domingo, 24 de junho de 2012

The Cult – Choice of Weapon (2012)



A AGRADÁVEL VOLTA DOS QUE NÃO FORAM

Prólogo - não haverá mais um novo disco do The Cult?
Em meados de 2009, me deparei com uma notícia que de certa forma me trouxe tristeza:



Pouco depois do lançamento do ótimo Born Into This, Ian Astbury, vocalista dos britânicos do The Cult, bastante inflamado pelo que ele acreditou ser uma falta de retorno por parte de crítica e público a sua recém lançada obra, desabafa em várias entrevistas promocionais (uma matéria sobre isso segue no link abaixo): “o formato de álbum está morto, na verdade morreu há muito tempo -  não haverá mais um novo disco do The Cult, ninguém mais compra discos”.





Mais um dos artistas clássicos do rock se rendia à falta de perspectiva que a selvageria sem lei do mundo digital trouxe ao mercado musical.
Não, não tenho nenhuma solução milagrosa para resolver o problema dos download ilegais e nem pretendo enveredar por esse assunto espinhoso. Apenas sou um dos talvez poucos fãs do formato de álbum, que, quando bem utilizado, gera obras que vão muito além de um apanhado de músicas sem correlação umas com as outras. E eu estava vendo uma de minhas bandas favoritas se render, com palavras amargas e nenhuma luta.
Naquelas mesmas entrevistas, Mr. Astbury ainda diria que o futuro do The Cult seria o lançamento do que ele chamou de “cápsulas” – pequenos pacotes multimídia que envolveriam entrevistas, performances ao vivo e eventuais novas faixas, material esse a ser comercializado em meio digital. Para mim, apenas um nome pomposo para o famigerado EP.
Qual não foi minha surpresa então ao me deparar com notícias sobre o “release date” de um novo álbum da banda ano passado. A curiosidade elevou-se à enésima potência, os dois últimos discos do The Cult estão entre meus favoritos da banda, seria triste que justamente agora que a banda se recusara a entregar os pontos, viesse com material de qualidade inferior.
Além da expectativa e muito maior que a mesma ficou a curiosidade em saber que caminho o ressurreto culto seguiria.
Aqui trago a resposta e compartilho com vocês.



Choice of Weapon, o pacote
Me deparei com Choice of Weapon em uma loja (Roots Records) no centro de Florianópolis. O disco estava na vitrine, e a bela imagem de uma figura xamãnica estampando um digibook caprichado. Um adesivo redondo afixado à embalagem indica o nome da banda. Ao abrir o pacote, para minha surpresa, além do belo encarte, descobri que na verdade estão encartados, em dois envelopes separados, dois discos. Um deles, contendo o repertório do disco em si. O segundo, não indicado em nenhum lugar da embalagem, contendo o material lançado anteriormente como “Capsule”, a cápsula multimídia de quatro faixas inéditas lançada via Itunes ano passado. O ato de encartar o material lançado digitalmente talvez represente um átimo de esperança da banda no arcaico meio físico de distribuição de música. Sabe lá...
Cabe ressaltar portanto que o material analisado na resenha inclui os dois discos encartados.


Arte de Capsule


Choice of Weapon – um retorno a um culto mais simples e cru

O The Cult talvez seja uma das bandas mais camaleônicas da história do rock. Quase todos os sub-sub-sub estilos trilhados nos anos 1980 e 1990 de alguma forma permearam a música do grupo. Mas, o que torna a banda tão especial talvez seja a capacidade dela fazer essas incursões sem nunca perder a sua essência: por mais diferentes estilisticamente que sejam seus discos, você identifica que é o The Cult de imediato.
E se os dois últimos lançamentos mostraram mais um toque de modernidade ao som do grupo, Choice of Weapon segue o caminho contrário.  Um resgate ao passado seria a intenção. Mas a qual dos passados de sua mutante carreira? Billy Duffy, guitarrista e líder, vem dizendo que encara o disco como uma continuação ao Sonic Temple, obra de 1989 que fincava os pés da banda em um hard rock de arena, ainda que existisse muito mais nas entrelinhas daquela bolacha.
Não consigo contradizer Mr. Duffy, ainda que o disco me soe mais como uma mistura de Electric com algo do The Cult (o “disco do bode”). Mas uma coisa é certa: os britânicos estão com um som muito direto e algo cru – rock puro e virulento. E isso nunca é ruim.

The Cult nos dias atuais - com o lobo escalpelado à mesa
Nome tirado de um provérbio budista, que diz que uma criança pode lamber mel de uma faca em busca da doçura, mas eventualmente irá se cortar: “Honey From a Knife” abre o disco com uma produção seca e cru, com riffs cortantes e cara de anos 1980. Até os backing vocals tem cheiro de laquê e lycra. Mas bem lá no fundo, há algo que cheira levemente a modernidade. Ian Astbury disse à Classic Rock Magazine que escreveu a letra depois que “a dor e loucura existencial era tão pungente” que ele quisera se livrar de tudo, pegou uma faca de cozinha e mutilou o próprio braço.  Voltando a si com a dor da ferida, colocou uma bandagem no braço e saiu caminhando pelas ruas de NY, onde teve pequenas epifanias que se tornaram a letra da música. Não me surpreende que ele cite “the fucked up children” na letra. Ok, tenho medo desse cara.

Ian Astbury - um cara estranho e cada vez mais parecido com o Jim Morrison da reta final
Elemental Light é a banda em sua forma baladeira mais pura – dedilhado e voz que você reconheceria a dezenas de quilômetros de distância. Em um crescendo calculado, a música chega a um Refrão bonito e simples. Jogo ganho.
“O lobo é meu animal de estimação. Desde criança ele me fascina”. Ian Astbury homenageia sua animalzinho com a rockeira The Wolf, diretona, com um riff que me parece algo copiado de alguma trilha sonora de filme da sessão da tarde, mas que não consigo identificar ao certo. Festiva e bacana, total volta ao tempo.
Um arranjo mais elaborado com direito a pianos dá vida a algo lúgubre Life> Death. Muito, muito bonita.
A rápida For The Animals foi descrita por Mr. Duffy como soando como os Ramones coverizando algo do Hawkwind. Faz sentido. Cabe ressaltar o clima rock vintage dado pelo piano do convidado Jamie Edwards, que ainda contribui com algumas cordas que aparecem ao fundo de alguns arranjos.
Outro riff que parece estocado desde meados da década de 1980 por Billy Duffy, Amnesia é tão contagiante quanto breve.

O maracujá de gaveta Billy Duffy


O lado gótico do The Cult aparece em Wilderness Now, mas não espere a fase Love ressurreta. Outra power balada bonita e digna da carreira dos veteranos.
O disco do bode vem à tona com a porrada algo mais moderna Lucifer, enquanto A Pale Horse, uma de minhas favoritas, tem um clima totalmente setentista. Algo que poderia se referir às faixas mais poderosas de um Cactus, explodindo em um ótimo refrão.
A enigmática faixa de encerramento This Night In The City Forever é a única para qual não consigo traçar paralelo com nenhuma fase da banda. Não empolga, mas fecha o disco de forma digna.


Performances individuais e Produção
Apesar de ser um grande disco, Choice of Weapon não passa incólume a alguns pequenos problemas. A produção é boa e correta, mas em alguns pontos seca demais. E talvez o que possa incomodar mais a alguns, é evidente o cansaço da bela voz de Ian Astbury, algo que já se fazia evidente nos últimos anos em se tratando de performances ao vivo, mas nem tanto em estúdio.
A produção foi iniciada por Chris Goss, mas com o avançar dos trabalhos de gravação, a banda contratou o famoso Bob Rock para finalizar.
Billy Duffy continua a máquina de riffs de sempre, ainda que às vezes pareça reciclar suas próprias idéias. Seus solos tem um toque de melodia ímpar e é um caso evidente de guitarrista que conta muito mais com estilo e feeling do que técnica, o que considero ótimo.
Chris Wyse e John Tempesta são monstros em seus instrumentos, mas a abordagem mais direta do disco faz com que eles joguem sempre para o time, ainda que com pegada irrepreensível.

Capsule – quatro faixas que valem bastante
Já as quatro faixas inclusas em Capsule, seriam as mesmas do mesmo nível do álbum? Sim e não. Produzidas por Chris Goss, as faixas trazem arranjo algo mais moderno. Sabiamente, o produtor consegue esconder o cansaço da voz de Mr. Astbury em algumas camadas de efeitos.
Das quatro faixas, destaca-se em absoluto Siberia, uma das mais legais da banda nos últimos tempos.
Em termos de clima, as músicas de Capsule trazem um The Cult um pouco mais dark do que em Choice of weapon, mas não chegam a destoar absurdamente do restante do material.
Em suma, compõe muito bem o pacote.

Mais uma parte da arte de Capsule
Saldo final
Ao tentar fazer um retorno a sua fase rock de arena, o The Cult consegue amalgamar suas várias facetas em um disco que muito provavelmente agradará a todos os fãs da banda, independente de sua época favorita. Que a banda não mude de ideia de novo e continue a produzir obras como essa – e lance-as fisicamente.

NOTA: 9


Curiosidade:
- O Xamã estampado na capa é o próprio Ian Astbury. Ou como ele relatou em entrevista à Classic Rock Magazine – “Não era exatamente meu EU cotidiano, era alguma coisa se manifestando através de mim, algo animalesco”. Tá bom, então...

Ficha Técnica

Banda (Nacionalidade): The Cult (Ing)
Título (ano): Choice of Weapon (2012)
Mídia: CD Duplo
Gravadora: Cooking Vynil records (importado)
Faixas: 10 (+ 4 em Capsule)
Duração: 42’ (16’ em Capsule)

Rotule como: simplesmente The Cult
Indicado para: Fãs de The Cult em qualquer fase, em especial a Hard Rock.
Passe longe se: você for um dos poucos que abomina a fase hard da banda.





7 comentários:

  1. Tenho uma relação algo estranha com o "Cult". Às vezes amo de paixão, de vez em quando coloco no fundo do caixão...

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    1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    2. Mr Krill
      Minha relação com a banda não é lá muito diferente. Longos períodos de idolatria por igualmente longos de esquecimento.
      Mas atualmente venho resgatando em especial o Love.
      Abracetas
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  2. Muitas curiosidades que ouso você falar e outras nem sabia da existência, está sendo muito proveitoso seu blog amoreco!!! :***

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    1. Olá, Pequena
      Tenho pesquisado algumas coisas e descoberto novas fontes. Escrever esse blog está sendo bom para resgatar algumas histórias que não lembrava tem tempo.
      Te amo
      Bjos
      T

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  3. Sensacional as críticas e comentários, tenho 42 anos e fâ convicto do The Cult, pode vê-los ao vivo em SP acho q em 96, e esse album novo foi o q de melhor aconteceu esse ano de 2012 nessa safra pobre de rock´n roll no Brasil e no mundo, uma pena poucos terem a mesma opiniao. Valew, gde abraço e continue com o blog.
    Jame Jr

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    1. Olá, Jaime
      Obrigado pelo comentário, concordo com você sobre esse disco, um baita lançamento do Cult. Também tive a sorte de assistir a banda ao vivo, mas foi mais recentemente, na turnê do Born Into This, que também acho muito bom. Abraço e volte sempre
      Trevas

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