Para os malucos(as) que como eu tem prazer em destrinchar as histórias que permeiam a trilha sonora que escolhemos para nossas vidas. E quantas histórias interessantes se escondem em cada esquina desse vasto mundo do rock! Vocês encontrarão por aqui resenhas de shows, discos, livros, dvds (blu-rays) e notícias comentadas sobre o mundo do rock. Espero que vocês gostem e visitem sempre ou eventualmente. Eu, certamente, me divertirei muito escrevendo aqui.
Os teutônicos do GraveDigger completam nada mais nada menos que 40 anos de estrada em
2020, e podemos entender o lançamento de Fields
Of Blood, o impressionante 20º trabalho de estúdio dos caras, como um marco
comemorativo. O disco termina a trilogia escocesa iniciada no hoje clássico Tunes of War e continuada em The Clans Will Rise Again. Na produção
da bolachinha, temos novamente a parceria de ChrisBoltendahl e AxelRitt com JörgUmbreit, que já trabalha com o quarteto
desde o excelente The Grave Digger, de
2001. Que, confesso, foi o último lançamento dos alemães a realmente me chamar
a atenção. A despeito de achar o material deles, em tempos mais recentes, na
melhor das hipóteses medíocre, minha curiosidade foi aguçada pela qualidade
inesperada das faixas de trabalho. Vamos ver (ouvir, na verdade), o que os
rapazes nos aprontaram dessa vez.
Os "cava-cova" são tão feios que nem precisam de muita caracterização
Bom, há de se imaginar que qualquer disco que se preste a ter como tema
a história escocesa tenha que trazer gaitas de foles, né? Pois então, assim
começamos, com a intro The Clansman’s Journey,
que prepara terreno para All For The
Kingdom, e a banda soando arregaçante como nos bons tempos.
Já Lions Of The Sea é xarope
toda vida, com aqueles cânticos de pirata bêbado (que é o quase o mesmo que um
escocês) e refrão totalmente chiclete. Ou seja, GraveDigger em sua
melhor forma e charme tosco! Duvido que não venha parar nos set lists futuros!
Freedom é outra a conjurar o
glorioso passado da Middle Ages Trilogy,
tal como The Heart Of Scotland. NooraLouhimo (BattleBeast) ajuda a tornar palatável a
balada ThousandTears, sua bela voz fazendo um contraponto ao pavoroso trinado roufenho
de ChrisBoltendahl, o próprio “cava-cova”.
Na segunda metade do CD a qualidade cai um pouco, mas ainda assim temos
bons momentos, como os solos de Axel
em UnionOfTheCrown, a grosseira Barbarian e a épica faixa título. Pode não haver estilisticamente
nada aqui que vá mudar o mundo ou reinventar a carreira do GraveDigger, mas para
quem é fã dos caras, FieldsOfBlood
é pura diversão. Certamente o melhor disco dos teutônicos em muito, mas muito
tempo! (NOTA: 8,61)
Surgido de uma dissidência
da RadioMoscow, em 2011, com nome emprestado de um Fanzine especializado em rock dos anos 1960/70, o quarteto multinacional
BluesPills conseguiu uma ascensão impressionante com apenas dois discos
de estúdio lançados. Se no primeiro trabalho tínhamos um RetroRock com charme
algo cru quebrado pelo talento de ElinLarsson, no trampo seguinte a banda
apostou em uma pegada com adição de elementos de R&B e Soul, em
composições bem mais maduras. Mas como é
tradicional no universo rocker, nem
o inesperado sucesso comercial impediu uma mudança de formação: o prodígio
francês DorianSorriaux deixou amigavelmente o front de batalha. Ao invés de buscar um novo guitarrista, os suecos
partiram para o estúdio, para autoproduzir um novo trabalho, com ZackAnderson assumindo as guitarras (deixando o baixo para o novato KristofferSchanders). Completam a formação a louraça belzebu Elin e o poderoso batera AndreKvarnström. Na mixagem, temos o premiado AndrewScheps (RivalSons, Adele, BlackSabbath, IggyPop).
Blues Pills 2020...now with lasers!!!
Com um discurso em off sobre
igualdade de direitos, ProudWoman abre a bolachinha com aquela
tonelada de Soul e R&B que marcou LadyInGold. Também como no trabalho anterior,
Elin e sua impressionante negritude
vocal são o centro da produção, mas com espaço para o ótimo e dinâmico instrumental
brilhar, quando necessário. Um bom começo.
Mas engana-se quem pensou de cara que a banda enveredaria por um caminho
menos intenso, LowRoad é um arregaço RetroRocker de tirar
sorriso dos caras do Graveyard.
Destaque absoluto para a cozinha monstro de Kvarnström e Schanders. Ah,
e Zack consegue substituir muito bem
Dorian na guitarra, ao menos em
estúdio. Dreaming My Life Away é
outra pedrada, com sérios toques de Hendrix
e CaptainBeyond. A banda acertou a mão na produção, vigorosa e na cara, com
um ar retrô sem soar requentada.
Elin põe seu feeling e
gogó nos holofotes na bela balada R&B
California. E se sai muito bem, como esperado. Rhythm In The Blood é visceral e viciante, fazendo uma clara referência
ao ThinLizzy no refrão. Uma das mais legais do disco. O nível continua
altíssimo na repleta de malícia e empoeirada (oops) Dust.
Kiss My Past Goodbye, primeira faixa de
trabalho, é deliciosa, e um ótimo exemplo da sonoridade atual do quarteto. A fórmula
de alternância entre baladas soul com rockões segue com Wish I’d Known e Longest
Longing Friend (na primeira categoria) contrastando com Bye Bye Birdy e a matadora Song From AMourningDove (na ala rocker).
Com pouco mais que 40 minutos, Holy
Moly! Chega ao fim com a certeza de que temos em mãos o melhor disco do BluesPills, o que é um feito e tanto, considerando a qualidade dos
anteriores. Na lista de melhores de 2020? Com certeza! (NOTA: 9,26)
Dezenove longos anos
se passaram desde que Curse Of The
Hidden Mirror sepultara as ambições do Blue
Öyster Cult em recuperar o tempo perdido e resgatar o prestígio do que
outrora fora uma instigante carreira fonográfica. Ninguém deu muita bola para o
disco, que realmente não era lá essas coisas, e os membros remanescentes da
banda resolveram vestir a carapuça do hipotético dinossauro que ilustrou uma de
suas capas clássicas. Excursionando e regurgitando (de novo e de novo) o
material antigo, como um fóssil vivo de eletricidade e decibéis. Irônico, não?
Blue Öldest Cult?
Após uma penca de entrevistas ao longo dos anos que mostrava o
desinteresse em “gravar um disco que ninguém vai ouvir”, Buck Dharma deixou escapar, em 2017, que a formação atual era boa
demais para não registrar algo e em estúdio. Boatos vieram e foram, tão enigmáticos
quanto a imagem que a banda talhou ao longo dos anos...até que a Frontiers anunciou que havia assinado
com o BÖC, e já soltando, em meados de 2020, That Was Me, como primeira faixa de trabalho. The Symbol Remains (nome tirado de uma letra antiga da banda) foi
produzido pelos remanescentes da formação original: Eric Bloom e Buck Dharma,
com auxílio da arma secreta da formação atual, o multi-instrumentista Richie Castellano, e conta com
lançamento quase simultâneo no Brasil.
That Was Me, vigorosa e
pesadona, abre o trampo com uma levada e letra que lembram See You In Black, de Heaven
Forbid...talvez justamente por trazer uma parceria com John Shirley, presente nos dois últimos lançamentos de estúdio da
banda. A voz gasta de Eric ainda é idiossincrática,
a própria marca registrada do lado mais cru da banda. E, de quebra, AlbertBouchard aparece nos backing
vocals, CowBell e percussão. Ótimo início.
Logo em seguida, e de maneira provavelmente proposital, Buck Dharma encabeça a bacanuda Box In My Head, mostrando aquela outra
faceta do BÖC, aquele pop
psicodélico com elementos de AOR,
mas que foge completamente da pieguice por um toque de estranhamento que se
reflete na letra. Como um verão do amor onde os psicotrópicos te levam a uma
viagem bem esquisita.
Tainted Blood é o primeiro número
a causar estranhamento. A letra, uma epopeia de amor eterno vampiresco, orna
uma música que tem muito de um AOR
mais padrãozão, dessa vez sem o diferencial das vozes estranhas, já que Castellano assume (como faria outra
penca de vezes) os microfones. Apesar do estranhamento inicial, a nova proposta
casa bem com os momentos mais clássicos, que retornam com Nightmare Epiphany (totalmente BÖC
anos 1980), que assim como Secret Road
e Fight, já haviam aparecido em
formato demo em um lançamento de Dharma
no início dos anos 2000.
Quando olhei o repertório, a primeira coisa que pensei foi “14 músicas?
É coisa demais!”. Mas dentro de uma lógica que mais parece a de um Best Of, a bolachinha funciona muito
bem, alternando momentos que lembram os primórdios da banda, como na épica The Alchemist (baseada em Lovecraft e escrita por Castellano, apesar da cara de BÖC clássico), com outros quase anos
1980, como The Return Of St Cecilia,
Florida Man e as já citadas Fight e Secret Road.
E até a faceta mais nova, como nas três faixas cantadas por Castellano (The Machine lembra demais algo do Ten) e coisas como Edge Of
The World e Stand And Fight (um
quase Manowar, com Eric Bloom metal bagarai) funcionam. Um
discaço surpreendente, no qual só mudaria uma coisa: deixaria Bloom e Dharma assumirem as vozes das faixas de Castellano. Se você é fã dos caras, não deixe de conferir! (NOTA: 9,02)
Confess é o livro que conta a saga de um certo Robert John Arthur Halford, nascido e
criado em uma Birmingham do pós-guerra, no coração poluído do Black Country, para se tornar uma das
mais emblemáticas figuras da história do rock.
Eventualmente,
Rob Halford ganharia o mundo à
frente do Judas Priest, uma das
maiores bandas de Heavy Metal em
todos os tempos, uma verdadeira instituição britânica. A própria redefinição do
British Steel.
Mas
Confess definitivamente não é um
livro sobre o Judas Priest.
Confess é sobre a jornada de descobertas e auto
aceitação de um jovem criado em um lugar empedernido, em uma época cinzenta,
escapando do destino do chão das fábricas, e vivendo sonhos, por culpa do amor
à música.
O
livro justamente funciona melhor em sua primeira metade, quando Rob relembra sua infância e juventude,
e as desventuras da descoberta de sua homossexualidade (a aceitação viria
muito, mas muito mais tarde), de maneira bem-humorada e leve.
Na
segunda metade o livro ameaça entrar na cansativa seara da “saga do junkie”,
lugar comum em 10 a cada 10 biografias do mundo do rock.
Ainda
assim, escapa do marasmo devido ao “brilho no olhar “ com que o quase
septuagenário senhor conta até os momentos mais trágicos, espelhando a
conhecida personalidade “boa praça” do careca mais famoso da cena. Por exemplo,
dá pra sentir a empolgação do já milionário senhor narrando sua fanboyzice em encontros com Andy Warhol, Cher, Jack Nicholson, Jimmy Page, Freddie Mercury, Dio, Lemmy, Madonna, a própria Rainha e...Lady
Gaga?!?
Sua
faceta pacífica só se mostra esgotada no episódio em que o babaquara Axl Rose tenta impedir que o Judas use a Harley Davidson no show do Rock
In Rio II. Por pouco um show histórico quase não acontece...
Aos
pudicos, um alerta, Rob é bastante
“gráfico” ao narrar suas descobertas sexuais, preparem-se para ouvir bastante
sobre punhetas e boquetes em desconhecidos em banheiros públicos, e descubram
que também nos EUA há uma estranha
relação entre Forças Armadas e o armário...enfim...
Os
fãs de Judas Priest terão sua cota
de anedotas, possivelmente algumas poucas delas inéditas, mas certamente
ficarão frustrados se encararem a leitura como uma dissecação da história da
banda e suas relações internas. Nesse ponto Rob é bem político e algo evasivo.
Há,
por exemplo, uma clara licença poética sobre sua saída da banda e sobre a
entrevista que o levou à se assumir para o mundo. Assim como um certo eufemismo
nos eventos que levaram à decisão de KK
de se desligar da mesma.
Mas
prefiro analisar o livro pelo que ele é, uma história incomum de um personagem
igualmente incomum, e contada de forma muito divertida.
Leitura
das boas.
Mas
o livro definitivo sobre a história do Judas
Priest, esse ainda está por ser escrito.
45 anos de estrada...uma marca
assustadora, mesmo no longevo universo do Rock & Roll. E mais assustador ainda
quando se fala de uma das bandas mais idiossincráticas e inclassificáveis da
história. E cá estamos, diante do lançamento em alta resolução de um dos shows
da turnê que comemorou essa marca, realizado no Indigo At The O2, Londres, em julho de 2017.
A imagem e som são
para lá de cristalinos. O palco é simples, sem nenhuma grande produção nem
arroubos na iluminação. A edição é comportada e nada frenética, o que agrada em
cheio à faixa etária consumidora, uma galera que geralmente gosta de veros takes privilegiando a destreza dos
músicos em seus instrumentos, ao invés da alucinante linguagem de videoclipe
que alguns HomeVídeos nos trazem.
No repertório, 15 faixas em 75 minutos de show. Marcadamente, para a data
comemorativa, temos o disco homônimo por completo, somado a 5 números da fase
inicial da banda. Sobre a banda, cabe ressaltar que aqui a formação é bem
modificada, somente EricBloom e BuckDharma restando dos
tempos clássicos. Mas nem de longe isso deve gerar problemas: a já conhecida cozinha
composta por DannyMiranda (também baixista do Queen, e que toca com os caras desde os
idos de Curse Of The Hidden Mirror) e
JulesRadino (bateria, também desde 2004 com o BÖC) é fenomenal. E ainda temos na formação um super trunfo: o multi-instrumentista
RichieCastellano (voz, guitarra e teclado), que acrescenta um bocado
tecnicamente ao time.
Dos nossos queridos velhinhos,
já setentões, EricBloom demonstra alguma limitação, tanto
na voz quanto na desenvoltura no palco. Inclusive, é notada a pegada mais lenta
para alguns números, provavelmente por conta dessas limitações. Já BuckDharma, esse está tocando como nunca, vide a memorável versão
estendida para Then Came The Last Days
Of May, na qual faz um duelo fenomenal com Castellano nos solos. Ah, e sim, ele ainda usa a "cheesetar". O que merece pontos extras!
Mas ao final das
contas, se temos um BÖC menos feroz
que no passado, por outro lado temos uma versão para lá de técnica da banda, em
um show que provavelmente irá tirar um sorriso de qualquer fã dos veteranos. (NOTA: 8,00)
Extras
Nos tímidos extras, cerca de
cinco minutos de imagens (em resolução razoável) da banda aquecendo, ensaiando
alguns detalhes e conversando nos camarins.
Gravadora: Frontiers Records (importado)
Prós: repertório fantástico para os fãs da
fase inicial
O quarteto
estadunidense, composto por músicos veteranos (mas sem muito destaque) do
underground local, causou um considerável estardalhaço com seu disco homônimo
em 2018. Um disco vigoroso, que ficava preso entre as décadas de 1970 e 1980,
mas dava curiosos vislumbres de outras eras, o que o destacava de boa parte da
produção da NWOTHM. Eis que, nesse
confuso ano, nos chega Valhalla.
Hora de tentar entender melhor qual a magia do Wolftooth.
Daqui a pouco o lobo vai precisar é de dentadura
A introdução dedilhada, TheLamentationsOfFrigg, prepara um
interessante clima épico, e não ficaria estranha em um disco de progressivo.
Mas progressivo definitivamente não se encontra mais a partir da excelente ThePossession, que conjura uma mistura de BlackSabbath (impossível
não notar a semelhança de estilo da voz de ChrisSullivan com o amado Madman) com elementos de NWOBHM. A produção é excelente,
novamente nas mãos de JeremyLovins, que consegue deixar a
sonoridade propositalmente num mundo fictício onde o OldSchool flerta com a
modernidade.
Firebreather aliás
é a própria conjuração de OldSchool. Quando segue esse caminho, repleto
de duelos de guitarras, o Wolftooth
remete aos bons tempos do GrandMagus (com um pouco do Orange Goblin). Mas há mais aqui do que
simplesmente uma boa jornada na estrada do saudosismo. A própria faixa título
estica as perninhas do Wolftooth
para tocar um terreno que remete aos momentos menos loucos do Mastodon ou ao passado do Baroness. Quando flerta com esse lado,
o groove da bateria e as linhas de
baixo tomam à frente com maestria. E é exatamente esse equilíbrio entre dois
mundos distintos que confere um charme especial ao Wolftooth. Valhalla pode
não ser um clássico instantâneo, mas garante quarenta para lá de agradáveis minutos
de uma banda que nasce com personalidade e cheia de promessas. Escute no talo! (NOTA:8,71)