sábado, 24 de março de 2018

Judas Priest – Firepower (Cd-2018)

Judas Priest - Firepower

O Incendiário Crepúsculo Dos Deuses
Por Trevas

Entra disco, sai disco e somos confrontados com as afirmativas por vezes fanfarronescas de artistas consagrados: meu próximo trabalho é o melhor que já lancei. Promessas que vem e vão, e raramente se concretizam. Não, não estou acusando o Judas de ter se utilizado desse expediente. Até por que não usou, no máximo li Richie e Rob dizendo que sentiam algo especial no trabalho vindouro. Mas confesso que eu é quem me sentia apreensivo. A banda, confrontada com as críticas pesadas à produção tacanha do (bom) Redeemer Of Souls, mostrou que não estava para brincadeiras: tirou Tom Allom da aposentadoria. Sim, o cara que assinou a produção de tudo o que o Judas lançara entre Unleashed in the East e Ram It Down. Já parece impressionante? Não parou por aí, chamaram também o melhor produtor de Heavy Metal dos últimos 20 anos, o britânico Andy Sneap, mago por detrás dos clássicos do Nevermore e da ressurreição do Accept. Satisfeito? Não? Nem eles. Além os dois renomados produtores de eras diferentes, ainda mantiveram Mike Exeter, com quem haviam trabalhado no disco anterior. Com essa trinca, partiram para o estúdio, e deram carta branca para que os produtores fizessem o que tivessem que fazer para extrair o melhor do bando de senhores e do já não mais calouro, Richie Faulkner. Uma estratégia que dependia e muito da maturidade e falta de ego de todos os envolvidos, mas que podia, enfim, até dar certo.

Judas em Firepower
Não bastasse a escolha incomum por um triunvirato de produtores, outro fato tornou o lançamento de Firepower uma incógnita. Glenn Tipton , do alto de seus 70 anos a figura mais icônica da banda, anunciou que não mais acompanhará o Judas Priest em turnê, devido às limitações físicas impostas pela terrível doença de Parkinson. Andy Sneap assumiria as guitarras nos shows e uma questão ficou no ar. Estaríamos, pouco depois da aposentadoria do Black Sabbath, diante do ocaso de outros dos monstros sagrados do Heavy Metal? E se o crepúsculo efetivamente se aproxima, seria Firepower um fim digno para uma das bandas mais influentes do estilo? Com essa pequena grande nuvem na mente, coloquei minha recém-chegada bolachinha para rodar. E no meu som ela estacionou por toda a semana...e cá relato o que achei...



Poder De Fogo Intacto

Firepower (ver vídeo), a música, começa vibrante e pesada. Logo de cara somos confrontados com a perfeição sonora proporcionada pelo trio de produtores. E somos também confrontados com um fenômeno: como a voz do senhor Rob Halford, 66 anos de estrada, está soando excelentemente bem! De nada serviriam esses detalhes se a música fosse uma bomba. Não é. Ainda que recicle o refrão meio panaca da rendição cafona para Rapid Fire com o Ripper (contida no Ep Bullet Train), a música cresce a cada audição e deve funcionar muito bem ao vivo, obrigado.



Lightning Strike, primeira faixa de trabalho, e totalmente old school, se sai ainda melhor. Riffs, refrão, solos, simplesmente perfeita em todos os sentidos. A empolgação nesse ponto era tamanha que a paulada midtempo Evil Never Dies, com sua letra fazendo uma releitura dos pactos com o cramulhão dos músicos de Blues, até pareceu uma bola fora. Simples, na mão de uma banda de segunda categoria como o Primal Fear, realmente poderia soar um daqueles pastiches mequetrefes que os fãs do revivalismo dos anos 1980 adoram endeusar. Mas nas mãos dos criadores de 99% dos clichês do gênero, a música acaba por se safar com louvor.


Falei em anos 1980? Então, a produção aqui é cascuda e moderna, ainda que bastante orgânica. Os músicos gravaram quase a integridade das bases ao vivo, com a banda tocando toda junto, uma ideia de Andy Sneap comprada pelos outros dois produtores. O que não impediu uma ou outra referência às produções do passado da banda, como na viradinha de bateria artificial da simplesmente absurda Never The Heroes, uma power ballad nas veias de Heart Of A Lion.


Necromancer é o tipo de música que se esperaria encontrar no sucessor de Painkiller, caso Rob não tivesse jogado a banda num hiato com sua saída. Engrandecida por um bem colocado coro dramático, nessa altura do disco já se percebe a opção em apostar no poder de interpretação de Halford, limitando os agudos lancinantes aos backing vocals. E nota-se também que a bateria de Scott Travis não tomava seu devido lugar de destaque na sonoridade de um disco dos caras desde sua longínqua estreia.

Os coroinhas do Padre Judas: Richie & Andy


Children Of The Sun é uma das faixas que demonstram que a banda não necessariamente deitou nos louros do passado. Possivelmente fruto da liberdade dada a Richie Faulkner, é repleta de groove e dinâmica, mostrando um Judas Priest diferente, ainda que prontamente reconhecível. Aliás, Richie deve levar sua parte dos créditos pelo sangue renovado da banda, quem duvida, cheque os caras ao vivo. O massacre continua com a belíssima instrumental de clima celta Guardians, que introduz a avassaladora Rising From Ruins. Tida como a favorita de Scott e Faulkner no novo disco, e repleta das dobras de guitarra de Richie e Glenn Tipton, ela poderia ser definida como uma nova Blood Red Skies, o que é um mega elogio.




Flame Thrower é outra faixa diferente, com andamento para lá de empolgante e algumas experiências (muito boas) na voz de Rob. O refrão parece algo que o careca teria pensado lá na época do Sin After Sin, e soa um pouco estranho nas primeiras audições. Uma música que demorou um pouco a me conquistar, mas que cresceu com o tempo. O groove retorna com a simples e para lá de viciante Spectre (ver vídeo), um dos destaques do disco, que já vem constando dos repertórios da nova turnê.



Já me daria por satisfeito com o que meus ouvidos testemunhavam até então. Mas o disco tem 15 músicas, e isso costuma ser um péssimo sinal. Pensei comigo, vai desandar em algum momento. Não desandou. Traitors Gate é um monumento à performance vocal do senhor Halford. Sua voz pode ter vivido eras de alcance maior, mas nunca antes fora tão bem gravada e com tantas variações quanto nesse disco. Fazia muito tempo que um vocalista não me impressionava tanto quanto nesse Firepower e a delícia Hard Rocker de pouco mais de dois minutos No Surrender seguida da paulada moderna cheia de groove Lone Wolf só comprovam meu ponto. O disco termina com a Power Ballad Sea Of Red, na veia da já clássica Angel, e poucas vezes na minha vida me senti compelido a rodar de novo um disco tão longo assim que o mesmo terminou.




Veredito da Cripta

O Heavy Metal em sua vertente mais tradicional parecia esquecido no tempo, as velhas bandas do estilo vivendo de raros lampejos (com exceções...ok, Accept e Saxon?), e as novas se limitando a copiar de forma pálida e diluída o que já fora feito melhor no passado. Aí vem um dos titãs do estilo e lança, aos mais de 40 anos de estrada, uma obra que não só se contenta em não fazer feio frente ao passado, como também é capaz de rivalizar com os melhores momentos de sua vitoriosa carreira. Firepower não é só o melhor disco do Judas Priest em décadas. É também o melhor disco de Metal Tradicional que escutei nos últimos cinco anos (talvez mais). Se esse realmente for o canto de cisne de uma das maiores bandas em todos os tempos, será uma saída triunfal de cena. Forte candidato a futuro clássico.  


NOTA: 10


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P.s.: A resposta do mercado foi unânime, o disco atingiu a maior posição na Billboard que a banda já teve (5ª posição) e nas paradas britânicas, também estacionou na 5ª posição, a posição mais alta que a banda conseguiu desde British Steel, de...1980!!!


Gravadora: Sony Music (nacional).
Pontos positivos: um dos melhores discos da carreira do Judas 
Pontos negativos: ele termina
Para fãs de: Iron Maiden, Saxon
Classifique como: Heavy Fucking Metal






7 comentários:

  1. Grande resenha á altura do (na minha opinião) melhor disco de 2018, afinal, falar do Judas Priest é pra mim um motivo de gratidão, pois foi esta a banda que me fez compreender o sentido do heavy metal em sua mais pura essência. Gosto de quase todas as fases que a banda passou em toda sua carreira e me surpreendi com o resultado de Firepower, seu mais recente petardo que está fazendo um baita sucesso mundo afora, um trabalho digno da carreira do JP.

    Sendo o irmão mais novo de Redeemer of Souls (álbum anterior de 2014), Firepower mostra uma enorme diferença em termos de produção (Tom Allom e Andy Sneap comandando tudo), com todos os instrumentos perfeitamente audíveis. Destaque para Richie Faulkner, que neste novo CD do JP mostrou novamente um substituto á altura do aposentado K. K. Downing e arrebentou no estúdio ao lado de Glenn Tipton, que está atualmente se recuperando do mal de Parkinson.

    Quanto ao tracklist, afirmo que Firepower não possui 14 faixas, e sim 13 (sendo "Guardians" uma vinheta introdutória para "Rising the Ruins"). Só achei estranho o álbum encerrar com a balada "Sea of Red"... A verdade é que não sou muito a favor de álbuns que começam com uma música mais pesada e terminam com uma balada do tipo "acende-celulares". Há neste aspecto algumas exceções que até concordo, mas no caso de Firepower (o título já diz tudo), se o disco iniciou bem tem que encerrar do mesmo jeito que começou, com uma música enérgica e vibrante. Tanto que da mesma maneira em que fiz no RoS (versão Deluxe), fiz algumas alterações no tracklist de Firepower, começando com a faixa-título e encerrando com "Traitors Gate" que é talvez a mais pesada do álbum. Para arredondar o tracklist, peguei "Crossfire" do álbum anterior (que substituí por "Tears of Blood" por condizer com o clima geral de RoS) para servir como faixa-bônus de Firepower, tendo assim 14 faixas.

    Enfim, parabenizo ao blog pela resenha deste álbum que entrou para a história como o melhor de 2018 e um dos melhores do Judas Priest; e que, sem dúvida, nos trará prazeirosas audições. E olha que não serão poucas!

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    1. Esqueci de falar que todas as músicas são ótimas e meus destaques vão para "Spectre", "Lightning Strike", "Never the Heroes", a faixa-título e a minha favorita do álbum, a grudenta "Flame Thrower". A respeito da minha idéia de acrescentar uma "faixa-bônus" para o Firepower, só agora eu me dei conta de que "Crossfire" não será preciso para arredondar o álbum, no caso a faixa-bônus de Firepower seja "Lone Wolf" por destoar um pouco de seu conteúdo. Seria mais fácil se excluíssem-a.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Fantástico, bro Trevas! Como não se emocionar e se deliciar com tão forte petardo dos deuses do Metal? Excelente resenha e plêi! Realmente a produção ESPANCOU a do Redeemer (abafado), um bom disco do apóstolo Judas. :)

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  4. Ps: Acredito que não, e torço para, que não seja o "Canto do Cisne".

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