quinta-feira, 17 de abril de 2014

This Is Your Life – Ronnie James Dio (Cd – 2014)

This Is Your Life
Vida Longa Ao Rei!
Por Trevas

Do Fim ao Início

Maio de 2010, recebo a ligação de um amigo e companheiro de banda. A voz do outro lado da linha trazia com ela todas as sombras de Mordor reunidas. Prendo minha respiração, enquanto a voz titubeante faz rodeios e não chega à evidentemente macambúzia noticia, e espero pelo pior. Finalmente a mensagem é passada “cara, o Dio morreu”. Fiquei surpreso e tive vontade de rir, dentre todos os cenários macabros que meu cérebro conseguira produzir desde que atendi o telefonema, esperava a fatalidade dentro do meu círculo social, e de certa forma fui tomado de imenso alívio. Brinquei um pouco com a situação e desliguei o telefone. Demorou cerca de cinco minutos até que me sentisse como se realmente a fatalidade tivesse se abatido sobre algum amigo próximo. Ronnie James Dio nunca soube de minha existência, mas sua voz falava comigo desde meus 16 anos de idade. Lembro-me como se fosse hoje: estava em São Paulo, entro no carro de um de meus tios, ia com ele até a galeria do rock, com dinheiro separado para comprar os discos faltantes a minha coleção do Iron Maiden.  A fita começa a rodar uma introdução que trazia uma fala de O Mágico de Oz, seguida de um rebuliço instrumental, e então um riff matador. Eu era fanático por Purple e em especial Ricthie Blackmore e reconheci o estilo do guitarrista de imediato. Quando achei que já era a melhor coisa que eu escutara até então, entra uma voz arrebatadora que me fez esquecer Ricthie Blackmore. A música era Kill the King, naquela versão do ao vivo On Stage. A voz, Ronnie James Dio. E repentinamente Bruce Dickinson já não me parecia mais o cara. E então eu soube que eu precisava escutar tudo o que aquele enigmático e gnomesco vocalista havia gravado. Meu dinheiro saiu do colo do insepulcro Eddie para a aquisição dos três discos de estúdio do Rainbow.

O grande amigo que nunca conheci
Stand Up And Shout

Wendy Dio fora casada com Ronnie James Dio por quase três décadas. Embora já separados quando Ronnie adoeceu, foi ela quem ficou ao lado do vocalista até os últimos instantes. Única empresária que Dio teve em sua carreira, Wendy criou em conjunto com o já enfermo músico o Stand Up And Shout Cancer Fund, instituição filantrópica que tem como alvo angariar recursos para investir em pesquisas relacionadas à cura e tratamento do câncer. Em seu leito de morte, Ronnie deixou uma missão nas mãos de sua companheira, todos os lançamentos póstumos que levassem sua marca deveriam deixar 100% da arrecadação atrelada ao fundo. Um ato que demonstrou que Dio manteve sua famosa nobreza até o último suspiro. Um verdadeiro legado de um pequeno grande homem.

Wendy e Ronnie - eternos amigos
Desde então alguns títulos já foram lançados com essa finalidade, em sua maioria explorando o vasto arquivo de gravações ao vivo nunca lançadas pelo vocalista. Em 2012, Wendy começou a trabalhar na ideia de um disco tributo, trazendo artistas famosos, cujo nome trouxesse um peso à causa que ela abraçou. Discos tributo ao Dio não são exatamente uma novidade, e em 1999 já havia sido lançado o ótimo Holy Dio, trazendo a nata do segundo escalão metálico em versões em sua maioria muito boas para os clássicos da carreira do anão (e.g.: Blind Guardian; Grave Digger, Doro, Fates Warning...). Mas quando foi anunciado que o tributo atual trazia gente como Motörhead, Scorpions, Anthrax e em especial Metallica, entendi o quão alto Wendy havia mirado. Contando com a excelente arte de capa de Marc Sasso, This Is Your Life foi lançado com grande expectativa. O legal é que o disco foi alçado diretamente à 25ª posição na parada da Bilboard, feito assombroso em se tratando de material relativo a um artista já falecido e que desde a longínqua década de 1980 não fazia parte do mainstream. Sinal de que a boa música nunca morre.

A excelente arte de Marc Sasso para o disco
This Is Your Life - Faixa a faixa:

Anthrax - Neon Knights
Os nova-iorquinos já haviam homenageado Dio em 2011, incluindo uma versão de Heaven And Hell em seu set na turnê do Big 4. Mas essa rendição de Neon Knights ficou bem mais bacana. Baseada em parte na original de estúdio, em parte na versão estendida costumeiramente apresentada pelo Black Sabbath ao vivo, cabe aqui destacar a voz de Belladonna, que ao menos em estúdio vem soando melhor que em seus tempos de sucesso com a banda. Ah, curiosamente, o guitarrista solo nessa faixa ainda é Rob Caggiano, que pouco depois disso abandonaria o posto para assumir as cordas no Volbeat. Um ótimo início.


Tenacious D – The Last In Line
A banda piada liderada pelos comediantes Jack Black e Kyle Gass sempre teve ligação estreita com Ronnie. Jack era amigo pessoal do gnomo e o D já havia homenageado o vocalista em seu primeiro disco, com uma música intitulada...Dio! Ah, e os artistas trocaram favores algumas vezes, com os comediantes participando do clipe de Push (de Killing the Dragon) e Ronnie aparecendo no filme da dupla, The Pick Of Destiny. A versão para Last In Line é bem legal, mais curta que a original,com a voz peculiar de Black guiando a canção com maestria. O solo de flauta substituindo o icônico original de guitarra foi um toque bem bolado.

Black, Gass e Dio: Tenacious Dio?
Adrenaline Mob – The Mob Rules
Existem dois vocalistas da atualidade que fazem justiça ao trono deixado vago por Ronnie. Um é o norueguês Jorn Lande e o outro é o estadunidense Russel Allen, que capitaneia o Adrenaline Mob. The Mob Rules foi gravada para o EP Covertà, quando Mike Portnoy ainda fazia parte da banda, e é tão fiel à original quanto avassaladora. Um dos destaques do disco.


Corey Taylor, Christian Martucci, Russ Parrish, Roy Mayorga – Rainbow In The Dark
Corey Taylor, o espoleta que lidera o Stone Sour e o Slipknot fez questão de participar do tributo. Fã confesso de Dio, juntou seus colegas de Stone Sour a Russ Parrish (ex- Fight) e gravou a toque de caixa essa surpreendentemente boa versão para a música mais famosa da carreira solo de Ronnie. Com boa performance vocal por parte de Corey e uma linha de guitarra substituindo o teclado original com maestria, Rainbow In The Dark pode ser uma porta de entrada para a molecada se interessar pelo catálogo do Dio. (Nota do Trevas: li em alguns lugares que Satchel, dos gaiatos do Steel Panther participa dessa faixa. No encarte ele não vem listado, qual foi então minha surpresa ao descobrir que Satchel e o sumido Russ Parrish são a mesma pessoa!!!!)


Halestorm – Straight Through The Heart
Uma das promessas do Hard/Heavy da atualidade, o Halestorm optou por fazer uma versão crua, sem a refinada produção que guiou seu último disco. Uma escolha acertada, a música ganhou uma cara nova, em parte pela pegada atual em outra pela excelente e poderosa voz de Lzzy Hale. Outra pedrada certeira.

Lzzy trazendo um toque feminino ao tributo

Motörhead & Biff Byford – Starstruck
Amigo pessoal de Ronnie desde os anos 1970, Lemmy não podia ficar de fora dessa festa. E não podia ser outra a escolha, Strastruck fala sobre um tema tipicamente Motörhead – a história de uma insaciável groupie. A participação do monocelha Biff Byford (do Saxon), cuja voz parece não envelhecer nunca, dividindo os microfones com Lemmy deixou essa versão com uma aura toda especial.


Scorpions – The Temple Of The King
A rendição dos alemães para a bela balada The Temple Of The King é um daqueles casos nos quais temos a impressão de que a música poderia muito bem ter sido escrita por eles, tamanha a identificação. Outro grupo que tinha uma boa relação de amizade com Dio, os Scorpions tomam para eles uma das músicas mais inspiradas do Rainbow. É de arrepiar.

Gnomos gêmeos? Dio e Klaus

Doro - Egypt (The Chains Are On)
Outro caso no qual a música se encaixa perfeitamente com o estilo do artista que a coveriza, Egypt já havia aparecido no excelente tributo Holy Dio. Doro, outra amiga de longa data do baixinho, dá uma vida toda nova à faixa com seu vocal rouco e algo sexy. Volta e meia a alemã adiciona essa mística canção em seus set lists.

Doro e Dio - a realeza do metal

Killswitch Engage – Holy Diver
Gravada em 2007, especialmente para uma edição da Kerrang!, essa versão para a música título do primeiro disco solo do Dio ganhou notoriedade na época, em especial pelo seu hilário clipe, que fazia troça com o tosco e icônico original. Ainda trazendo o excelente vocalista Howard Jones em sua line up, o KSE foi responsável por apresentar Ronnie Dio e sua música para a garotada fã da NWOAHM. Talvez a versão soe estranha aos ouvidos mais puristas. Particularmente, acho excelente.


Glenn Hughes, Craig Goldy, Rudy Sarzo, Scott Warren & Simon Wright – Catch The Rainbow
Bem, Hughes foi um dos melhores amigos de Ronnie, tendo até mesmo dividido um apartamento com o gnomo nas épocas de vacas magras. Foi ele o escolhido por Wendy para o concerto do Heaven And Hell que homenageou seu marido (em conjunto com Jorn lande, que acabou por se desentender com ela). Escoltado por ex-colegas de banda de Dio, Hughes acaba exagerando demais no tempero soul de sua interpretação, deixando a bela música um pouco estranha. Não ficou exatamente ruim, em absoluto, mas confesso que demorei algumas audições até me acostumar.


Oni Logan, Jimmy Bain, Rowan Robertson & Brian Tichy - I
O bom vocalista Oni Logan, famoso por ter feito parte do Lynch Mob, faz um trabalho bacana nessa excelente faixa do subestimado Dehumanizer. Um pouquinho respeitosa demais à original, a faixa acaba chamando mais a atenção por trazer de volta aos holofotes Rowan Robertson, que aos 19 anos apareceu ao mundo como o guitarrista prodígio que gravou o mediano Lock Up The Wolves do Dio.


Rob Halford, Doug Aldrich, Jeff Pilson, Vinny Appice, Scott Warren – Man On The Silver Mountain
Outra faixa a trazer um vocalista lendário escoltado por ex-colegas de Ronnie, Man On The Silver Mountain causa estranhamento a princípio. O metal god, a exemplo de quando capitaneou improvisadamente o Black Sabbath por dois shows, dá um pouco a impressão de que não está muito à vontade, mas na volta do solo ele acaba por se soltar mais e tudo se encaixa. De qualquer forma, a pegada da música ficou bem legal, com Aldrich brincando com o riff original no início da música, e após algumas audições acabei me acostumando e achando ótimo o cover.


Rob e Dio gravando Stars
Metallica – Ronnie Rising Medley
Quem me conhece sabe que não tenho nenhum apreço pela banda comercialmente mais bem sucedida da história do metal. Para variar, os ególatras condicionaram sua participação no tributo a não ficarem restritos a uma única música. Torci o nariz. Quando me disseram que o medley, que inclui trechos de Light In The Black, Tarot Woman, Stargazer e Kill The King (todas do Rainbow), estava matador, fui escutar cheio de preconceito. Quebrei retumbantemente minha fuça implicante. Alucinante desde a introdução, o medley traz o Metallica com uma fúria e perícia que não são vistos nos caras desde sei lá quando. E Hetfield conseguiu driblar de maneira brilhante suas limitações vocais, trazendo soberbamente músicas bastante complicadas de cantar ao seu característico estilo. Até mesmo a escolha da manjada Kill The King (que 789 bandas já coverizaram) tem que ser perdoada, é a melhor rendição para essa música que ouvi afora a original. Só para não dizer que perdi o sangue nos olhos e o veneno na língua, a passagem de Tarot Woman para Stargazer podia ter sido melhor elaborada, mas pedir que Lars replicasse a mítica introdução criada por Cozy Powell com alguma decência é um pouco demais, não? De qualquer maneira, num disco com nível bastante elevado, o Metallica conseguiu sobressair, tenho que dolorosamente admitir.


Dio – This Is Your Life
Talvez a única coisa que preste em Angry Machines, de longe o pior disco solo de Dio, this Is Your Life é uma balada belíssima. Com sua letra ganhando um significado tocante perante a morte de nosso ídolo, chega a dar arrepios ouvir a majestosa voz de Ronnie versar sobre a efemeridade de nossa existência. E sua performance nessa faixa serve para nos lembrar do imensurável talento que perdemos.

Saldo Final
Um excelente disco, repleto de talento e coração, feito para uma causa nobre e homenageando o maior vocalista que o heavy metal já ouviu. Preciso dizer mais?
O pequeno grande rei viverá para sempre através da atemporalidade de sua música.
E nós mortais temos que celebrar seus feitos, hoje e sempre. Agora me dá licença que vou escutar o disco de novo!

NOTA: 9,5


Prós:
Repleto de artistas consagrados, do passado e da atualidade. Todas as versões transpiram respeito e prazer em fazer parte da homenagem.

Contras:
Podia bem ser triplo...

4 comentários:

  1. Gostei bastante desse disco. Tb me surpreendi com o metallica

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    1. Fala, Tarcisio!!! Beleza?
      Quando esse tributo foi anunciado,fiquei cético a princípio,não via motivos para mais um ributo ao gnomo.Mas ficou muito bom,é disparado o melhor em homenagem ao Dio,eum dos discos tributo mais legais no geral. Talvez perca pro Nativity In Black (o primeirão),em homenagem ao Bréquiçabá e o Legends Of metal em suas duas edições,em homenagem ao padrejudas
      Abração
      Trevas

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  2. Trevolixon, vamos ao comentário...

    1992. Canecão. Bréquiçába no palco... OOOOOOOOHHH... COME ON! Ali concluí que podia morrer dentro de mais duas horas... Estava vendo ELE, do alto de seu metro e meio, a pouco mais de dez metros de distância... E depois mais cinco vezes se juntaram a essa... E, em cada um dos shows, o mesmo prazer e vontade de fazer o melhor show do mundo... Até quando aquele bosta do Craig Goldy tocou menstruado uma noite... E o carinho pelos fãs... Gone too soon...

    Achei sua resenha muito pertinente, com apenas três senões:

    (1) Sua implicância com o Merdalli... oooops!, Metallica. Procure ouvir sem preconceito (caso AINDA não o tenha feito) o bootleg deles homenageando o Lemmy, no seu/dele 548º aniversário. Chama-se "Live at Motörhead Bash" (ou algo assim)... Para surpreender o público, que não sabia quem tocaria, autodenominaram-se "The Lemmys" e tocaram vestidos a caráter, com direito aos crocotós lemmynianos, e sua/dele presença em Overkill (Reprise)... É uma pedrada! E tente ignorar o Lars...

    (2) Não curti nem um pouco a recolocação da Doro neste tributo. Deu um ar meio de requentado... Ela poderia - ou qualquer outro artista - ter feito uma versão nova.

    Bom... Minha nota é 9,5 também. Os poucos pontos frágeis da bolacha estão bem exploradas por vossa excrescência!

    Beijunda!

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    1. Krillzótico
      Assisti o gnomo também 5 vezes, 3 solo, uma com o Heaven And Hell e outra com o DickPurple + orquestra, onde ele foi tão ovacionado que a escrotinha da vovó sem voz Ian Gillan deu pití e não retornou ao palco pro Bis.

      Aos seus Senões:
      1. Conheço a história do the Lemmys, já vi alguns trechos. Eles são escrotos, talvez a banda mais babaca da história do metal. mas certamente tem direito a mais de um capítulo no livro que contará essa história, e claro, tenho alguns cds. Mas impossível ignorar o tamanho da babaquice de james e principalmente lars.

      2. Já ouvi mais gente reclamando. Convenhamos, o pessoal que compra um disco com Halestorm, Corey Taylor, Metallica e KSE não necessariamente é o bando de velho tarado que comprou Holy Dio em 99. Mas entendo o que queres dizer.

      Vem cá, você falou em 3 senões, cadê o terceiro?
      Jundis
      T

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