, e serve para
notar o quanto as composições da banda são calcadas mais nos arranjos
sinfônicos do que nos riffs de guitarra puramente. Aliás, tudo nessa banda é
extremamente funcional, cada instrumento aparecendo apenas o suficiente para
engrandecer a música.
A exceção
é claro, se faz na performance de Kaverik.
O cara rouba a cena em cada melodia e refrão, com uma capacidade de
interpretação que só rivaliza com sua versatilidade. Sim, continua uma xerox do
Roy Khan, mas é uma cópia tão bem feita
que engana qualquer desavisado. Citizen
Zero é outra faixa pesada e sombria, dessa vez com as guitarras de Thomas Youngblood um bocado mais à
frente. A primeira música de trabalho, Veil
Of Elysium poderia soar mundana na mão de outras bandas melódicas, mas com
uma qualidade cinemática que dá o tom de quase todo o material aqui presente
somada a mão pesada do rolo compressor Casey
Grillo acaba por se tornar mais um destaque. Tematicamente, Thomas Yougblood diz ter tentado com
Haven balançar entre dois mundos, o da fantasia (típico do estilo) e o da
realidade nua e crua. E em termos musicais, o balanço ficaria entre os arranjos
modernos e a base de melodias clássicas do Metal Melódico.
Esse
balanço infelizmente nem sempre se faz bem sucedido, como demonstra a fraca Under Grey Skyes, na qual Charlotte Wessels (Delain) participa. A tentativa de emular The Haunting ou Abandoned
termina numa balada açucarada e sem graça (que ainda tem Troy Donockley do Nightwish,
em vão). O peso com fortes toques góticos retorna triunfante com My Therapy.
Kamelot 2015 - o cabelinho do Grillo deixou Beiçola com inveja. |
Depois
de um curto interlúdio instrumental (Ecclesia),
End Of Innocence faz o movimento
pendular em direção ao lado mais melódico, mas ainda se mostra interessante.
Perde de goleada para a dupla seguinte: Beautiful
Apocalypse (com ar industrial e vocais femininos não creditados) e a
pedrada Liar Liar, com ótima performance
de Alissa White-Gluz tanto nos
guturais quanto na voz limpa, mostrando que se o Arch Enemy não tiver muito medo dos velhos fãs, tem muito a
explorar da bela canadense.
Alissa dando uma bela mãozinha aos colegas do Kamelot |
Here’s To the Fall é a segunda balada do disco, e embora se saia
melhor que Under Grey Skyes, fica
bem aquém da capacidade da banda nesse quesito. A pedrada volta com Revolution, bem industrial e com outro
show de Alissa. Uma pena que o final
venha sob a forma da desnecessária faixa título, uma instrumental pouco
inspirada.
Saldo Final
Após um período bagunçado que se
refletiu em discos igualmente confusos e pouco inspirados, os estadunidenses
lançam um de seus melhores e mais equilibrados trabalhos. Um deleite para
aqueles que curtem discos pesados, mas muito bem pensados em termos de arranjos
e produção. Frequentará facilmente as listas de melhores do ano por aí.
NOTA: 8,5
Disco Bônus da Edição
Limitada:
O segundo disco traz
15 faixas, nenhuma representando material inédito, variando entre versões
acústicas (Veil Of Elysium), piano e
voz (End Of Innocence), orquestradas
(Fallen Star, Here’s to the Fall e My
Therapy) e instrumentais (9 versões). Um material bem feito e agradável,
mas que está longe de poder ser considerado obrigatório.
O belo design da edição limitada |
Indicado
para:
Quem
gosta do metal mais moderno, mas em abrir mão da melodia
Fuja
se:
Tiver
alergia a superproduções
Classifique
como: Metal Melódico, Power Metal, Heavy metal, Symphonic Metal
Para
Fãs de: Queensryche, Conception, Delain.
Ficha
Técnica
Banda:
Kamelot
Origem:
EUA
Site
Oficial: http://www.kamelot.com/
Disco
(ano): Haven – Limited Edition (2015)
Mídia:
2CDs
Lançamento:
Napalm Records
Faixas
(duração): CD - 13 (54’). CD 2: 15 (67’)
Produção:
Sascha Paeth + Kamelot
Arte
de Capa: Stefan Heilemann + Gustavo Sazes
Formação:
Tommy
Kaverick – vocals;
Sean
Tibbetts – baixo;
Tommy
Youngblood – guitarra;
Oliver
Palotai – teclados;
Casey Grillo –
bateria.