This Is Your Life |
Vida Longa Ao Rei!
Por Trevas
Do Fim ao Início
Maio de 2010, recebo a ligação de um amigo e
companheiro de banda. A voz do outro lado da linha trazia com ela todas as
sombras de Mordor reunidas. Prendo minha respiração, enquanto a voz titubeante
faz rodeios e não chega à evidentemente macambúzia noticia, e espero pelo pior. Finalmente a mensagem é passada “cara, o
Dio morreu”. Fiquei surpreso e tive vontade de rir, dentre todos os cenários
macabros que meu cérebro conseguira produzir desde que atendi o telefonema,
esperava a fatalidade dentro do meu círculo social, e de certa forma fui tomado
de imenso alívio. Brinquei um pouco com a situação e desliguei o telefone. Demorou
cerca de cinco minutos até que me sentisse como se realmente a fatalidade
tivesse se abatido sobre algum amigo próximo. Ronnie James Dio nunca soube de
minha existência, mas sua voz falava comigo desde meus 16 anos de idade. Lembro-me
como se fosse hoje: estava em São Paulo, entro no carro de um de meus tios, ia
com ele até a galeria do rock, com dinheiro separado para comprar os discos
faltantes a minha coleção do Iron Maiden. A fita começa a rodar uma introdução que
trazia uma fala de O Mágico de Oz, seguida de um rebuliço instrumental, e então
um riff matador. Eu era fanático por Purple e em especial Ricthie Blackmore e
reconheci o estilo do guitarrista de imediato. Quando achei que já era a melhor
coisa que eu escutara até então, entra uma voz arrebatadora que me fez esquecer
Ricthie Blackmore. A música era Kill the King, naquela versão do ao vivo On
Stage. A voz, Ronnie James Dio. E repentinamente Bruce Dickinson já não me
parecia mais o cara. E então eu soube que eu precisava escutar tudo o que
aquele enigmático e gnomesco vocalista havia gravado. Meu dinheiro saiu do colo
do insepulcro Eddie para a aquisição dos três discos de estúdio do Rainbow.
O grande amigo que nunca conheci |
Stand Up And Shout
Wendy Dio fora casada com Ronnie James Dio por quase
três décadas. Embora já separados quando Ronnie adoeceu, foi ela quem ficou ao
lado do vocalista até os últimos instantes. Única empresária que Dio teve em sua
carreira, Wendy criou em conjunto com o já enfermo músico o Stand Up And Shout
Cancer Fund, instituição filantrópica que tem como alvo angariar recursos para
investir em pesquisas relacionadas à cura e tratamento do câncer. Em seu leito
de morte, Ronnie deixou uma missão nas mãos de sua companheira, todos os
lançamentos póstumos que levassem sua marca deveriam deixar 100% da arrecadação
atrelada ao fundo. Um ato que demonstrou que Dio manteve sua famosa nobreza até
o último suspiro. Um verdadeiro legado de um pequeno grande homem.
Wendy e Ronnie - eternos amigos |
Desde então alguns títulos já foram lançados com
essa finalidade, em sua maioria explorando o vasto arquivo de gravações ao vivo
nunca lançadas pelo vocalista. Em 2012, Wendy começou a trabalhar na ideia de
um disco tributo, trazendo artistas famosos, cujo nome trouxesse um peso à
causa que ela abraçou. Discos tributo ao Dio não são exatamente uma novidade, e
em 1999 já havia sido lançado o ótimo Holy Dio, trazendo a nata do segundo
escalão metálico em versões em sua maioria muito boas para os clássicos da
carreira do anão (e.g.: Blind Guardian; Grave Digger, Doro, Fates Warning...).
Mas quando foi anunciado que o tributo atual trazia gente como Motörhead,
Scorpions, Anthrax e em especial Metallica, entendi o quão alto Wendy havia
mirado. Contando com a excelente arte de capa de Marc Sasso, This Is Your
Life foi lançado com grande expectativa. O legal é que o disco foi alçado
diretamente à 25ª posição na parada da Bilboard, feito assombroso em se
tratando de material relativo a um artista já falecido e que desde a longínqua década
de 1980 não fazia parte do mainstream. Sinal de que a boa música nunca morre.
A excelente arte de Marc Sasso para o disco |
This Is Your Life - Faixa a faixa:
Anthrax - Neon Knights
Os nova-iorquinos já haviam homenageado Dio em
2011, incluindo uma versão de Heaven And Hell em seu set na turnê do Big 4. Mas
essa rendição de Neon Knights ficou bem mais bacana. Baseada em parte na original
de estúdio, em parte na versão estendida costumeiramente apresentada pelo Black
Sabbath ao vivo, cabe aqui destacar a voz de Belladonna, que ao menos em estúdio
vem soando melhor que em seus tempos de sucesso com a banda. Ah, curiosamente,
o guitarrista solo nessa faixa ainda é Rob Caggiano, que pouco depois disso
abandonaria o posto para assumir as cordas no Volbeat. Um ótimo início.
Tenacious D – The Last In Line
A banda piada liderada pelos comediantes Jack
Black e Kyle Gass sempre teve ligação estreita com Ronnie. Jack era amigo
pessoal do gnomo e o D já havia homenageado o vocalista em seu primeiro disco,
com uma música intitulada...Dio! Ah, e os artistas trocaram favores algumas
vezes, com os comediantes participando do clipe de Push (de Killing the Dragon)
e Ronnie aparecendo no filme da dupla, The Pick Of Destiny. A versão para Last
In Line é bem legal, mais curta que a original,com a voz peculiar de Black
guiando a canção com maestria. O solo de flauta substituindo o icônico original
de guitarra foi um toque bem bolado.
Black, Gass e Dio: Tenacious Dio? |
Adrenaline Mob – The Mob Rules
Existem dois vocalistas da atualidade que fazem justiça
ao trono deixado vago por Ronnie. Um é o norueguês Jorn Lande e o outro é o estadunidense
Russel Allen, que capitaneia o Adrenaline Mob. The Mob Rules foi gravada para o
EP Covertà, quando Mike Portnoy ainda fazia parte da banda, e é tão fiel à
original quanto avassaladora. Um dos destaques do disco.
Corey Taylor, Christian Martucci,
Russ Parrish, Roy Mayorga – Rainbow In The Dark
Corey Taylor, o espoleta que lidera o Stone Sour
e o Slipknot fez questão de participar do tributo. Fã confesso de Dio, juntou
seus colegas de Stone Sour a Russ Parrish (ex- Fight) e gravou a toque de caixa
essa surpreendentemente boa versão para a música mais famosa da carreira solo
de Ronnie. Com boa performance vocal por parte de Corey e uma linha de guitarra
substituindo o teclado original com maestria, Rainbow In The Dark pode ser uma
porta de entrada para a molecada se interessar pelo catálogo do Dio. (Nota do Trevas: li em alguns lugares que Satchel, dos gaiatos do Steel Panther participa dessa faixa. No encarte ele não vem listado, qual foi então minha surpresa ao descobrir que Satchel e o sumido Russ Parrish são a mesma pessoa!!!!)
Halestorm – Straight Through The
Heart
Uma das promessas do Hard/Heavy da atualidade, o
Halestorm optou por fazer uma versão crua, sem a refinada produção que guiou
seu último disco. Uma escolha acertada, a música ganhou uma cara nova, em parte
pela pegada atual em outra pela excelente e poderosa voz de Lzzy Hale. Outra
pedrada certeira.
Lzzy trazendo um toque feminino ao tributo |
Motörhead & Biff Byford –
Starstruck
Amigo pessoal de Ronnie desde os anos 1970,
Lemmy não podia ficar de fora dessa festa. E não podia ser outra a escolha,
Strastruck fala sobre um tema tipicamente Motörhead – a história de uma
insaciável groupie. A participação do monocelha Biff Byford (do Saxon), cuja
voz parece não envelhecer nunca, dividindo os microfones com Lemmy deixou essa
versão com uma aura toda especial.
Scorpions – The Temple Of The King
A rendição dos alemães para a bela balada The
Temple Of The King é um daqueles casos nos quais temos a impressão de que a
música poderia muito bem ter sido escrita por eles, tamanha a identificação.
Outro grupo que tinha uma boa relação de amizade com Dio, os Scorpions tomam
para eles uma das músicas mais inspiradas do Rainbow. É de arrepiar.
Gnomos gêmeos? Dio e Klaus |
Doro - Egypt (The Chains Are On)
Outro caso no qual a música se encaixa
perfeitamente com o estilo do artista que a coveriza, Egypt já havia aparecido no
excelente tributo Holy Dio. Doro, outra amiga de longa data do baixinho, dá uma
vida toda nova à faixa com seu vocal rouco e algo sexy. Volta e meia a alemã adiciona
essa mística canção em seus set lists.
Doro e Dio - a realeza do metal |
Killswitch Engage – Holy Diver
Gravada em 2007, especialmente para uma edição
da Kerrang!, essa versão para a música título do primeiro disco solo do Dio
ganhou notoriedade na época, em especial pelo seu hilário clipe, que fazia
troça com o tosco e icônico original. Ainda trazendo o excelente vocalista Howard
Jones em sua line up, o KSE foi responsável por apresentar Ronnie Dio e sua
música para a garotada fã da NWOAHM. Talvez a versão soe estranha aos ouvidos
mais puristas. Particularmente, acho excelente.
Glenn Hughes, Craig Goldy, Rudy Sarzo, Scott Warren & Simon Wright –
Catch The Rainbow
Bem, Hughes foi um dos melhores amigos de
Ronnie, tendo até mesmo dividido um apartamento com o gnomo nas épocas de vacas
magras. Foi ele o escolhido por Wendy para o concerto do Heaven And Hell que
homenageou seu marido (em conjunto com Jorn lande, que acabou por se
desentender com ela). Escoltado por ex-colegas de banda de Dio, Hughes acaba
exagerando demais no tempero soul de sua interpretação, deixando a bela música um
pouco estranha. Não ficou exatamente ruim, em absoluto, mas confesso que demorei
algumas audições até me acostumar.
Oni Logan, Jimmy Bain, Rowan Robertson & Brian Tichy - I
O bom vocalista Oni Logan, famoso por ter feito
parte do Lynch Mob, faz um trabalho bacana nessa excelente faixa do subestimado
Dehumanizer. Um pouquinho respeitosa demais à original, a faixa acaba chamando
mais a atenção por trazer de volta aos holofotes Rowan Robertson, que aos 19
anos apareceu ao mundo como o guitarrista prodígio que gravou o mediano Lock Up
The Wolves do Dio.
Rob Halford, Doug Aldrich, Jeff Pilson, Vinny Appice, Scott Warren – Man
On The Silver Mountain
Outra faixa a trazer um vocalista lendário escoltado
por ex-colegas de Ronnie, Man On The Silver Mountain causa estranhamento a princípio.
O metal god, a exemplo de quando capitaneou improvisadamente o Black Sabbath
por dois shows, dá um pouco a impressão de que não está muito à vontade, mas na
volta do solo ele acaba por se soltar mais e tudo se encaixa. De qualquer forma,
a pegada da música ficou bem legal, com Aldrich brincando com o riff original
no início da música, e após algumas audições acabei me acostumando e achando
ótimo o cover.
Rob e Dio gravando Stars |
Metallica – Ronnie Rising Medley
Quem me conhece sabe que não tenho nenhum apreço
pela banda comercialmente mais bem sucedida da história do metal. Para variar,
os ególatras condicionaram sua participação no tributo a não ficarem restritos
a uma única música. Torci o nariz. Quando me disseram que o medley, que inclui
trechos de Light In The Black, Tarot Woman, Stargazer e Kill The King (todas do
Rainbow), estava matador, fui escutar cheio de preconceito. Quebrei retumbantemente
minha fuça implicante. Alucinante desde a introdução, o medley traz o Metallica
com uma fúria e perícia que não são vistos nos caras desde sei lá quando. E Hetfield
conseguiu driblar de maneira brilhante suas limitações vocais, trazendo soberbamente
músicas bastante complicadas de cantar ao seu característico estilo. Até mesmo
a escolha da manjada Kill The King (que 789 bandas já coverizaram) tem que ser
perdoada, é a melhor rendição para essa música que ouvi afora a original. Só para
não dizer que perdi o sangue nos olhos e o veneno na língua, a passagem de Tarot
Woman para Stargazer podia ter sido melhor elaborada, mas pedir que Lars replicasse
a mítica introdução criada por Cozy Powell com alguma decência é um pouco
demais, não? De qualquer maneira, num disco com nível bastante elevado, o
Metallica conseguiu sobressair, tenho que dolorosamente admitir.
Dio – This Is Your Life
Talvez a única coisa que preste em
Angry Machines, de longe o pior disco solo de Dio, this Is Your Life é uma
balada belíssima. Com sua letra ganhando um significado tocante perante a morte
de nosso ídolo, chega a dar arrepios ouvir a majestosa voz de Ronnie versar
sobre a efemeridade de nossa existência. E sua performance nessa faixa serve
para nos lembrar do imensurável talento que perdemos.
Saldo Final
Um excelente disco, repleto de
talento e coração, feito para uma causa nobre e homenageando o maior vocalista
que o heavy metal já ouviu. Preciso dizer mais?
O pequeno grande rei viverá para
sempre através da atemporalidade de sua música.
E nós mortais temos que celebrar
seus feitos, hoje e sempre. Agora me dá licença que vou escutar o disco de
novo!
NOTA: 9,5
Prós:
Repleto de artistas consagrados, do passado
e da atualidade. Todas as versões transpiram respeito e prazer em fazer parte
da homenagem.
Contras:
Podia bem ser triplo...
Gostei bastante desse disco. Tb me surpreendi com o metallica
ResponderExcluirFala, Tarcisio!!! Beleza?
ExcluirQuando esse tributo foi anunciado,fiquei cético a princípio,não via motivos para mais um ributo ao gnomo.Mas ficou muito bom,é disparado o melhor em homenagem ao Dio,eum dos discos tributo mais legais no geral. Talvez perca pro Nativity In Black (o primeirão),em homenagem ao Bréquiçabá e o Legends Of metal em suas duas edições,em homenagem ao padrejudas
Abração
Trevas
Trevolixon, vamos ao comentário...
ResponderExcluir1992. Canecão. Bréquiçába no palco... OOOOOOOOHHH... COME ON! Ali concluí que podia morrer dentro de mais duas horas... Estava vendo ELE, do alto de seu metro e meio, a pouco mais de dez metros de distância... E depois mais cinco vezes se juntaram a essa... E, em cada um dos shows, o mesmo prazer e vontade de fazer o melhor show do mundo... Até quando aquele bosta do Craig Goldy tocou menstruado uma noite... E o carinho pelos fãs... Gone too soon...
Achei sua resenha muito pertinente, com apenas três senões:
(1) Sua implicância com o Merdalli... oooops!, Metallica. Procure ouvir sem preconceito (caso AINDA não o tenha feito) o bootleg deles homenageando o Lemmy, no seu/dele 548º aniversário. Chama-se "Live at Motörhead Bash" (ou algo assim)... Para surpreender o público, que não sabia quem tocaria, autodenominaram-se "The Lemmys" e tocaram vestidos a caráter, com direito aos crocotós lemmynianos, e sua/dele presença em Overkill (Reprise)... É uma pedrada! E tente ignorar o Lars...
(2) Não curti nem um pouco a recolocação da Doro neste tributo. Deu um ar meio de requentado... Ela poderia - ou qualquer outro artista - ter feito uma versão nova.
Bom... Minha nota é 9,5 também. Os poucos pontos frágeis da bolacha estão bem exploradas por vossa excrescência!
Beijunda!
Krillzótico
ExcluirAssisti o gnomo também 5 vezes, 3 solo, uma com o Heaven And Hell e outra com o DickPurple + orquestra, onde ele foi tão ovacionado que a escrotinha da vovó sem voz Ian Gillan deu pití e não retornou ao palco pro Bis.
Aos seus Senões:
1. Conheço a história do the Lemmys, já vi alguns trechos. Eles são escrotos, talvez a banda mais babaca da história do metal. mas certamente tem direito a mais de um capítulo no livro que contará essa história, e claro, tenho alguns cds. Mas impossível ignorar o tamanho da babaquice de james e principalmente lars.
2. Já ouvi mais gente reclamando. Convenhamos, o pessoal que compra um disco com Halestorm, Corey Taylor, Metallica e KSE não necessariamente é o bando de velho tarado que comprou Holy Dio em 99. Mas entendo o que queres dizer.
Vem cá, você falou em 3 senões, cadê o terceiro?
Jundis
T