segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Tamuya Thrash Tribe – The Last Of The Guaranis – Edição Especial (2Cds-2016)

Tamuya Thrash Tribe - The Last Of The Guaranis (Cd-2016)

Programa De Índio
Por Trevas

Meu primeiro contato com Tamuya Thrash Tribe (ou TTT) aconteceu de surpresa. Uma grata surpresa, diga-se. Fui ao Vivo Rio em 2012 assistir ao show do Black Label Society, banda de Zakk Wylde. Quando adentrei a casa o TTT já estava no palco, detonando um set curto, mas bem poderoso. Dois anos depois, tive a oportunidade de rever o show dos caras minada pela falta de informações sobre o horário de início do show, que abriu a estrondosa passagem do Amon Amarth pelo Circo Voador. Show perdido, aproveitei para garantir uma cópia do Ep United, primeiro rebento dos cariocas. United é um disco bacana, um bom cartão de visitas de uma promissora banda. Mas quem viu ao menos um pouco de qualquer show dos caras, com seu Thrash Metal + Death Metal Melódico que em muito lembra o dos já citados Vikings suecos, sabia de cara que a banda tinha muito mais a mostrar. E então um dia fui surpreendido pelo anúncio da arte de capa do que seria o disco de estreia, intitulado The Last Of The Guaranis. E sim, tinha cheiro de coisa especial.


Arte Gráfica e Conceito:

O anúncio da impactante arte gráfica, uma belíssima e sombria ilustração da artista plástica Isabelle Araujo, baseada em ideias do vocalista/guitarrista Luciano Vassan e inspirada nos trabalhos do premiado fotógrafo Steve McCurry já mostrava em parte o conceito por detrás do disco. A emblemática capa traduz em uma só imagem o acachapante índice de suicídio entre os povos indígenas, fruto de conflitos por terras onde a cultura e os valores religiosos dos nativos são violentados em prol do lucro do homem branco. The Last Of The Guaranis chafurda tematicamente nas entranhas de alguns desses conflitos desde suas origens, remetendo aos seus desdobramentos na violência urbana que encontramos hoje nas grandes cidades. Forte, não. Mas de boas intenções (e pretensões) o inferno está cheio, e de nada adiantaria o belo conceito se não estivesse acompanhado de uma boa contraparte musical. Para nossa sorte e deleite, a parte musical não fica nem um pouco atrás...

Arte Gráfica da Edição Especial (capa/contracapa)
Música:  

O disco abre mostrando suas raízes, com um hipnótico cântico indígena entoado pelo Coral de Crianças Guarani. Logo somos jogados de um ambiente aparentemente pacífico para o olho de uma tempestade. Nessa tempestade, a dita voz de Nhanderú é expressa pelo trovão, ou como dizem os donos dessa terra, Tupã-Cinunga. Musicalmente o TTT surge como o trovão expresso na letra, matador, uma versão tupiniquim perfeita dos suecos do Amon Amarth. A voz de Luciano Vassan (que escreve boa parte do material e também toca guitarra), inclusive, lembra a de um imberbe Johan Hegg. O apoteótico interlúdio em tupi vem nos lembrar que não estamos nem de longe falando de meros copistas.



O ponto (ou cantiga) de umbanda, Brado de Xangô (na voz da Mãe de Santo Gleyds Granden), faz o perfeito contraponto com a ferocidade de Senzala/Favela. Essa música traz elementos tribais (ao longo do disco, vários percussionistas convidados auxiliam o excelente baterista Bruno Rabello), guitarras que lembram os sons mais pesados do Paradise Lost e letras em inglês e português para fazer a correlação entre o fim da escravatura e o início da favelização e segregação racial aliada ao constante desmerecimento dos valores culturais afrodescendentes. Confesso não ter nenhuma simpatia pelo Marcelo D2, mas sua participação nessa música cai como uma luva, ajudando a criar o clímax de um possível novo clássico do metal nacional. A destacar, a bela produção de Sidney Sohn Jr, que consegue equilibrar a crueza com diversos elementos exóticos que engrandecem em muito o resultado final.

TTT - 2016
The Last Ball Of The Empire é mais direta e tem menos chances de assustar os fãs mais ortodoxos de Metal. As guitarras cortantes de Vassan e Leonardo Emanoel erguidas imponentemente sobre a base monolítica da cozinha formada por Rabello e João Paulo Mugrabi (baixo). Nela sinto pela primeira vez um dos pequenos problemas do disco, a pronúncia do inglês de Vassan. Longe de ser macarrônico, provavelmente só incomodará os muito detalhistas ou os native speakers. Mas esse é um dos poucos pontos que consigo enxergar onde a banda pode evoluir, até por que a qualidade do material é tanta que os mercados internacionais devem estar na programação. A excelente faixa título é outra a trilhar um caminho mais Amon Amarth, com adicionais tribais e alguns momentos meio Dino Cazares na guitarra.


A voz de João Cavalcanti (filho de Lenine e vocalista do Casuarina), dá vida a perfeita Vinte e Cinco, que serve de introdução à Violence And Blood (ver vídeo), numa das melhores fusões música brasileira/Metal que se tem notícia desde Roots do Sepultura. Apoteótica! A Call From Xapuri e Conjuration são muito boas, mas empalidecem um pouco perante o restante do material. O disco se encerra de maneira mais calma, com a balada Urutau’s Cry mostrando que o gogó de Vassan ainda se faz muito mais eficiente nos momentos mais violentos do que nos de maior sutileza. Hàhè’m nos apresenta à bela voz de Zahy Guajajara, naquela que pode ser definida como uma The Great Gig In The Sky, do Pink Floyd, se a mesma fosse cantada em tupi por uma banda de metal. Exótico? Absolutamente. Mas cara, funciona muito bem!


Saldo Final

The Last Of the Guaranis é um ousado trabalho desde sua concepção gráfica até sua execução musical. Acredito piamente que tem muita banda boa no cenário rocker brasileiro colocando nas prateleiras físicas ou digitais uma penca de bons lançamentos. Mas não me lembro a última vez que fiquei tão admirado com um disco de estreia de uma banda de Heavy Metal brasuca como fiquei com este Cd. Só o tempo dirá, mas apostaria sem medo que The Last Of the Guaranis será lembrado no futuro como um dos grandes clássicos de nossa música pesada. Um dos melhores discos desse belo ano para a música pesada que foi 2016!



NOTA: 9,10

Pontos positivos: excelentes integração entre o Metal e música brasileira
Pontos negativos: pode assustar os bangers mais ortodoxos
Para fãs de: Amon Amarth, Sepultura
Classifique como: Melodic Death Metal, Thrash Metal


Bônus da Edição Especial:

Quem comprou o disco antecipadamente pelo Site do TTT recebeu em mãos um belo pacote em formato DVD/Digipack, contendo um encarte caprichado e um segundo Cd. Esse segundo Cd é a versão remasterizada do Ep United, com a cozinha regravada pela formação atual e duas faixas bônus acústicas. Como eu falei no início da resenha, United representou um cartão de visitas bacana do potencial da banda. Mas nem de perto faz frente ao material do novo disco. Ainda assim, um ótimo complemento, ainda mais por conta do formato, que valoriza bastante a bela arte gráfica. Coisa de primeiro mundo.


Capa Original de United

2 comentários:

  1. Caraca, essa banda merece um grande respeito por parte do público. Fazer um metal incorporando ritmos e linguagem indígenas, é uma coisa realmente inovadora. A banda esta fazendo o que espero de uma banda: botando a cara pra bater e procurando sua identidade. PARABÉNS mesmo a ela e vamos valorizar. Metal Nativo é coisa nossa, brasileira.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. fala, Moshilão!!!
      Também acho que a banda tem uma cara bem própria com a mistura proposta. Uma grata surpresa esse disco, espero que chegue aos ouvidos de mais pessoas.
      Abração
      T

      Excluir